O que sentem os animais?

O que Sentem os Animais?

 

A empatia, a tristeza e a alegria não são exclusivas dos seres humanos. Os cientistas estão a descobrir que há outras espécies com emoções complexas.


Yudhijt Bhattacharjee

 Fonte: National Geographic (setembro de 2022); © Yudhijit Bhattacharjee

 

 

Vivo há oito anos com o meu cão, Charlie, um bloodhound que me recebe com alegria sempre que chego a casa, mesmo que apenas tenha ido comprar mantimentos. Consigo ouvir a sua cauda a bater no chão da sala ao lado quando rio. Ele ecoa a minha alegria mesmo quando não consegue ver-me. Olhar para ele a apanhar sol na varanda da frente faz-me pensar numa questão mais profunda: as outras espécies têm pensamentos, sentimentos e memórias como nós?

Cada vez mais estudos comportamentais, combinados com observações pontuais na natureza, estão a revelar que muitas espécies têm muito mais em comum com os humanos do que se pensava.

Os elefantes sofrem. Os golfinhos brincam por diversão. As lulas têm personalidades distintas. Os corvos parecem responder aos estados emocionais de outros corvos. Muitos primatas estabelecem amizades fortes. Entre alguns animais, como os elefantes e as orcas, os mais velhos partilham o conhecimento adquirido pela experiência com os mais jovens. Outros, incluindo os ratos, são capazes de atos de empatia e bondade.

Hoje, alguns estudiosos do comportamento animal começam a ficar convencidos de que «os processos internos de muitos animais são tão complexos como os dos seres humanos», diz Frans de Waal, etólogo na Emory University que passou a vida a estudar o comportamento dos primatas. «A diferença é que nós podemos falar dos nossos sentimentos.»

Essa nova compreensão, se for amplamente aceite, pode desencadear uma reformulação completa de como os seres humanos se relacionam e tratam outras espécies. «Se reconhecermos as emoções nos animais, incluindo a sensibilidade dos insetos, então eles tornam-se moralmente relevantes», refere De Waal. «Eles não são iguais às rochas. São seres sensíveis.»

No entanto, a busca científica para compreender a vida interior dos animais ainda é um empreendimento relativamente incipiente. Também é controverso. Na opinião de alguns cientistas, conhecer a mente de outra espécie é quase impossível.

«Atribuir sentimentos subjetivos a um animal observando o seu comportamento não é ciência – é apenas adivinhação», explica David J. Anderson, neurobiologista no Instituto de Tecnologia da Califórnia que estuda comportamentos ligados às emoções de ratos, moscas-da-fruta e medusas. Os investigadores que estudam emoções como o luto e a empatia em não humanos precisam de se defender da acusação de que podem estar a antropomorfizar os seus objetos de estudo.

A maneira de nos aproximarmos da verdade é testar as inferências feitas a partir do comportamento animal, diz David Scheel, biólogo marinho na Universidade do Pacífico do Alasca que estuda os polvos.

 

SE ANTROMORFIZAR é um ataque ao pensamento científico, sou culpado de me entregar a isso. Tenho prazer em assistir a vídeos que mostram animais a exibirem comportamentos que sugerem uma gama de emoções com as quais nos identificamos. Um panda a descer uma colina coberta de neve num trenó e, a seguir, a subi-la com dificuldade e volta a fazer aquilo novamente. Um macaco à beira de um canal a descascar uma banana e ficar boquiaberto de desânimo quando ela cai na água. Estou sempre a mostrar vídeos desses à minha mulher, com um sorriso tolo estampado no rosto. A ideia de que a vida ao nosso redor pode estar a pulsar de emoção dá-me uma sensação de felicidade.

Estas reflexões não são científicas, como é evidente, mas o que os cientistas reconhecem é que as emoções não evoluíram apenas nos seres humanos. Fundamentalmente, as emoções são estados internos que levam um animal a agir de determinada maneira. A fome e a sede, por exemplo, são estados internos que obrigam à ação. Scheel descreve-as como emoções primordiais. «Quando temos vontade de fazer xixi, saímos da cama numa preguiçosa manhã de sábado e vamos à casa de banho porque não temos outra escolha. É imperativo», explica.

Assim como esse «imperativo» invisível, as emoções primordiais, como o medo, levam a ações específicas. Mesmo que emoções como o amor e a tristeza possam parecer mais profundas, não são qualitativamente diferentes. «Todo o nosso trabalho científico e filosófico atual», diz Scheel, «aponta para a ideia de que qualquer emoção que queiramos nomear é construída a partir dessas emoções primordiais». Se for esse o caso, não é difícil perceber que uma grande variedade de espécies – desde as pulgas aos chimpanzés – tem emoções, primitivas nalgumas e avançadas noutras.

 

Os corvos observavam-me com cautela, saltando para longe quando me aproximava demasiado da vedação de arame. Eu tinha viajado dos Estados Unidos até à Áustria para os observar porque Thomas Bugnyar, biólogo comportamental e cognitivo da Universidade de Viena, tinha feito uma descoberta notável sobre o seu comportamento. Após cerca de dez minutos, as aves pareceram relaxar. Um deles aproximou-se cautelosamente para me ver melhor, virando a cabeça e avaliando-me alternadamente com o olho esquerdo e depois com o direito.

Os corvídeos – a família que inclui os corvos – são conhecidos pelas suas capacidades cognitivas, mas também exibem comportamentos que sugerem outra faceta da sua inteligência, a empatia.

«Dois indivíduos envolvem-se numa briga. A vítima é perseguida durante alguns minutos, acaba por fugir para um canto e fica ali sentada a tremer», contou-me Bugnyar. «Os outros corvos ficam muito excitados, voam em redor a gritar e, depois, um deles voa até à vítima, não diretamente para cima dela, mas para perto.» Fazendo chamamentos amigáveis, o corvo aproxima-se lentamente até estar a uma distância que lhe permita tocá-la. Se a vítima se afastar, o consolador persiste. «Após alguns minutos, acaba por cuidar da vítima.»


Bugnyar documentou 152 encontros deste tipo. Os corvos que demonstravam apoio geralmente conheciam bem as vítimas. Os investigadores já tinham observado comportamentos de consolo em chimpanzés e bonobos. O estudo de Bugnyar foi um dos primeiros a observá-lo em aves.

Os cientistas conseguiram investigar o fenómeno com mais pormenor através de experiências com ratos.

Numa experiência concebida por Inbal Ben-Ami Bartal, neurocientista na Universidade de Telavive, um rato é confinado dentro de um tubo de plástico transparente com orifícios. O tubo tem uma porta que pode ser aberta do lado de fora. Os investigadores colocam o tubo dentro de uma gaiola com outro rato que está livre para se movimentar. O rato dentro do tubo contorce-se na tentativa de escapar. O seu sofrimento é visível para o outro rato, que começa a circular ao redor do tubo, mordendo-o e tentando cavar por baixo dele.

Após algumas sessões, o rato livre descobre como abrir a porta. Depois de aprender o truque, o rato livre não perde tempo a libertar o rato preso. Este comportamento prest

ativo, porém, depende de o rato livre sentir afinidade com o rato confinado.

Um rato livre criado com outros do mesmo tipo genético ajudará um rato preso, mesmo que seja um estranho. Mas se o rato preso for de um tipo genético diferente, o rato livre não o deixa sair. No entanto, se um rato de um tipo genético crescer com ratos de outro tipo, apenas ajuda os ratos desse outro tipo, incluindo estranhos, enquanto ignora o sofrimento dos ratos do seu próprio tipo. «Portanto, não se trata de semelhança biológica», diz-me Ben-Ami Bartal. «Trata-se de amar quem está ao seu lado. Trata-se de ter uma família e saber que essa é a sua família.»

 

Uma característica necessária da inteligência emocional – incluindo a capacidade de responder ao sofrimento de outro ser vivo – é a capacidade de ler o estado emocional dos outros.

Numa manhã ventosa, estava junto a um campo lamacento na zona rural inglesa enquanto a psicóloga Leanne Proops me mostrava como testa se os cavalos têm essa capacidade.

Encostámos duas tábuas numa cerca, cada uma com uma fotografia em tamanho real da cabeça de um cavalo vista de frente. Numa delas, as orelhas do cavalo estavam para cima, o nariz e a boca relaxados, os olhos pareciam calmos – um cavalo satisfeito. Na outra, o cavalo tinha um olhar ameaçador, com as orelhas para trás, mandíbulas cerradas e narinas dilatadas.

Um estudante de pós-graduação levou um cavalo cinza-branco com a crina macia e brilhante. Este ficou parado por alguns minutos, a contemplar as fotos, depois foi até ao rosto feliz e esfregou o focinho na foto. Proops e os seus colegas submeteram 48 cavalos a um teste como aquele a que assisti. Quase sempre evitavam o rosto zangado, convencendo os investigadores de que os cavalos podiam reconhecer as expressões de um cavalo que não conheciam.

Noutro estudo realizado por Leanne Proops, pela manhã, mostrou-se a um cavalo uma fotografia de um rosto humano que estava a sorrir ou zangado. Se o cavalo encontrasse a pessoa zangada da foto à tarde, mostrava sinais de stress, mesmo que a pessoa tivesse uma expressão neutra no rosto. Se o cavalo visse a foto de um rosto feliz, ou se o visitante fosse uma pessoa diferente, ele tendia a ter uma reação positiva ou neutra.

Os resultados deste estudo, também testado em 48 cavalos, sugerem que os animais podem ter a capacidade subtil de ler e responder a estados emocionais não apenas noutros animais, mas também em humanos. O comportamento demonstra capacidades altamente avançadas de reconhecimento e memória. «Eles tiveram de transferir de uma fotografia para uma pessoa real. Tiveram de se lembrar de uma pessoa específica e, obviamente, lembrar-se da emoção em particular», disse Leanne Proops.

 

DIANA REISS, CUJOS olhos brilham quando o assunto são mamíferos marinhos, estava a filmar golfinhos-nariz-de-garrafa num aquário na década de 1980 quando fez uma descoberta surpreendente: ela viu um a nadar até ao fundo e exalar um anel de ar pelo espiráculo. À medida que o anel prateado subia à superfície, o golfinho soprou um segundo anel, menor, que subiu mais rápido que o primeiro, fundindo-se com este para formar um anel maior. O golfinho nadou então através dele.

Diana Reiss, agora psicóloga cognitiva no Hunter College, não conseguia acreditar no que via. «Foi a primeira vez que se viu um animal criar um objeto de brincadeira», afirma.

Não foi um caso isolado. A especialista e outros observaram, desde então, golfinhos em aquários a fazerem anéis e a brincarem com eles de inúmeras maneiras. Na natureza, os golfinhos brincam à apanhada uns com os outros. São apenas uma das muitas espécies – além dos cães e gatos – que se envolvem em brincadeiras. Babuínos foram vistos a provocar vacas, puxando-lhes a cauda. Enquanto estudava elefantes em África, Richard Byrne, que pesquisa a evolução da cognição, observou frequentemente elefantes jovens a perseguirem animais que não representavam ameaça, como gnus e garças.

Se brincar despende energia e até acarreta risco de lesões, porque é que os animais se envolvem nisso? Os pesquisadores acreditam que a brincadeira evoluiu porque ajuda a fortalecer os laços entre os membros de grupos sociais. Também ajuda os animais a praticarem capacidades, como correr e saltar, que aumentam as suas possibilidades de sobrevivência.

Esta é a explicação para a evolução da brincadeira, mas qual é o impulso que leva um animal a brincar? Uma resposta plausível – de acordo com Vincent Janik, biólogo na Universidade de St. Andrews, na Escócia – é a busca pela alegria. «Porque é que um animal faz algo? Bem, porque quer», explica. Parece provável que a brincadeira dê prazer aos animais, enriquecendo a sua vida interior.

 

ALGUNS PRIMATAS parecem suficientemente sofisticados para terem sentido de humor. Há um consenso entre os investigadores de que os chimpanzés – e outros grandes primatas – riem, em geral quando estão a brincar. Mas também já foram vistos a rir noutros contextos. De Waal conta a história de um colega que colocou uma máscara de pantera e saiu dos arbustos do outro lado de um fosso onde estavam alguns chimpanzés. «E os chimpanzés ficaram muito zangados e atiraram-lhe tudo o que conseguiram», diz De Waal. Finalmente, o investigador, que era conhecido dos chimpanzés, tirou a máscara e revelou-se. «E alguns chimpanzés – os mais velhos – riram-se disso.»

Conheci outro exemplo através de Marina Davila-Ross, psicóloga na Universidade de Portsmouth, que me mostrou um vídeo que tinha filmado de uma jovem chimpanzé chamada Pia. Davila-Ross captou a chimpanzé a puxar o cabelo do progenitor, numa aparente tentativa de iniciar uma brincadeira. Como ele não respondeu, Pia deitou-se na relva.

Pouco depois, sem que nada o fizesse prever, o rosto de Pia abriu-se num sorriso rasgado. Então ela começou a rir de forma exuberante, atirando a cabeça para trás e cruzando os braços por cima dos olhos, como uma criança que assiste a desenhos animados hilariantes.

Na interpretação de Davila-Ross, Pia podia estar a rir ao recordar o momento divertido com o pai. Esta suposição não pode ser provada, é claro, mas a sua alegria espontânea aponta para uma interação entre memória e emoção. Assistir ao vídeo trouxe um sorriso ao meu rosto. Fiz uma nota mental para mostrá-lo à minha mulher.