Uma Luva para Detetar o Cancro da Mama

Um dispositivo médico de pré-rastreio, portátil e de fácil utilização, que deteta alterações no tecido mamário e permite agir mais rapidamente. A ideia partiu de dois amigos, e os primeiros testes são muito promissores.


Mário Costa

Fotos: CleoCare


Em Portugal, o cancro da mama é a neoplasia mais diagnosticada nas mulheres, com cerca de 7000 a 9000 novos casos por ano, representando a primeira causa de morte por cancro na mulher. Mas a taxa de sobrevivência é elevada, cerca de 90%, graças a programas de rastreio que visam o diagnóstico precoce. Os fatores de risco incluem a idade, histórico familiar, alterações genéticas, excesso de peso e consumo de álcool e tabaco. 

Dentro de dois anos poderá estrar no mercado um dispositivo médico, uma luva, que pode ser um aliado poderoso para o rastreio. Uma ideia posta em prática por dois amigos empreendedores, e que nasceu depois de um caso de cancro da mama que afetou uma familiar de um deles.

«A ideia nasceu depois de uma prima minha ter sido diagnosticada com cancro da mama quando tinha 38 anos. Ela costumava fazer a autopalpação, só que não tinha qualquer confiança nela própria a fazer o autoexame e, quando sentiu um nódulo no peito, desvalorizou completamente, e pensou “isto é normal”. E como nunca tinha tido grandes problemas de saúde, pensou que não era nada de grave. Passaram três ou quatro meses, e ela foi a uma consulta com o meu pai, que é médico de clínica geral. O meu pai examinou-a e chegou à conclusão que não era normal, e mandou fazer uma ecografia e uma mamografia. Veio a verificar-se que era um tumor maligno.»

O relato é de Francisco Nogueira, 31 anos, engenheiro biomédico e um dos fundadores da CleoCare, empresa que está a desenvolver a SenseGlove, um dispositivo médico que permite a deteção precoce do cancro da mama. O processo que levou à deteção do tumor na sua prima não saiu da cabeça de Francisco Nogueira. Uma pergunta começou a pairar na sua mente: como é que a prima não tinha percebido de imediato que aquele caroço não era normal, e o pai, médico, percebeu de imediato? A eventual resposta a esta dúvida acabou por estar na génese do projeto.

«Uns dias depois, estava a falar disto com o meu pai e perguntei-lhe como é que a minha prima ao sentir um nódulo no peito não percebeu que aquilo não era normal e ele tinha percebido de imediato que havia ali um alerta. Claro que o meu pai invocou os mais de 40 anos de experiência, ainda por cima em medicina geral e familiar. Mas também percebi que as mulheres podem não ter muita confiança no autoexame, na palpação, e que poderiam ter algo que complementasse ou que desse mais objetividade no momento da palpação», explica Francisco Nogueira.



Estava-se em 2020, Francisco Nogueira tinha terminado um mestrado e preparava-se para entrar no mercado de trabalho. Mas a pandemia da Covid-19 obrigou ao confinamento forçado com tudo fechado, sem perspetiva de voltar à normalidade. É nessa altura, e em resultado de conversas sobre o tema em casa, que começa a trabalhar na ideia de um dispositivo médico que, inicialmente, não era uma luva. «Eu tinha pensado num dispositivo quase como um desodorizante Roll On, que fosse passando pela mama e fosse retirando, medisse os níveis de densidade da mama e os níveis da textura do tecido mamário. E foi assim que no fundo surgiu a ideia», conta à Selecções do Reader’s Digest.

Fechado em casa, e porque confessa que «nunca fui uma pessoa de ficar a olhar para o teto», Francisco Nogueira meteu mãos à obra e começou uns primeiros testes com tecnologia em casa usando componentes como sensores. E é nesta fase que se junta à ideia Frederico Stock, de 30 anos, amigo de longa data de Francisco, que de imediato se entusiasmou com o projeto. Optometrista de formação, Frederico estava, na época, a tirar um curso de Gestão com especialização em inovação digital.


Também confinado em casa, ia mantendo o contacto com o amigo Francisco, que lhe ia dando conta dos progressos que ia fazendo no projeto do dispositivo médico. E quando as restrições diminuíram, retomaram a prática desportiva juntos. «Eu já trabalhava na área da saúde como optometrista e sempre tive interesse nessa área, e percebi que não queria ser apenas mais um, queria fazer alguma coisa com impacto, não ser apenas as consultas, trazer também inovação. Eu estava a fazer o curso e nós íamos falando, o Francisco foi-me falando sobre esta ideia, e fui ficando entusiasmado. Na altura, em maio de 2020, propus ao Francisco juntarmo-nos e para eu colocar no projeto os conhecimentos que estava a aprender no curso, a ver se conseguíamos fazer alguma coisa desta ideia. Foi então que começámos a trabalhar juntos», conta Frederico Stock.


É então que a ideia sai do papel e começam a concretizá-la. A primeira fase do projeto consistiu em ir à procura da validação da própria ideia. Na prática, foram procurar saber se o problema que tinha havido com a prima do Francisco existia com mais mulheres, partindo também das informações médicas que o pai do Francisco lhes tinha passado, bem como a opinião de outros clínicos. «Começámos a entrevistar mulheres, a enviar inquéritos, inclusivamente chegámos a ir para o parque de estacionamento de uma cadeia de supermercados falar com as mulheres que iam passando. O primeiro ano do projeto foi muito isto, andar a recolher a informação para validarmos a ideia. Através de um amigo chegámos ao Doutor Rogélio Luna, Presidente da Associação de Cirurgiões da Mama de Espanha, que também apoiou logo desde o início e nos foi dando muito feedback e muitos conhecimentos que foram muito úteis, especialmente na fase inicial», revela Frederico Stock.


As certezas de que estavam no bom caminho vieram quando venceram um programa de pré-aceleração da Universidade Católica e começaram a ser notados por potenciais investidores e mentores, inclusivamente a startup de Braga, que os convidou para aí instalarem a sede do projeto.

«Foi nessa altura que pensámos que se calhar tínhamos aqui qualquer coisa que pode fazer a diferença e podia fazer sentido avançarmos. Em junho de 2021 criámos a empresa e decidimos avançar com a Glooma que, entretanto, passou a chamar-se CleoCare», salientaram à nossa revista.


SenseGlove deverá estar disponível em 2027


Mas o que é a SenseGlove e como funciona? A SenseGlove é uma luva com sensores, que substitui o autoexame mamário mas não substitui as consultas de rotina e os exames de rastreio e diagnóstico. O objetivo é aumentar a deteção precoce do cancro da mama e, consequentemente, as taxas de sobrevivência. «De salientar que a luva ainda não está disponível porque tem de passar pela certificação como dispositivo médico. O que vamos disponibilizar é a aplicação móvel. A aplicação móvel ainda terá a funcionalidade de mostrar, ensinar e capacitar as mulheres que quiserem usar este sistema. Depois, quando estiver certificada, irá complementar com a luva em si. Funciona através de sensores de pressão que funcionam à base do toque. Ou seja, foi como o Francisco explicou, foi baseado na palpação clínica mamária que os médicos fazem, ou seja, aquele princípio de que o médico consegue fazer a palpação e detetar uma anomalia através das diferenças de pressões. Ou seja, sentir algo mais duro na mama ou sentir algo mais mole. Nós tentámos recriar esse sistema dos nossos dedos para que se consigam ver as diferenças de pressão. Essa informação é passada à APP, para que depois a utilizadora possa partilhar com o seu médico e até fazer um histórico de palpações», específica Frederico Stock.


Em testes-piloto feitos com mulheres no Hospital da Luz e no Hospital do Barreiro, os sensores detetaram com precisão alterações em 88% das utilizações, com apenas 12% de taxa de falsos positivos, e alcançaram um registo sem falsos negativos. A CleoCare está a trabalhar com quatro hospitais portugueses e a colaborar com investigadores da Universidade do Alabama, nos EUA, para poderem obter a certificação por parte da FDA, a agência americana que regula a entrada de medicamentos e dispositivos médicos no mercado. Segue-se a certificação para o mercado europeu. Se tudo correr como planeado, a luva SenseGlove estará disponível no mercado europeu em 2028. (Saiba mais em www.cleocare.pt)