A Família que nunca desistiu

A família que nunca desistiu

OS MÉDICOS DECLARARAM QUE 

NÃO HAVIA MUITAS ESPERANÇAS PARA A BEBÉ QUE NASCEU APENAS COM METADE DO CORAÇÃO.



Robert Kiener 



Parecia tão real, pensou Rob Velez sobre o sonho que teve na noite anterior.


Deitado, depois de uma boa noite de sono em casa, nos arredores de Londres, em Inglaterra, sorriu ao recordar a cena maravilhosa. Estava a segurar a filha recém-nascida nos braços. Quando ela olhou para ele, o «duro» ex-fuzileiro naval dos Estados Unidos, de 50 anos, ficou de tal modo emocionado que começou a chorar. Nunca tinha sentido tanto amor por alguém. 

Incrível, pensou, enquanto o sol da manhã entrava pelas janelas. Isto foi mais do que um sonho. 

Afastou os lençóis e vestiu-se. Tinha de contar à sua companheira, Zofia Fenrych, com quem vivia havia quatro anos, o que descobriu no sonho. Zofia, homeopata de 40 anos, escutou-o enquanto lhe contava. «Estás grávida», disse. «Vamos ter outro bebé.» Zofia riu-se. Já tinham uma filha de 2 anos e ambos tinham filhos de 16 anos, fruto de relacionamentos anteriores. 


«Não estou nada grávida», respondeu.


«Querida», disse Rob, «vamos ter uma menina. Eu vi-a. E é lindíssima».

Para provar a sua afirmação, Rob foi a uma farmácia comprar um teste.


Uma hora depois, duas tiras vermelhas comprovavam-no: Zofia estava mesmo grávida. Gritou de alegria e o casal abraçou-se.


«Vamos ter uma filha linda!», exclamou. «Vi-a ontem à noite.»


Quatro meses depois, em fevereiro de 2022, o casal foi fazer a ecografia das dezasseis semanas. Deram as mãos enquanto a médica movia a sonda, chamada transdutor, sobre o abdómen de Zofia. Uma imagem bidimensional do bebé, a quem já tinham decidido chamar Dorothea, apareceu no ecrã. «Vimos os dedos das mãos e dos pés minúsculos e observámos a Dorothea, a filha dos meus sonhos, a virar-se», lembra Rob. «Estava a chuchar no dedo. E soltámos um grito porque parecia mesmo que ela tinha acenado para nós. Era tão pequenina, tão linda!»


A técnica ecografista continuou a mover o transdutor e depois parou de repente.


«Temos um problema», disse. E chamou uma pediatra de um hospital próximo.


Uma hora depois, após ter analisado o sonograma, a especialista largou a bomba. «Lamento muito», disse. Explicou que a bebé tinha síndroma do coração esquerdo hipoplásico, uma doença rara e potencialmente fatal. Dorothea tinha apenas metade do coração: o resto não se desenvolveu. E, por causa disso, as possibilidades de sobreviver eram poucas.

«O seu melhor conselho foi que optássemos, e nunca esquecerei a palavra, por “interromper” a gravidez», diz Rob, engolindo as lágrimas. «Foi aquele o momento em que tudo, toda a nossa vida, mudou.»

Nunca. Foi a resposta de Zofia e de Rob ao conselho da médica para abortar.

«“Esqueça!” foi o que gritei à pediatra», lembra Rob.

Depois de digerirem a notícia, os pais de Dorothea decidiram aproveitar todos os dias que teriam com ela.

Faziam viagens à costa e visitavam parques onde caminhavam durante horas e mantinham longas conversas com a filha por nascer, contando-lhe o que estavam a fazer e a ver.

Numa visita a um jardim botânico, enquanto a filha, Batsheba, gritava de alegria a perseguir os patinhos, Zofia acariciava a barriga e dizia a Dorothea: «Vês, a tua mana está a divertir-se muito.» Em casa, Zofia tocava piano, o filho mais velho violino e Batsheba cantava para a irmã por nascer.

«Quisemos incluir a Dorothea em tudo», lembra Zofia.


Rob, que esteve estacionado em Inglaterra enquanto Marine dos Estados Unidos quando era mais novo, e regressou em 2014 para trabalhar para uma multinacional de serviços financeiros, estava empregado numa sociedade de capitais de investimento que trabalhava com startups na área da saúde. Puxou os cordelinhos para conseguir uma segunda opinião, mas o diagnóstico e a sugestão médica foram os mesmos: interromper a gravidez.

Obcecado com a ideia de salvar a vida da filha, Rob deixou o emprego e dedicou-se a estudar a síndroma do coração esquerdo hipoplásico. Com Zofia, decidiram usar as poupanças para viver. Escreveu inúmeras mensagens a médicos, cirurgiões, especialistas e hospitais em todo o mundo, na esperança de que alguém conseguisse ajudar.

Um ecocardiograma fetal feito às vinte e quatro semanas trouxe mais más notícias: a juntar à síndroma do coração esquerdo hipoplásico, Dorothea tinha um grave bloqueio no coração. A bebé tinha apenas 5% de possibilidades de sobreviver.

Descobriram que podia ser realizada uma complexa e arriscada operação fetal in utero passível de corrigir o coração. Mas, como ninguém no Reino Unido fazia semelhante cirurgia, procuraram no estrangeiro e acabaram por encontrar um pediatra no Texas que concordou em fazer o procedimento. Contudo, iria custar-lhes cerca de 4 milhões de dólares.


Para angariar o dinheiro, empreenderam uma campanha de publicidade com incontáveis entrevistas nos meios de comunicação. Rob também escreveu pilhas de cartas a celebridades e, recorda, a «todos os milionários de que me lembrei».


Mas só conseguiram juntar 80 mil dólares – pouco para o que precisavam. Com o passar dos dias, as possibilidades de conseguirem salvar a filha pareciam cada vez mais remotas.


Procura mais perto. A meio da noite, Rob ouviu uma voz na sua cabeça. Estava sentado no escritório de casa, desesperado por sentir que estava a falhar com a família. Estarei a ficar louco?, pensou. Agora oiço vozes!

Procura mais perto, repetiu a voz.


«De que estás a falar?», perguntou alto. «Já tentei tudo.»


Procura mais perto de casa.


Okay, pensou Rob. Vou tentar outra vez.


Procurou no Google por «casos impossíveis», «cirurgião milagre», «especialista pediatra no Reino Unido» e «síndroma do coração esquerdo hipoplásico». Quase de imediato apareceu-lhe nos resultados da pesquisa uma ligação a uma página do Facebook sobre o Dr. Guido Michielon, cirurgião cardiotorácico. 


Rob percorreu a página, lendo mensagem após mensagem de pais felizes a agradecer ao Dr. Michielon por «salvar a vida do nosso bebé», «dar-nos esperança», «mudar a nossa vida» e outras. 

Melhor ainda, Rob descobriu que o médico, de ascendência italiana, era especialista na síndroma do coração esquerdo hipoplásico e que já tinha feito mais de 2000 cirurgias de coração aberto, com especial foco nas cirurgias neonatais.

Como é que não dei por ele?, questionou-se Rob, enquanto escrevia um

e-mail ao cirurgião que trabalhava em Londres, descrevendo-lhe os problemas de Dorothea, incluindo notas médicas e cópias dos sonogramas. Horas depois, surgiu a resposta: «Estou em Itália, mas regresso na sexta-feira. Coloquei-vos no topo da minha lista de consultas.»

Cinco dias depois, no final de uma longa chamada via Skype, o Dr. Michielon deu aos pais ansiosos a resposta por que tinham rezado: «Posso ajudar-vos. Vou operar a Dorothea após o nascimento e estabilização.»

Explicou-lhe que o que esperava era, basicamente, «religar» e «reconstruir» o coração e as artérias alguns dias após o nascimento. E, em vez de custar milhões, a cirurgia era suportada na íntegra pelo Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido.

Rob e Zofia estavam em êxtase, mas foram trazidos à realidade quando o especialista os avisou que «uma criança com aquela patologia tem poucas possibilidades de sobrevivência. E as complicações da Dorothea são ainda mais graves que as da maioria. Faremos o nosso melhor, mas por favor lembrem-se de que as probabilidades não jogam a nosso favor».


A 7 de julho, no London’s Royal Brompton Hospital, e rodeada por uma equipa de 20 médicos e uma série de monitores a apitar, a bebé Dorothea 

nasceu de cesariana. Rob, de bata, ficou ao lado de Zofia e espreitou pela cortina para ver a filha recém-nascida.

«Olha!», disse, alegre. «Tem a cabecinha cheia de cabelo!»

A equipa médica apressou-se a levar Dorothea para uma unidade de ressuscitação e colocou-lhe uma máscara de oxigénio no rosto minúsculo. Um sacerdote, a quem Rob tinha pedido que fosse, batizou a menina enquanto lhe faziam exames.

Ao sair da sala de operações, Rob viu que um grupo de médicos olhava para um monitor que mostrava um sonograma do coração da bebé.

Minutos depois, o cirurgião-chefe, o Dr. Alain Fraissé, disse a Rob: «Não sei como explicar, mas há quatro ou cinco veias no coração dela que surgiram do nada.»


Explicou que essas veias, que ninguém tinha visto nos exames e ressonâncias anteriores, estavam a ajudar a drenar o coração. Por outras palavras, mantinham-na viva. O médico parecia espantado.


O Dr. Michielon apareceu e abraçou Rob. «Está estável e é linda. Muitos parabéns!»


Os ânimos mudaram drasticamente a 12 de julho, quando Rob e Zofia se encontraram com o Dr. Michielon e a sua equipa no hospital para discutir o Procedimento de Norwood, a operação que estava marcada para o dia seguinte. Instintivamente, Rob sentiu que algo não estava bem. O médico, normalmente efusivo, parecia distante e não estabelecia contacto visual.

Um administrador do hospital deu-lhes as más notícias: «Decidimos que existe uma possibilidade de tal maneira remota de a cirurgia ter êxito que não permitimos que avance.»


A sala ficou em silêncio. Rob sentia o seu coração a bater. E, mesmo que sobrevivesse, continuou o administrador, «há uma enorme possibilidade de a vossa filha ficar com lesões cerebrais permanentes».


Rob olhou para o Dr. Michielon em busca de auxílio, mas o médico olhava para o chão. O administrador rematou: «Recomendamos cuidados paliativos.»


«Quer dizer que devemos deixá-la morrer», resumiu Rob. «Depois de termos chegado até aqui?»

«Sabem que eu quero operá-la, mas não o posso fazer sem o apoio da minha equipa», declarou o Dr. Michielon.

O espírito combativo de Rob veio à tona e entrou naquilo a que chama «modo Marine». «Não vamos desistir», disse a Zofia. «Não depois de tudo o que passámos.»

Regressou a casa e enviou mensagens contundentes ao CEO e ao advogado do hospital. Um respondeu: «Quem é você para fazer de Deus?»

Rob contactou um conhecido advogado especialista em direitos humanos com um recorde de sucessos na luta em prol de pacientes do serviço nacional de saúde. Rob disse a Zofia que estava pronto para se acorrentar à porta da casa do primeiro-ministro, em Downing Street, se fosse preciso. «A pressão estava em alta», diz. «A Primeira Divisão de Marines dos Estados Unidos tinha aterrado no Royal Brompton Hospital!»

Vinte e quatro horas depois, os administradores do hospital cederam. A operação ia acontecer.


Na manhã seguinte, às 07h30, o Dr. Michielon, assistido por três cirurgiões cardíacos e uma equipa de enfermagem, deu início à delicada cirurgia de coração aberto que iria reconstruir o ventrículo direito do coração de Dorothea para que bombeasse o sangue para o corpo e os pulmões sem necessidade do malformado ventrículo esquerdo.

Depois de lhe abrirem o peito, Dorothea foi ligada a uma máquina coração-pulmões que assumiria a função destes dois órgãos enquanto os médicos operavam. Rodeados por monitores cintilantes e pelo zumbido suave da 

máquina coração-pumões, o Dr. Michielon deu início ao complexo e preciso procedimento de construir uma nova aorta, maior, ao juntar a artéria pulmonar à aorta já existente, que tinha apenas um milímetro de largura.

É um trabalho meticuloso e demorado: o coração de um bebé é do tamanho de uma noz e as veias e artérias de Dorothea eram realmente minúsculas, «da espessura de um fio de cabelo», diz o Dr. Michielon. O especialista teve de utilizar lentes de ampliação de alta potência para ver, enquanto, habilmente, cortava e suturava os vasos.

As horas arrastavam-se enquanto o especialista e a sua equipa realizavam a delicada cirurgia.

O último passo era instalar uma derivação do ventrículo direito para a artéria pulmonar, ligando-a para direcionar o fluxo sanguíneo para os pulmões. Quase onze horas depois de começar, o Dr. Michielon começou por fim a descontrair, enquanto voltava a verificar o seu trabalho, que tinha, essencialmente, reconstruído o coração defeituoso da bebé.

Ao fim da tarde, o Dr. Michielon, exausto e ainda vestido com a bata de cirurgia, foi ter com os pais à sala de espera. «Parece tudo bem», disse-lhes com um sorriso rasgado. «Ela está estável.»

Os três celebraram com um abraço conjunto.

Minutos depois, Rob e Zofia sobressaltaram-se com o som dos alarmes de emergência. Uma equipa de médicos e enfermeiras apressou-se para a sala onde Dorothea recuperava da cirurgia. Um médico gritou: «Paragem cardíaca!» O alarme, estridente, continuava a soar.

Pouco tempo depois, uma enfermeira aproximou-se deles e disse: «O coração da Dorothea parou. Teve um ataque cardíaco. Estamos a tentar reanimá-la.»


Dez minutos depois, a enfermeira regressou com a mesma mensagem. Voltou após outros quinze minutos: «Ainda estamos a fazer RCP: estamos a tentar trazê-la de volta.»


Ao fim de uma hora agonizante, Zofia e Rob foram encaminhados para os Cuidados Intensivos: foi um choque ver a bebé amarrada a uma máquina de diálise e a uma unidade de suporte de vida que ajudava o coração a bombear o sangue. O peito estava coberto com sangue seco e inchado devido a mais de uma hora de manobras de reanimação. Com a ajuda de uma série de máquinas de alta tecnologia, lutava por manter-se viva.


Rob e Zofia abriram caminho por entre a rede de fios e tubos que mantinham a filha viva e seguraram-lhe a mão. Quando Rob sentiu a filha a apertar-lhe o dedo indicador com a mãozinha minúscula, disse-lhe: «És uma lutadora. Conseguiste. Vais ficar bem.» 


Nas cinco semanas seguintes, Rob e Zofia raramente deixaram a cabeceira de Dorothea nos Cuidados Intensivos. Falavam com ela, tocavam música e acariciavam-na. A 26 de agosto, dia de anos de Zofia, os médicos retiraram o tubo de respiração e desligaram o ventilador, colocando-a apenas com o apoio respiratório de uma máquina CPAP. Nos meses seguintes, a bebé iria ter de ser submetida a outra operação e os médicos avisaram que, para sobreviver à segunda cirurgia, Dorothea precisava de ganhar peso e de ficar mais forte. 

Depois, por fim, saiu dos Cuidados Intensivos – e surpreendeu o pessoal do hospital ao ganhar mais de um quilo em menos de dois meses. O coração de Dorothea estava a funcionar bem e os níveis de oxigenação eram normais. 

A 14 de setembro foi-lhe retirado o CPAP e começou a respirar sozinha. O Dr. Michielon fez a segunda cirurgia a 24 de novembro e declarou que o seu prognóstico era excelente. A 21 de dezembro, Dorothea foi finalmente para casa com os pais, a tempo de celebrar o Natal. Tinha desafiado todas as probabilidades e sobreviveu para ostentar a merecida alcunha: «Bebé milagre.» 


Agora, diz o seu pai babado, é um bebé rechonchudo e saudável, constantemente a sorrir e a dar gargalhadas. «Sabe, logo depois de sabermos que íamos ter uma menina, chamámos-lhe Dorothea. O nome deriva do grego e significa “dádiva de Deus”», explica. 


Rob faz uma pausa e sorri ao ver Batsheba, agora com 3 anos, aconchegar-se ao lado da sua mana no sofá.

 

«Todos os dias cantamos os parabéns à Dorothea, porque cada dia com ela é um milagre.» 



Zofia com a filha Batsheba poucos dias antes do nascimento da bebé Dorothea.



O Dr. Michielon e a sua paciente após uma das suas cirurgias.




Por muito doente que Dorothea estivesse, os pais nunca perderam a esperança.



Rob Velez e «a menina dos seus sonhos».



Zofia com as filhas. 


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