Eduardo Barroso

«O meu grande orgulho não é ter feito o que fiz, é ter deixado a equipa que deixei, esse é que é o meu grande orgulho».


UMA VIDA COM O CORAÇÃO AO PÉ DA BOCA

É um dos mais destacados médicos-cirurgiões portugueses. Acérrimo defensor do Serviço Nacional de Saúde, colocou sempre os doentes em primeiro lugar. Foi criador e diretor do Centro Hepato-Bilio-Pancreático e de Transplantação de Lisboa, que tem atualmente o seu mome, e que é uma referência mundial. 

Acaba de lançar mais um livro que é uma autobiografia, recheada de histórias únicas.


Mário Costa

FOTOS: Paulo Alexandrino e Arquivo de Eduardo Barroso



AQUILO QUE EU PENSO é que esta escolha tem a ver com a minha carreira profissional, com o que fiz, o ter sido um dos pioneiros na transplantação do fígado em Portugal. Fizemos o primeiro transplante programado do fígado e reformei-me com mais de dois mil e quatrocentos transplantes feitos e muitos milhares de cirurgias do figado, vias biliares pâncreas fora da transplantação. Penso que se deve a isso, e fico muito contente.» 


Foi deste modo que Eduardo Barroso reagiu à sua eleição pelos leitores das Selecções do Reader’s Digest, e pelo segundo ano consecutivo, como Médico de Confiança no âmbito da iniciativa Personalidades de Confiança da nossa revista. 


Eduardo Barroso não tem dúvidas de que, apesar da visibilidade pública, foi o seu percurso profissional, o pioneirismo na área transplantação, que influenciou a escolha dos leitores das Selecções do Reader’s Digest. E mesmo já reformado do SNS continua a acompanhar o trabalho da sua antiga equipa, e é com evidente orgulho, e até com alguma vaidade, que fala do trabalho que continuam a desenvolver: «A minha antiga equipa continua a ser uma referência a nível mundial. Ainda há dois meses fizeram o primeiro transplante robótico do fígado da Europa e o segundo do mundo. Entretanto, já fizeram mais usando essa tecnologia. Deixei aquele serviço e aquela equipa muito bem preparada. 


É o meu legado, é o meu grande orgulho. Não é ter feito o que fiz. É ter deixado a equipa que deixei. Esse é que é o meu grande orgulho», diz à nossa revista.


À escolha dos nossos leitores não será também alheio o facto de ser uma personalidade mediática, com muita visibilidade, tanto por questões familiares – é sobrinho de Maria Barroso Soares e Mário Soares, irmão de Graça Barroso, bailarina e fundadora da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo, e Mário Barroso, cineasta e diretor de fotografia –, mas também por ter sido médico da Presidência da República e um dos pioneiros no comentário desportivo televisivo. Uma experiência na qual a frontalidade e paixão pelo Sporting – é o sócio 231 com 75 anos de filiação – foram a sua imagem de marca mas que o próprio lamenta ter aceitado: «A visibilidade da televisão incomoda-me. Sobretudo a que está relacionada com os anos em que estive como comentador desportivo. Aqueles primeiros programas de comentário tinham uma certa graça e foram inéditos. Mas depois transformaram-se em peixeiradas horrorosas, em má educação. Eu próprio tive de sair em direto de um dos programas porque aquilo atingiu um ponto tal que os meus filhos pediram-me, e a minha mulher a chorar pediu-me, para abandonar o programa porque era uma vergonha continuar a participar. Essa visibilidade do começo achei graça, mas no fim envergonhou-me um bocadinho», admite à nossa revista. 


EDUARDO BARROSO NASCEU em Lisboa, a 26 de janeiro de 1949. Além da paixão pelo futebol e pelo Sporting, dedicou a sua vida a outra vocação, a Medicina. Desde muito cedo que soube que esse era o seu caminho profissional, e em particular na cirurgia. É doutorado em Cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Foi diretor do Serviço de Cirurgia Geral e Unidade de Transplantação e do Centro Hepato-Bilio-Pancreático e Transplantação do Hospital Curry Cabral, hoje integrado no Centro Hospitalar de Lisboa Central. 


Recentemente lançou o livro Com o Coração ao Pé da Boca, uma biografia na qual revela histórias únicas do seu percurso profissional, nomeadamente a «aventura» que foram os anos que antecederam a criação do Centro Hepato-Bilio-Pancreático e Transplantação. Quando muitos duvidavam da concretização desse projeto, Eduardo Barroso deixou a vida confortável de Lisboa, meteu-se num velho Renault 5 e rumou a Cambridge para se especializar na área da transplantação. «Poucos acreditavam na ideia da criação de um centro de transplantação de referência em Portugal, algumas vozes até diziam que em Portugal nunca se iriam fazer transplantações de fígado. Mas eu sempre achei que sim e que devíamos apostar nessa área. E depois de falar com o Dr. João Rodrigues Pena, que era o diretor do Serviço de Cirurgia Geral e Unidade de Transplantação do Curry Cabral e meu chefe, ele desafiou-me e disse-me que, se era para ir por esse caminho, teria de aprender com os melhores. E havia duas possibilidades, ou ia para Paris estagiar com o Professor Henri Bismuth, ou para Cambridge com Sir Roy Calne. Optámos por Cambridge, até porque o Dr. João Pena tinha estagiado com Sir Roy Calne quinze anos antes. Aliás, o Dr. João Pena fez parte da equipa de Sir Roy Calne que fez o primeiro transplante hepático num humano em toda a Europa, em 1968. Pareceu-nos ser a escolha acertada, e fiz um estágio de dois anos em Cambrigde», explica entusiasmado às Selecções do Reader’s Digest. 


O livro relata também todo o percurso pessoal, desde a sua entrada no Externato Lar da Criança, a relação com a sua diretora, a Bertinha, as amizades, nomeadamente com Marcelo Rebelo de Sousa, as relações familiares e, claro, a sua imensa paixão pelo Sporting. Mas o livro tem também um propósito, levar os doentes a saberem fazer escolhas quando necessitam de ajuda médica. «O livro foi feito como uma obrigação cívica, que eu senti ter de cumprir, que é alertar as pessoas para a necessidade de saberem escolher quem as pode tratar quando têm um problema de saúde. Se você tiver uma doença, seja grave ou não, onde vai tratar-se? É por ter dinheiro ou um bom seguro de saúde que pensa que vai para um hospital que tem umas palmeiras e umas cafetarias fantásticas, que é o melhor local? A intenção é levar as pessoas a estarem informadas, a não confiarem cegamente só porque sim. Se tiver uma doença grave no esófago ou no pâncreas, antes de qualquer procedimento pergunte se o hospital tem condições para fazer esse procedimento ou intervenção, qual a experiência do médico ou da equipa. Não se deve ter medo de fazer perguntas, é um direito que o doente tem. E, fazendo essas perguntas, podem-se fazer escolhas mais acertadas», salienta Eduardo Barroso. 


E para ajudar a perceber melhor a sua ideia dá como exemplo o Centro Hepato-Bilio-Pancreático e Transplantação, de que foi criador e diretor durante vários anos. «A equipa com que trabalhei no Curry Cabral, e que ajudei a formar, faz por ano em cirurgias do fígado e do pâncreas cerca de setecentas intervenções. Ora, setecentas cirurgias por ano permite treinar, praticar, são autênticos atletas de alta competição. São os melhores naquela especialidade. Fala-se muito que o Serviço Nacional de Saúde não tem resposta para algumas doenças mais graves. Pelo contrário, o SNS é que tem resposta para as doenças que colocam a nossa vida em risco. Mas as pessoas devem estar informadas e saber onde podem obter as melhoras respostas», diz Eduardo Barroso. 


Com uma experiência única na área da cirurgia, Eduardo Barroso faz uma notória divisão entre ser cirurgião e ser operador: «Ao longo da minha carreira cruzei-me com muito bons operadores, pessoas que eram tecnicamente muito hábeis, que faziam muito bem o que lhes era pedido. Mas ser cirurgião é muito mais do que saber fazer uma determinada intervenção cirúrgica. É saber quando a deve fazer, mas acima de tudo, saber quando a não faz. Havia um grande cirurgião inglês, Rodney Smith, que dizia que lhe bastava um ano para treinar um jovem cirurgião e o preparar para as cirurgias mais complexas. E que demorava cinco anos a explicar-lhe quando devia realizar uma cirurgia. Mas demorava uma vida para conseguir explicar-lhe quando não a deve fazer. Ser cirurgião é muito mais do que chegar a uma mesa de operações e saber fazer uma técnica especial», revela às Selecções do Reader’s Digest. 


Deste seu último livro sobressaem vinte e dois testemunhos de várias personalidades, sobre a sua vida e carreira, revelando algumas histórias divertidas e emocionantes. Mas em todas elas há um ponto em comum: o primado da humanidade no tratamento dos doentes. Para Eduardo Barroso a medicina tem de ter rosto. «Isso para mim é um ponto de honra. O doente está sempre em primeiro lugar. Um colaborar meu que dissesse: “Oh, Eduardo, o doente da cama 7 está com febre”, não dizia segunda vez. Era imediatamente chamado à atenção. Aliás, eu tive um episódio desses no início da minha carreira com o meu chefe de então, o Dr. Câmara Pestana. Fui falar com ele sobre um doente e referi-me ao doente como “doentinho”, e ele chamou-me logo à atenção. Eu era jovem e pensei que estava a ser ternurento, a mostrar cuidado, mas ele disse logo: “Aqui não há doentinhos. Há pessoas doentes que confiam em nós, e não é o doente da cama tal, eles têm nome.” Foi uma lição para a vida.» 





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UMA VIDA INTENSA 


Eduardo Manuel Barroso Garcia da Silva nasceu em Lisboa, a 26 de janeiro de 1949. É médico-cirurgião geral, tendo dedicado a carreira à cirurgia hepato-bilio-pancreática. Foi assistente na faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa entre 1970 e 1972. Em 1984 e 1985 esteve em Cambridge, Inglaterra, como assistente de Cirurgia Clínica no Hospital de Addenbrooke. Foi diretor do Serviço de Cirurgia Geral e Unidade de Transplantação e do Centro Hepato-Bilio-Pancreático e Transplantação (CHBPT) do Hospital Curry Cabral. Foi distinguido com a Medalha de Ouro do Ministério da Saúde. Em 2005 foi feito Grande- Oficial da Ordem do Mérito pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, e em 2010 foi homenageado pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. É membro do Comité Europeu de Cirurgia (Transplante) (FEBS), membro do Comité Científico do LiverMetSurvey e membro de Pleno Direito e Presidente da Associação Europeia de Cirurgia. Foi, ainda, diretor-geral da Alta Autoridade para os Serviços de Sangue e Transplantação do Ministério da Saúde Português (AAST), coordenador da equipa de formação para o relançamento do Programa de Transplantação do Uruguai (2008-2009) e orientador de estágios do Institut Hépato- -Biliaire Henri Bismuth. Em 2010 recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro. É atualmente consultor sem função clínica na área do ensino do Centro Clínico da Fundação Champalimaud. É ainda Presidente da Comissão Nacional para os Centros de Referência. 


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«O meu grande orgulho não é ter feito o que fiz, é ter deixado a equipa que deixei, esse é que é o meu grande orgulho», diz Eduardo Barroso.


Eduardo Barroso e a sua equipa na sua última cirurgia na Fundação Champalimaud 

aos 71 anos. 


Eduardo Barroso com a mãe e os irmãos, com o Dr. Câmara Pestana e com os netos, que lhe chamam «Avô Chocolate».


Com uma das equipas de cirurgia na então Clínica de São Lucas, em Lisboa 



O seu último livro, uma autobiografia pessoal e profissional, vai já na 4.ª edição. (Edição Avenida da Liberdade Editores.) 


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