EM DEFESA DAS CHITAS EM ÁFRICA

EM DEFESA DAS CHITAS EM ÁFRICA



Lisa Kytösaho, antiga guia turística nos Açores

Nasceu na Suécia e foi guia turística na ilha açoriana de São Miguel. Agora vive entre os grandes felinos, hipopótamos e todos que precisam dela na África do Sul. Um dos mais novos é um leopardo que tem um nome português.


texto: Izabelli Pincelli, site Pets in Town*fotografias: Lisa Kytösaho



É ao lado do leopardo Rei que Lisa Kytösaho, de 31 anos, tem passado grande parte do seu tempo nos últimos meses. Embora já trabalhe com os animais selvagens há mais de uma década, o felino foi o primeiro da espécie que acolheu a pedido de um jardim zoológico. «Não tinha a certeza se queria cuidar de um leopardo», confessa ao PiT. «Na altura, o que sabia sobre eles era que, quando são criados em cativeiro, não saem mais. E não gosto de os ver presos», frisa. 




Mas pouco tempo depois, mudou de ideias. Através de várias pesquisas, a protetora ficou a conhecer mais sobre a espécie e resolveu aceitar o desafio. Afinal, já tinha experiência com as suas «primas» e o seu primeiro grande amor, as chitas. «Comecei a pesquisar para ver se conseguia oferecer os cuidados até conseguir devolvê-lo ao seu habitat natural e tive bastante apoio da minha equipa. É algo experimental que ninguém nunca fez. Mas com a experiência com as chitas, acho que pode ser possível», partilha.


Nos primeiros dias, o felino foi mantido no quarto de Lisa – um protocolo que a protetora segue para quase todos os bebés que recebe. Todas as manhãs, era o primeiro a ser alimentado. Agora, aos seis meses, o felino já tem um recinto só seu onde está a aprender tudo o que precisa. Segundo Lisa, os planos é que seja libertado quando completar 2 anos: «Essa é normalmente a idade em que deixaria a mãe e ficaria mais independente», explica. «Se ele se habituar à zona antes, pode ser solto com ano e meio. Mas tudo depende, por exemplo, de quão bem ele está a caçar e na sua capacidade», acrescenta.


Além disso, há outros fatores que podem afetar o tempo em que fica sob cuidados, nomeadamente os custos. «É muito caro cuidar de um leopardo, mas ele tem a sorte de ter uma mãe louca que faria tudo por ele», diz, aos risos. «No fim de contas, se conseguir dar a liberdade a apenas um indivíduo, isso já significa muito. Importo-me com as espécies e a sua conservação. É a minha grande paixão e quero dar-lhes tudo o que posso.»


O pequeno leopardo foi batizado em homenagem à língua portuguesa e faz jus ao nome que tem. Se tudo correr bem, é em Moçambique que vai ser libertado. O país onde se fala português será o «seu futuro reino».


O PEQUENO REI

Apesar de Rei lhe ter conquistado o coração, são muitos os animais que precisam da cuidadora. Pelas manhãs, por exemplo, Nyah é a primeira a ser alimentada. A caracal (também conhecida como lince-do-deserto) ainda é recém-nascida e dorme no quarto com Lisa. Em seguida, são os cavalos, os animais domésticos e outros selvagens que requerem cuidados. «A rotina está sempre a mudar e sei que, a que tenho agora, não vai ser a mesma daqui a duas semanas», conta. De momento, além da pequena Nyah e dos outros animais que já são uma constante, Lisa alimenta com biberões alguns filhotes de leão e três órfãos de gnu, uma espécie nativa do continente africano cuja aparência é semelhante à dos búfalos. «Alimento-os e depois solto-os por um tempo. A seguir, dependendo da agenda, vamos caminhar ou temos algo planeado», diz, referindo-se a todos os trabalhadores da Western Cape Cheetah Conservation, a reserva que fundou na África do Sul, em 2011. «Pela tarde, organizo os animais domésticos e os cavalos e, entre algumas atividades, tenho algumas reuniões e, às vezes, recebo pessoas na quinta que me ajudam com vários projetos como, por exemplo, na construção de um novo recinto. O dia a dia está sempre a mudar», sublinha. 


VELVET, A CHITA QUE ESCOLHEU O SEU PRÓPRIO FUTURO

Para Lisa, tudo começou com as chitas. E ainda hoje continua a ser um dos principais focos do projeto. «Elas enfrentam muitos problemas, e o principal é a perda de habitat», conta-nos. «Às vezes, acabam por ser forçadas a ir para terras estrangeiras e são envenenadas, mortas ou presas em armadilhas. Também temos trabalhado bastante com pessoas que as reproduzem em condições miseráveis para ganharem dinheiro», refere.


Na reserva, a protetora já ajudou dezenas de exemplares da espécie. «Na África do Sul as chitas não andam livremente, exceto nos parques e nas reservas naturais», diz. 


«A maioria é salva em condições muito difíceis. Temos algumas que estavam acostumadas a ser animais domésticos e chegam muito vulneráveis, perto da morte, e já perdemos muitas outras», partilha. A espécie é a grande especialidade de Lisa e, apesar de já se ter despedido de vários animais que foram devolvidos à natureza, há outros que não podem ser libertados e acabam por encontrar um lar no seu santuário. «Alguns, infelizmente, não podem ser soltos por causa da sua personalidade ou de outras situações», refere.


Velvet, por exemplo, é tão meiga que, quando chegou a hora de ser solta, implorou para voltar ao centro. «Quando a soltámos, começou a saltar à volta no nosso veículo como se estivesse a dizer "Por favor, levem-me de volta"», recorda. Foi o que Lisa fez, e hoje Velvet tem uma área só para ela onde anda livremente.

Por outro lado, Iziba enfrentou outras dificuldades. Na altura em que estava a aprender a caçar, a região onde vive foi atingida por uma forte seca e a felina não teve muitas oportunidades de encontrar presas. «Ela não é uma boa caçadora, o que é um pouco triste porque tinha mesmo muito potencial», frisa Lisa. «Devido às circunstâncias, não conseguiu aprender a caçar e agora vive no santuário. Elas [Velvet e Ibiza] são as minhas filhas.»


Apesar de já ter estado com muitas espécies, os felinos continuam a ser a sua grande paixão e, quando questionada sobre os seus animais favoritos, sabe bem o que dizer. «É muito difícil escolher, mas diria chitas, leopardos e jaguares», diz ao PiT. E é a personalidade dos felinos que mais lhe chama a atenção. «Eles são poderosos e podem magoar-nos, mas escolhem não o fazer», frisa. «Se for amiga deles, temos aquela relação em que confiam em mim e gostam de estar ao meu lado. Acho que esta relação que temos é o que mais gosto.» 


A protetora acrescenta ainda que esta ligação também é importante para os próprios animais. «Se for uma pessoa espiritual, eles são criaturas muito poderosas e animais majestosos. Amo este vínculo que crio com eles e acho que há algo de sagrado nisso», diz. «Sinto-me privilegiada por eles escolherem ser meus amigos.» 


O RESGATE DE UM HIPOPÓTAMO 

O amor pelos animais esteve sempre presente na vida de Lisa. Quando era criança, lembra-se de que queria «ter todos os animais do mundo» e adorava estar rodeada por eles. O seu primeiro companheiro foi um rato doméstico, e aos 15 anos começou a trabalhar num estábulo. A partir daí, não parou mais. «Fiz outro estágio numa pet shop e, aos poucos, fui mais longe, comecei a trabalhar com outras espécies e estudei para ser cuidadora», conta ao PiT. 


Lisa é natural da Suécia mas foi em África que encontrou um lar. Antes disso, percorreu o mundo. Chegou a trabalhar como guia de turismo equestre na ilha de São Miguel, nos Açores, e aos 17 anos conseguiu um dos trabalhos com que sempre sonhou num centro africano de vida selvagem. No ano seguinte, mudou-se para o continente. 


«Foi uma aventura e não tive medo», confessa. «Vários dos meus amigos perguntavam-me se não estava nervosa, preocupada ou como iria viver lá, mas para mim foi a coisa mais natural do mundo. Estava mesmo muito ansiosa e senti que era o certo a fazer e apenas fiz. Adoro conhecer pessoas, novas línguas e culturas diferentes, portanto foi uma jornada maravilhosa e cheia de diversão.» 


Pouco tempo depois, Lisa conseguiu realizar o grande sonho: abrir a própria reserva. «Senti que era a hora de trabalhar por conta própria e cuidar dos animais como acho que eles precisam e merecem, sem ter de seguir ordens de outras pessoas ou estar dependente financeiramente», realça. Hoje, é na Western Cape Cheetah Conservation que faz o que mais gosta. Além dos grandes felinos, a protetora já viveu algumas aventuras ao lado de animais mais pesados. Há alguns anos, resgatou um hipopótamo que foi rejeitado pela mãe, e para Lisa, desde que começou a trabalhar na área, é uma das histórias que sempre carrega consigo. O pequeno Noah, como ficou conhecido o bebé, foi rejeitado pela mãe quando nasceu e, apesar de os pais estarem a viver próximo, o pequeno não recebia os cuidados necessários. 


«Ficámos quase um dia a monitorizá-lo para ter a certeza de que estava abandonado», recorda. «Percebemos que estava sempre a nadar de um lado para outro, muito confuso, e decidimos entrar em ação», diz. Lisa foi responsável por organizar tudo e pediu a ajuda de dois amigos especializados em resgate e reabilitação de elefantes. «Os pais de Noah ainda estavam no mesmo sítio, portanto precisava de alguém que fosse uma espécie de barreira para conseguir salvá-lo», partilha. 


Enquanto os dois homens atiravam laranjas em direção aos dois hipopótamos adultos, alimentando-os, Lisa entrou na água para salvar o pequeno Noah. «Quando entrei, tentei agarrar aquele bebé gigante que ainda era um recém-nascido, mas não percebi o quão pesado era», conta. «Tive de chamar o resto da minha equipa para me ajudar a carregá-lo até ao veículo e levá-lo ao centro», acrescenta. 


Na reserva, Lisa dedicou-se ao pequeno gigante. «Ele precisava de muito leite, era um trabalho a tempo inteiro, não fiz mais nada a não ser cuidar dele», sublinha. «Ele viu-me como a sua mãe e fazíamos esses sons estranhos juntos», conta, aos risos. 


O pequeno Noah, porém, não resistiu e acabou por morrer meses depois. 


«Como nunca foi amamentado pela mãe, não recebeu colostro [ideal para os bebés produzirem anticorpos]», explica. «Era como se fosse o meu filho e fiquei mesmo muito abalada com a sua morte. Mas uma coisa positiva foi que, no mesmo ano, a mãe teve outro bebé e, desta vez, cuidou bem dele», remata. 


Apesar de já ter perdido vários animais, a protetora continua a fazer o que pode para os salvar. E sempre que os liberta, embora tenha a consciência de que é «o melhor para eles» e confesse que é um «momento agridoce», tem sempre um outro pensamento em mente. «Fico sempre a pensar: "O que estou a fazer? E se eles não sobreviverem?" Mas no final de contas, se fosse uma chita ou um leopardo, preferiria ser livre e viver uma vida natural e, talvez, ser morto, do que estar preso durante quinze anos num cativeiro.


Acredito na liberdade de escolha, acho que é o que considero mais importante na minha vida e também o aplico a eles», conclui. 

Para apoiar a reserva de Lisa, pode fazer doações diretas ou comprar produtos disponíveis na sua loja online – entre fotografias, quadros, etc. Para ajudar na reintrodução de Rei, o leopardo também tem a sua própria angariação de fundos. 






Lisa com o leoporado Rei, que deverá ser libertado em território moçambicano. 



Algumas das chitas que Lisa acolheu, como Velvet, não podem ser devolvidas ao seu habitat natural. Ficam a viver no santuário. 



No Western Cape Cheetah Conservation vivem mais de 100 animais de várias espécies. 



O dia de Lisa é passado a cuidar dos animais. Só tem uma pessoa a trabalhar com ela. Tem programas de voluntariado para quem quiser passar uns meses a trabalhar com animais em África. 


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