Quando ela era princesa

QUANDO ELA ERA PRINCESA 


A perspetiva datada de 1945 sobre a mulher 

que se tornaria a rainha Isabel II. 


William W. White 


Condensado a partir da revista LIFE. 

Publicado em Reader’s Digest em novembro de 1945, com o título «Princesa Isabel»




Em 2022 os habitantes da Commonwealth celebram o Jubileu de Platina: cumprem-se setenta anos desde a ascensão da rainha Isabel II ao trono, em 1952, com 25 anos. Foi o início do mais longo reinado de um monarca britânico na História. Em abril, a rainha assinalou o seu 96.º aniversário. Este artigo foi escrito em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial e dois anos antes de Isabel casar com o príncipe Filipe.


A princesa Isabel Alexandra Mary Windsor irá um dia reclamar a fidelidade de 489 milhões de pessoas em todo o mundo, quando assumir o seu título completo: Isabel II, pela Graça de Deus da Grã-Bretanha, Irlanda e dos Domínios Britânicos de Além-Mar, Rainha, Defensora da Fé e Imperatriz da Índia. Viu recentemente a sua ilha passar pelo turbilhão de mudanças políticas repentinas quando, em julho, Winston Churchill perdeu as eleições, apenas dois meses após o Dia da Vitória na Europa. O único comentário que se lhe ouviu depois de saber que o seu bom amigo tinha ficado submerso sob uma avalancha de votos à esquerda, foi: «Oh, que maçada.» 


Isto não significa que os acontecimentos do dia não tiveram eco em Isabel, mas a princesa foi educada para pensar muito seriamente antes de dizer muito pouco. 


Aos 19 anos, já está cuidadosamente treinada e agudamente consciente dos deveres, privilégios e limitações do trono – em particular das suas limitações. Desde há quatro séculos, quando a rainha Isabel I terá dito a um ministro «Terei apenas um amante e nenhum senhor», que os Britânicos foram esvaziando diligentemente os poderes da Coroa até quase nada restar. O que sobra é o poder de criar pares, um veto nunca utilizado enquanto chefe do Conselho Privado, e a honra duvidosa de nomear o primeiro-ministro escolhido pelo eleitorado. 


Hoje, como herdeira presuntiva (enquanto o pai for vivo assume-se que ainda possa vir a ter filhos varões), a princesa Isabel não tem poderes, não tem deveres reais de Estado nem funções constitucionais. Quando se tornar rainha, a sua maior contribuição será enquanto símbolo de continuidade. Os governos podem cair, os partidos podem ser dissolvidos, mas a Coroa permanece. Os Britânicos encontram nessa certeza um prazer inconcebível. A Coroa continua a ser uma das poucas despesas que os Britânicos suportam sem resmungar. 


Até agora, Elizabeth mostrou-se à altura de cumprir a profecia feita recentemente por um dos mais velhos estadistas da Grã-Bretanha: «Ela tem inteligência, personalidade e charme. Será uma boa rainha. Pode mesmo vir a ser excelente.» 


Boa rainha ou excelente, certo é que será atraente. Com a altura de uma modelo, cerca de 1,60 metros, Isabel herdou dos seus antepassados 

Fotografias, página anterior e esta: ©Lisa Sheridan/Studio Lisa/Getty


Hannover uma figura imponente, uma compleição rosada e alva, bons dentes brancos e uma constituição robusta. Infelizmente não é fotogénica, porque a sua principal característica distintiva é a cor. O seu porte régio faz lembrar os tempos da sua avó, a rainha Maria de Teck.


Menos alegre que a sua atraente irmã de 15 anos, Margaret Rose, cujas soberbas imitações de dignatários em visita já provocaram mais do que uma vez muitas gargalhadas à mesa do jantar, a princesa Isabel já mostrou indícios de que pensa por si.


Há um ano, quando, tal como os seus futuros súbditos, se tornou elegível para o serviço à nação, o rei, após demoradas deliberações com os seus conselheiros, decidiu que o treino de Isabel enquanto princesa se sobrepunha às questões da falta de mão-de-obra no país e que «Betts» não iria juntar-se a qualquer uma das forças auxiliares femininas, conhecidas como Auxiliary Territorial Service, ou ATS. No entanto, «Betts» tinha uma opinião diferente e não tardou muito até o palácio emitir um anúncio muito direto, dizendo que o rei «tinha muito gosto em conceder uma comissão honorária como segunda subalterna no ATS a sua Alteza Real, a princesa Isabel».


Isabel obteve a carta de condução dois dias antes do esperado, depois de ter recebido aulas e sujado as mãos a desmontar motores. A maior parte dos alunos terminava o curso de condutores do ATS num percurso por Londres para ganhar experiência. No entanto, considerou-se que Isabel não o deveria fazer, já que o risco de um acidente que incluísse a herdeira do trono seria demasiado elevado. Mas enquanto as rodas do governo analisavam tão pesada decisão, já Isabel conduzia um veículo camuflado do exército do campo até Londres. Chegou ao palácio depois de ter dado duas voltas completas a Picadilly Circus à hora de ponta «para apanhar o máximo de trânsito possível».


Quando a princesa embarca numa aventura, esta domina-lhe a vida por completo. Assim, enquanto estava a tirar a carta de condução, as conversas durante os jantares reais centravam-se em velas de ignição e desempenho dos motores. Atualmente o maior tema – pelo menos até onde vai a influência de Isabel – são os cavalos. A princesa espera ter o seu próprio estábulo dentro de um ano e competir com o pai.


Nos bailes nas casas particulares de Mayfair que frequenta, acompanhada apenas por uma dama de companhia – e dos quais é conhecida por sair às 03h00 –, dança com muitos jovens galantes mas não favorece um em particular. No entanto, os nomes de vários nobres jovens aparecem constantemente: o loiro e bonito Lord Wyfold, de 29 anos, o jovem Earl of Euston e o atraente Duque de Rutland são os três habituais. Isabel está obrigada, pela Lei da Sucessão Real, apenas com o consentimento do seu pai, e não pode casar com alguém que não professe a fé protestante. Se, e quando, casar, o marido, quando ela ascender ao trono, não será rei mas príncipe consorte, tal como Alberto de Saxe-Coburgo, o marido da rainha Vitória. O número de pretendentes elegíveis para este papel de subordinação é problemático.


O primeiro ato público de Isabel após o pai ter-se tornado rei aconteceu em Gales. Ao invés de aparecer no cenário majestoso de uma corte noturna num palácio, a princesa fez a sua estreia no brilho cor de laranja de uma fornalha galesa. Desde essa altura, já foram muitas as suas aparições com a família ou a solo: participou em duas conversas na rádio e fez uma dúzia de discursos.


O seu compromisso mais importante foi o batismo do HMS Vanguard, o maior e mais recente navio de guerra britânico. Apesar de estar um dia frio e cinzento, ela terá confessado a um oficial próximo: «Estou demasiado nervosa para sentir frio.» No entanto, cumpriu irrepreensivelmente o que dela se esperava. Apenas mais tarde se mostrou mais mulher do que princesa: foi-lhe oferecida uma belíssima pregadeira de diamantes e, enquanto o presidente se lançava num enorme discurso de boas-vindas, Isabel ficou calmamente sentada, a virar a joia, em forma de rosa de Inglaterra, nas mãos, ao mesmo tempo que a admirava.


O treino de Isabel foi árduo. A «Grandmamma Inglaterra» – a rainha Maria – parece ter mão firme na jovem Isabel e, em troca, recebe mais respeito da pequena Betts do que qualquer outro dos seus netos. Os dois rapazes Lascelles, Geral e George, quando eram muito pequenos tinham o hábito terrível de irromperem pelos salões e atacarem os tornozelos da rainha Mary, que, muitas vezes, era obrigada a assumir uma espirituosa defesa com a sua famosa sombrinha. Felizmente, Isabel sempre foi menos buliçosa.


A rainha Maria ensinou à criança a arte de conduzir uma conversa inteligente com os vários visitantes da Corte, e a jovem Isabel aprendeu depressa a lição mais difícil – que devia dar a entender que estava a apreciar a conversa, por mais monótona que fosse. E para que pudesse estar bem informada ou curiosa sobre um sem-fim de temas, a avó levava a pequena Isabel pelo Victoria e Albert Museum, pela Royal Mint, pelo England Bank, o Museu de Ciência em South Kensington, a Torre de Londres e a National Gallery. 


Desde os 6 anos que a educação formal de Isabel, bem como a de todos os da Casa Real, foi supervisionada por uma competente escocesa, Marion Crawford – «Crawfie». Se para Betts fosse mais fácil, e de facto ela achava-o, não havia qualquer problema em ter aulas de História deitada de costas no chão do quarto de Crawfie. Aos 12 anos, Isabel tinha desenvolvido uma apetência natural para História e línguas, mas era um sublime desastre a Matemática. A partir daí, a educação da herdeira passou a ser um assunto sobre o qual o Gabinete precisava de ser consultado. 


A mãe de Isabel queria que a filha frequentasse um colégio de raparigas, onde poderia conhecer mais pessoas da sua idade, mas a escolha do colégio e o currículo específico a atribuir a um herdeiro real eram difíceis. Ficou, por isso, decidido que teria, tal como a rainha Vitória, uma equipa de tutores. A sua formação histórica inclui o estudo das mudanças constitucionais desde os Saxões até ao presente, bem como a história da posse da terra e da agricultura britânicas. Também é versada na história americana e fala fluentemente francês. Ao que na época vitoriana seriam chamados «os seus atributos» – toca piano e canta agradavelmente –, Isabel acrescentou artes do século xx: nada, conduz, gosta de música norte-americana e tem «boas mãos e bom porte» como uma boa amazona, assim como boa pontaria. 


Quando era muito pequena, perguntaram à princesa o que queria ser quando crescesse. Sem hesitar, respondeu: «Quero ser um cavalo.» O tempo serviu para modificar essa ambição. É possível que poucos apreciassem a vida antissética e bastante vazia de uma rainha dos dias de hoje, mas Isabal irá ter esse dever. 


Sendo esse o caso, a sua ambição é a de ser uma boa rainha. Se, tal como a primeira do seu nome, refletir e encorajar o espírito contemporâneo do seu povo, pode vir a ocupar, na História, uma posição de igual importância. A primeira Isabel construiu o Império Britânico. À segunda, de maneiras mais subtis, caberá mantê-lo unido. 

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