NOVAS AJUDAS PARA A PERDA DE AUDIÇÃO
As soluções não só o fazem voltar a ter facilidade em conversar, como reduzem as probabilidades de ter uma queda, ficar deprimido e outras.
Susannah Hickling
Estou a ouvir-te nos meus aparelhos auditivos!», diz Lynne Kingston, entusiasmada, ao telemóvel com os dispositivos que lhe mudaram a vida.
A mulher
de 57 anos, de Kent, no Reino Unido, tinha consciência de que ouvia pior desde há, pelo menos, quinze anos, quando tinha quarenta e poucos. Estava constantemente a pedir às pessoas que repetissem o que tinham acabado de dizer. Os restaurantes barulhentos, as festas e o telemóvel eram um pesadelo para Lynne, que tem um negócio de aluguer de alojamentos para estudantes. «Faço a maior parte do meu trabalho ao telemóvel», diz. «Tinha que o colocar em alta voz, o que significava que toda a gente ouvia.»
Há cerca de dez anos consultou um especialista de audição e experimentou aparelhos auditivos básicos, mas depressa desistiu. Embora amplificassem os sons à sua volta, continuava a não distinguir aqueles que precisava de ouvir. «Estava em negação», confessa. «Pensava: “Não sou assim tão surda.”»
Mas era. Por fim, a pressão dos filhos e de uma amiga, que usava aparelhos auditivos, fizeram-na tentar de novo, assim como ter comprado aos filhos os auriculares Bluetooth da moda para o Natal. «Se as pessoas podem ter aquelas coisas brancas a saírem-lhes dos ouvidos, porque haveria de me incomodar por ter um aparelho auditivo?»
Deste modo, no verão de 2020 Lynne fez alguma pesquisa e ficou espantada com as melhorias na tecnologia de audição. Foi a um audiologista para experimentar os diferentes aparelhos disponíveis
e escolheu os modelos ReSound One do fabricante dinamarquês GN, uma opção vastamente disponível. Foi atraída pelos três microfones dos aparelhos – dois numa pequena unidade usada atrás da orelha e outro dentro do ouvido. Estes dão uma qualidade mais natural ao som e filtram o ruído de fundo indesejado. «Tenho uma aplicação no telemóvel e, dependendo do ambiente em que estou, posso ajustar o som», afirma.
Quando Lynne colocou os aparelhos auditivos, percebeu o que tinha andado a perder. «Pensei: “Que barulho é este?”», lembra. «Eram os meus chinelos.»
Lynne pode finalmente comunicar normalmente ao telemóvel e cara a cara. É capaz de determinar o volume da televisão e das conversas telefónicas através dos aparelhos auditivos. São confortáveis e discretos, e a sua autoestima aumentou.
Lynne Kingston é uma entre os 48 milhões de pessoas na Europa com perda de audição incapacitante, de acordo com a Hear-It, uma organização com sede em Bruxelas que se dedica a consciencializar sobre o assunto. Isto significa que têm dificuldades em manter uma conversa normal. No entanto, ao contrário de Lynne, dois terços não fizeram qualquer correção à audição. A Hear-It estima que isto custa à União Europeia 55 mil milhões de euros em perda de produtividade. Uma sondagem de três organizações europeias diferentes ligadas à audição concluiu que pouco mais de metade das pessoas com mais de 65 anos admite ter problemas de audição.
Cerca de 90% da perda de audição deve-se ao desgaste no ouvido interior, por vezes precocemente, a partir dos quarenta, e 40% das pessoas com mais de 50 anos têm algum nível de perda de audição. Quando as vibrações entram pelo ouvido, pequenas células revestidas de pelos, chamadas células ciliadas, transformam-nas em sinais elétricos que são enviados pelo nervo auditivo para o cérebro, que depois os interpreta como som. Uma vez mortas, estas células não se renovam.
A seguir à perda de audição relacionada com a idade, a outra grande causa é a exposição prolongada a ruído excessivo, que pode começar na adolescência. Trabalhar em fábricas ou com armas de fogo pode danificar a audição, assim como ouvir música com o volume elevado, quer com auscultadores quer ao vivo.
Os vírus também podem ter importância. Lynne acredita que ter contraído sarampo quando tinha vinte e poucos anos pode ter-lhe provocado perda de audição. Pensa-se que alguns problemas médicos, como a diabetes tipo 2, doenças de coração e tensão arterial elevada podem aumentar a probabilidade de perder a audição. Outros fatores de risco incluem o histórico familiar, lesão na cabeça, fumar e alguns medicamentos, incluindo o antibiótico gentamicina, e outros de quimioterapia.
Não é apenas um inconveniente
Os efeitos vão muito para além de não conseguir participar nas conversas – a perda de audição tem um forte impacto na saúde mental. «A audição é o nosso principal sentido de comunicação, e perdê-la leva ao isolamento social», diz Birger Kollmeier, especialista
em Física Médica na Universidade de Oldenburg, na Alemanha. É presidente da Federação Europeia de Sociedades de Audiologia e diretor do grupo de investigação alemão Hearing4All, um grupo de peritos de três universidades alemãs. Os investigadores concluíram que um problema de audição duplica o risco de depressão.
E isto não é tudo: a perda de audição contribui para a probabilidade de desenvolver demência em até 8% – e é o maior fator de risco modificável da doença, de acordo com uma comissão de 2020 da Lancet sobre demência. Quando não conseguimos ouvir bem «o cérebro não é suficientemente estimulado», explica o Dr. Paul Van de Heyning, do Hospital da Universidade de Antuérpia, na Bélgica.
Há indícios claros de que os aparelhos auditivos podem proteger da demência. Um estudo de 2018, que envolveu quase 4000 pessoas e foi conduzido ao longo de vinte e cinco anos pela organização de investigação em saúde Inserm, mostrou que os problemas de audição não corrigidos levam a um risco maior de deficiência e demência, enquanto as pessoas que usam aparelho auditivo têm as mesmas probabilidades de permanecerem independentes que aquelas que têm uma audição normal. E com base nos dados do mais recente estudo longitudinal PROTECT, investigadores da Universidade de Exeter e do King’s College de Londres, no Reino Unido, acreditam que os aparelhos auditivos podem diminuir o risco de declínio cognitivo em até cinco anos.
Surpreendentemente, a perda de audição também é importante para a saúde física. Mesmo uma perda ligeira pode triplicar o risco de quedas, que podem ser fatais nos idosos.
A mais recente tecnologia
A mais recente tecnologia em aparelhos auditivos pode ser uma enorme ajuda. «A qualidade aumentou muito nos últimos vinte anos», refere a audiologista Francesca Olivier do Royal National Institute for Deaf People (RNID), uma associação do Reino Unido. «Os aparelhos podem ser programados para a perda de audição do indivíduo.» Um algoritmo determina a amplificação necessária nas diferentes frequências.
No entanto, um dos desenvolvimentos mais estimulantes é a capacidade de ligar os aparelhos auditivos ao telemóvel por via do Bluetooth. Usando o telemóvel como controlo remoto, é possível ajustar o volume e selecionar entre diversos modos, como parâmetros para restaurantes, reuniões ou música ao vivo. Dantes os aparelhos auditivos não tinham conectividade
com os smartphones, por isso era preciso aumentar o volume no dispositivo. «Foram feitos grandes progressos na conectividade com dispositivos de comunicação, incluindo sistemas de PA», explica Birger Kollmeier.
Além disso, toda esta tecnologia está frequentemente contida em dispositivos muito mais pequenos. Há até um – o Lyric, largamente disponível – que pode ser usado internamente, dentro do canal auditivo, durante meses seguidos. «Não se sente, e pode-se dormir e tomar duche com ele», diz o audiologista Paul Checkley, diretor clínico na Harley Street Hearing, em Londres. «É como uma lente de contacto para o ouvido.»
A maior parte da perda de audição é bilateral, e nesses casos dois aparelhos atrás da orelha são melhores, como os que Lynne comprou. Funcionam sem fios, dando ao utilizador uma ideia melhor da origem do som – replicando o que os nossos ouvidos fazem. Paul Checkley acredita que a seguir devem chegar os hearables. «Alguns fabricantes estão a colocar tecnologia de audição em auriculares “inteligentes”», explica. Estes microcomputadores, que são semelhantes aos auriculares para ouvir música, usam tecnologia sem fios, permitindo que os dados pessoais de audição sejam inseridos para a melhorar.
Em relação aos aparelhos auditivos, quanto mais depressa os colocar, melhor. «A investigação mostra que as pessoas demoram cerca de dez anos a procurar ajuda», afirma Francesca Olivier da RNID. Porquê? Não é apenas o estigma associado a ficar surdo, também acontece porque a perda de audição é gradual e muitas vezes as pessoas não se apercebem. «A perda de audição relacionada com a idade atinge primeiro as frequências altas, o que significa que as pessoas podem ouvir os sons das vogais mas não perceberem as consoantes», diz Paul Checkley. «Podem ser levadas a pensar que a sua audição é normal.»
Mas não espere até deixar de ouvir. «Intervenha cedo, porque o cérebro tende a esquecer as capacidades fulcrais de audição se deixarem de ser devidamente ativadas», refere Birger Kollmeier. Negligenciar o problema significa que irá demorar mais a habituar-se aos aparelhos auditivos.
Implantes cocleares
Quando os aparelhos auditivos já não estão à altura do necessário, há uma solução cirúrgica que pode revolucionar vidas. De acordo com o Dr. Van de Heyning, da Universidade de Antuérpia, os implantes cocleares podem permitir uma melhoria da compreensão da fala em até 98% das pessoas que, mesmo com aparelhos auditivos, não conseguem ter uma conversa normal.
«Oitenta por cento das pessoas que recebem um implante coclear podem voltar a fazer uma chamada telefónica», diz. E quem tem a infelicidade de também ter tinnitus refere que o ruído na cabeça reduz 50 a 80% quando liga o implante.
Um implante coclear tem duas partes. Uma é usada atrás da orelha, e a outra implantada por via cirúrgica debaixo do couro cabeludo com um fio que vai pelo ouvido até elétrodos na cóclea, a parte «auditiva» do ouvido interno. Um microfone externo na orelha, ou perto, apanha os sons, que são analisados por um chip e enviados em código para os elétrodos implantados. Estes enviam correntes para o nervo auditivo. «Substitui o trabalho das células ciliadas», diz o Dr. Van de Heyning, clarificando que não envolve qualquer cirurgia ao cérebro.
Na verdade, o risco de complicações e insucesso é reduzido. Os implantes são adequados para as pessoas cuja perda de audição é causada por problemas no ouvido interno – a maioria – e a idade não importa. «A única barreira é a demência grave», afirma o Dr. Van de Heyning. Esses pacientes não têm acuidade cognitiva para interpretarem os sons inicialmente estranhos que ouvem.
Mesmo assim, a consciencialização e adesão continuam baixas na Europa. Em países de rendimentos elevados, menos de 10% das pessoas cujas vidas podiam melhorar com um implante coclear tem um. Porquê tão poucas? «É uma boa pergunta!», exclama o Dr. Van de Heyning, que diz que mesmo os otorrinolaringologistas parecem desconhecer as vantagens e quais os pacientes que podiam beneficiar da cirurgia. «Persiste a ideia de que é preciso ser-se completamente surdo para obter benefícios.» Não é preciso.
Jacques Verdière, de 88 anos, de Perros-Guirec, na Bretanha, em França, é a prova de que os implantes cocleares podem restabelecer a audição mesmo quando se é mais idoso. Depois de anos a ter infeções nos ouvidos, o bibliotecário reformado ficou completamente surdo do ouvido esquerdo. Quando o cirurgião otorrinolaringologista lhe sugeriu um implante coclear, hesitou. «Mas a minha filha, que é enfermeira, convenceu-me», confessa Jacques. Em 2016 recebeu um implante coclear, e depois um segundo no ano seguinte quando perdeu a audição no outro ouvido.
Embora Jacques Verdière tenha feito reabilitação depois do primeiro implante para reprogramar o cérebro a compreender os sons metálicos, não precisou de ajuda para se ajustar ao segundo. «Conseguia ouvir perfeitamente. Foi maravilhoso.»
A perda de audição do ouvido interno sempre foi considerada irreversível, mas a ciência pode estar prestes a contrariar esta ideia. Particularmente promissor é um novo medicamento que está a ser ensaiado na Grécia, Reino Unido e Alemanha. «O tratamento com esta medicação procura regenerar as células ciliadas do ouvido interno que se perdem quando a perda de audição avança», diz a cirurgiã otorrinolaringologista e investigadora de audição Dra. Anne G. M. Schilder, do Centro de Investigação Biomédica dos Hospitais da University College de Londres, onde foi feita a investigação.
A Dra. Schilder dirigiu o ensaio financiado pela União Europeia, apelidado REGAIN. Um especialista em otorrinolaringologia injeta o medicamento, um inibidor de gama-secretase, no ouvido médio, de onde se difunde para o ouvido interno para produzir novas células ciliadas. A Dra. Schilder acredita que este e outros tratamentos inovadores capazes de reverter a perda de audição poderão estar disponíveis num prazo de cinco a dez anos.
Neste momento é importante prevenir, o mais possível, os danos nas células ciliadas, que são muito importantes. «Há tampões para os ouvidos de muito boa qualidade a um preço razoável que se podem comprar para filtrar os sons nocivos mas que não interferem com a sua experiência», diz Francesca Oliver. Quando ouve música, considere usar auscultadores com cancelamento de ruído, não ponha o volume demasiado elevado e não os use durante muito tempo. Faça um intervalo de pelo menos cinco minutos por hora e, se estiver num concerto, a cada quinze minutos. Muitos audiologistas acreditam que devemos fazer testes de audição regulares, tal como fazemos com a visão.
Ao fim e ao cabo, porquê sofrer em silêncio? Embora possa ter de pagar parte ou a totalidade do custo de um aparelho auditivo da mais recente tecnologia, Lynne Kingston pensa que é mais do que compensador. «Fizeram-me sentir melhor comigo mesma», confessa. «É um investimento em mim.»