Perda de Audição pode ser revertida?

A perda de audição pode ser 

Revertida?


A resposta talvez seja sim.



Vanessa Milne 

Ilustrações por Pete Ryan 




 «OLÁ VANESSA. Prazer em ver-te!» Sabe bem ouvir estas palavras quando encontro pessoas que conheço. Mas tomo como adquirido que ouvi aquela saudação – e, na verdade, todos os outros sons. Nunca penso sobre como ouço as coisas, como o meu cérebro está a traduzir os sons para retirar deles um significado.

No entanto, o processo é fascinante. A viagem do som desde o exterior do ouvido até ao cérebro, que dura apenas milissegundos, é estonteantemente elaborada. Primeiro, a onda sonora entra em cada ouvido e faz vibrar o tímpano, fino como papel. Essa vibração faz mexer dois pequenos ossos que estão atrás deste, que começam a dançar em sintonia com as vibrações da onda sonora.

Depois, um terceiro osso encostado à cóclea começa a vibrar e as coisas tornam-se mesmo interessantes. A cóclea é uma estrutura óssea do tamanho de uma ervilha com a forma de casca de caracol e preenchida com um fluido. É forrada por dezenas de milhares de células ciliares encimadas por molhos de tubos em miniatura chamado estereocílios. Esse terceiro osso vibratório choca contra a cóclea, como quem bate à porta. O fluido da cóclea agita-se e as células ciliares ondulam como anémonas-do-mar. Este movimento faz com que as células ciliares libertem neurotransmissores químicos, acionando uma série de mensagens elétricas que são transportadas pelos nervos auditivos para o córtex auditivo do cérebro, que traduz o código elétrico para algo com significado.


Os delicados estereocílios e as células ciliares têm um tempo de vida limitado. Começamos a perder a audição porque, à medida que são usados constantemente ao longo de uma vida inteira de exposição aos sons num volume normal – ou por um período mais curto a volumes elevados –, podem danificar-se e parar de fazer o seu trabalho. Chamada presbiacusia, esta perda de audição relacionada com a idade é a mais comum.


Se eu tivesse presbiacusia suave ou moderada, certas consoantes seriam difíceis de discernir, e portanto «Olá Vanessa, prazer em ver-te» soaria mais como «O… á vane..a P—er em vê..!»


Um problema generalizado e crescente


De acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 1,5 mil milhões de pessoas têm perda de audição, um número que pode aumentar para 2,5 mil milhões – ou uma em cada quatro – em 2050. As pessoas com perda de audição profunda já podem ter um implante coclear – consiste na colocação de uma cóclea eletrónica, uma combinação de transmissor e processador – atrás do ouvido e de um recetor inserido debaixo da pele.


Além da perda de audição relacionada com a idade também existem outros tipos, menos comuns. Uma que pode ser 

reversível – se for tratada suficientemente cedo – é a perda de audição neurossensorial súbita. Pode acontecer de imediato ou ao longo de apenas alguns dias. Há uma variedade de causas possíveis, incluindo infeções, traumatismo craniano e distúrbios autoimunes. Frequentemente afeta apenas um ouvido. 

Em geral a doença é tratada com corticosteroides, medicamentos que combatem a inflamação, reduzem o inchaço e ajudam o corpo a combater as doenças. A medicação é injetada diretamente no ouvido ou tomada sob a forma de comprimidos. Este tratamento pode reduzir ou até reverter a perda de audição, mas apenas se administrado rapidamente.

«Sei de muitas pessoas que tiveram perda súbita de audição num ouvido e pensaram que não era nada», diz Susan Scollie, professora na Escola de Ciências e Doenças da Comunicação e diretora do Centro Nacional de Audiologia na Universidade Western, no Ontário. É uma sorte, diz, haver um tratamento, «mas se esperar demasiado a perda de audição pode ser permanente».

Para a perda de audição moderada que ocorre ao longo de um período mais prolongado de tempo o tratamento padrão são os aparelhos auditivos e, embora sejam uma grande ajuda, muitas pessoas que os usam relatam que de vez em quando é um desafio perceber o que se diz em locais com muito ruído de fundo.


Mais do que uma mera inconveniência


Mas é um problema assim tão grande não ouvirmos certos sons? Na verdade, sim. O verdadeiro impacto da perda de audição tem sido objeto de muita investigação e torna-se cada vez mais claro: não é apenas algo irritante, mas um grande problema de saúde.

«Durante muito tempo a perda de audição foi considerada uma parte inevitável do envelhecimento e relativamente inconsequente», afirma Frank Lin, diretor do Centro Coclear de Audição e Saúde Pública na Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg. «Mas ao longo da última década isso foi verdadeiramente invertido.»


Os investigadores relacionam agora a perda de audição com outros problemas de saúde. Estudos concluíram que pode 

mais do que duplicar a probabilidade de sofrer uma queda, por exemplo, e causar ansiedade e problemas de sono. 

As pessoas com deficiência auditiva também podem ter problemas de saúde mental: uma revisão australiana de 2020 publicada na revista Gerontologist focou-se em 35 estudos que cobriam quase 150 mil pessoas e descobriu que a perda de audição estava associada a um risco maior de depressão nos adultos mais idosos. Suspeita-se que as pessoas que perdem a audição não saem nem socializam tanto – talvez porque têm dificuldade em acompanhar as conversas onde há ruído de fundo –, o que contribui para aumentar a sensação de solidão.

Há muito que sabemos que viver em isolamento pode ser a razão para a perda de audição estar associada à solidão e à depressão. A investigação mostrou que o isolamento contribuiu para a doença mental e para o risco de demência. 


Também há uma ligação forte entre a perda de audição e a demência. Um relatório de 2020 publicado na The Lancet identificou 12 fatores de risco modificáveis para a demência – e classificou a perda de audição como o mais significativo nas pessoas de meia-idade. A recomendação é que as pessoas com perda de audição usem aparelhos auditivos para mitigar os efeitos cognitivos negativos.


A razão para esta ligação pode dever-se ao facto de as pessoas que socializam menos terem menos conversas cognitivamente desafiantes. As que têm perda de audição ligeira têm duas vezes mais probabilidade de desenvolver demência. A perda de audição moderada significa três vezes mais probabilidade, e pessoas com perda de audição profunda têm cinco vezes mais.


Embora os aparelhos auditivos não possam reverter a situação ou dar-nos a mesma qualidade de audição que tivemos, podem ajudar a prevenir os efeitos na saúde mental.


Lin conduz atualmente um ensaio alargado para verificar se o uso de aparelhos auditivos reduz o risco de demência e se podem, ou não, ajudar a diminuir a ocorrência de quedas. Os resultados, que devem sair em meados de 2023, irão dizer-nos, pela primeira vez, se a intervenção para prevenir a perda de audição reduz o risco destes potenciais problemas. 


Terapia genética para repor a audição?


Há outras soluções que estão a ser trabalhadas. Os investigadores procuram formas de ajudar as pessoas a regenerarem as células ciliares da cóclea para restabelecer a audição. Alguns inspiraram-se no reino animal. Quando as aves e os répteis sofrem perda de audição, regeneram essas células e conseguem ouvir de novo dentro de poucas semanas – tal como o nosso corpo gera regularmente novas células da pele.

Novas células ciliares na cóclea significariam que, em vez de aumentar apenas o volume de todo o ruído, como os aparelhos auditivos fazem, poderíamos ouvir naturalmente e distinguir com facilidade uma conversa do ruído de fundo. 

Como é que isto pode ser feito? Dominando os nossos próprios genes. Cerca de metade da perda de audição relacionada com a idade tem uma componente genética, diz Richard Smith, médico e diretor do Laboratório de Investigação Molecular Ornitológica e Renal do Iowa. O seu grupo oferece testes genéticos a pessoas com perda de audição para tentarem encontrar a razão por detrás da mesma, que ele diz fornecer mais informações sobre como a perda de audição irá progredir.

Smith está confiante de que, no futuro, os testes genéticos para a perda de audição irão tornar-se mais comuns e haverá novas soluções disponíveis para quem tem problemas, permitindo uma abordagem personalizada para cada paciente.


«Há uma tremenda sensação de entusiasmo no lado da investigação à medida que avançamos com diversos tipos de terapia genética para a perda de audição,» explica. «Espero que as pessoas reconheçam que num futuro não muito distante poderemos ter opções além dos aparelhos auditivos e dos implantes cocleares.»


A Decibel Therapeutics é uma empresa que trabalha para tornar esse futuro uma realidade. Está a tentar conseguir soluções de base genética para a perda de audição nos adultos.

«A ideia é que podemos ser capazes de usar tecnologias de terapia genética para regenerar as células ciliares que se perderam», diz Jonathon Whitton, audiologista, neurocientista e vice-presidente sénior de investigação clínica e desenvolvimento na Decibel Theapeutics, em Boston.


A empresa está a investigar meia dúzia de produtos de terapia genética, três dos quais têm como alvo a regeneração de células ciliares. Os outros abordam causas de perda de audição relacionadas com um único gene e proteção da audição nas pessoas que são sujeitas a um tipo de quimioterapia que frequentemente leva à perda de audição. Dois dos tratamentos já passaram para a fase de testes clínicos, e outros que são promissores seguir-se-ão nos próximos anos.

Whitton diz que o advento da medicina regenerativa tem dado aos cientistas, profissionais de cuidados médicos e pacientes «um novo espírito de otimismo».


Os novos aparelhos auditivos


Enquanto potenciais inovações vão avançando pela conduta clínica, há opções mecânicas melhores do que nunca nos aparelhos auditivos de nova geração.

Os aparelhos auditivos digitais já evoluíram muito desde que apareceram em meados da década de 1990. «Fomos da primeira geração de aparelhos auditivos digitais para a quarta ou quinta e houve muitas melhorias», refere Scollie da Western University.

«Muitas das melhorias foram pequenas, mas somadas permitem um produto de melhor qualidade. O aparelho auditivo simples que as pessoas usam hoje é o equivalente tecnológico de sete ou oito aparelhos num só.»


Uma melhoria importante é a capacidade de os aparelhos auditivos mudarem automaticamente de modo dependendo do ambiente. Por exemplo, mudam a forma como trabalham quando se está num carro silencioso a ouvir música, por oposição a um restaurante cheio a ouvir uma conversa.

Também podem reduzir o ruído e têm microfones que mudam automaticamente de direção. «É o equivalente tecnológico de diversos aparelhos auditivos ao mesmo tempo, e muda de um para os outros sem se notar», diz Scollie.


As características mais novas incluem Bluetooth, que pode ser ligado sem fios a um telemóvel para conversar ou ouvir música. É mais fácil ouvir quando a voz do outro lado do microfone chega pelos dois ouvidos, afirma Scollie, e é mais conveniente se pudermos usar os aparelhos auditivos também como auscultadores de alta qualidade. Também é possível entrar numa aplicação para ajustar os parâmetros do aparelho auditivo.


Alguns aparelhos até fazem a contagem dos passos, diz Scollie, que espera que os sensores biométricos sejam o próximo grande desenvolvimento. Isto significa que os aparelhos auditivos poderiam medir os batimentos cardíacos e a temperatura do corpo, tal como um smartwatch. «O ouvido é, na verdade, uma localização mais adequada do que o pulso para proceder a estas medições.» 


Os novos aparelhos auditivos 


Em 2022, a regulamentação nos Estados Unidos tornou os aparelhos auditivos de venda livre uma realidade. Pensa-se que o Canadá poderá seguir o exemplo. O Reino Unido, e muitos países da Europa, já oferecem essa opção. 

Isto significa que em vez de consultarem um audiologista para que lhes seja prescrito um aparelho auditivo, tal como fazemos para ter prescrição para uns óculos, os consumidores podem agora comprar estas versões menos dispendiosas sem prescrição. Este desenvolvimento tem algumas ressalvas. E se perda súbita de audição é causada por uma doença que precisa de ser imediatamente tratada para ser revertida? Também há quem se preocupe com o facto de que as pessoas que compram aparelhos sem receita não tenham o ajustamento personalizado e o serviço de acompanhamento de que podem precisar. 


Mas pelo lado positivo estes produtos sem receita podem ser uma oportunidade para as pessoas que de outro modo não os comprariam. Um estudo estimou que mais de 80% dos americanos com perda de audição não usam aparelhos auditivos. 


NO MEU CASO, A PERDA de audição é um problema de família. Os meus avós precisaram de aparelhos auditivos, e o meu pai usa-os. Um dia também irei precisar deles. Os dele são muito mais avançados do que eram os da minha avó, com Bluetooth e a capacidade de «se sintonizarem» para situações diferentes, como multidões. 


No entanto, ainda não são perfeitos em locais ruidosos. Perguntei a Whitton da Decibel se pensa que é possível que, quando pessoas como eu, na casa dos 40, chegarem aos 50 ou 60, usem medicação e não tecnologia para tratar a perda de audição. 


«Sim», disse, destacando que há um interesse cada vez maior por parte dos investigadores para tentar resolver este problema.


«Todas estas empresas foram criadas em torno da ideia de que podemos chegar lá.» 








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