AS EQUIPAS DE TELEVISÃO estão permanentemente a postos à porta dos escritórios de Laura Codruta Kövesi. Estão prontas a transmitir imagens ao vivo do próximo episódio do drama mais falado e, para a corrupta elite política e económica do país, terrível dos últimos 25 anos.
A não ser que trabalhem lá dentro ou tenham outra boa desculpa, ninguém hoje em dia na Roménia quer ser visto a ultrapassar as portas de madeira da rua Stirbei Voda, que levam a Laura, a mulher de 42 anos e voz suave, que lidera o Diretório Nacional Anticorrupção da Roménia (DNA), uma agência outrora sonolenta que agora lidera uma vigorosa iniciativa contra a corrupção.
«Esta senhora calma e discreta tornou-se a pessoa mais temida e, para alguns, a mais odiada da Roménia», diz Vladimir Tismaneanu, professor de política que liderou uma comissão na Roménia para examinar crimes cometidos antes da queda do ditador Nicolae Ceausescu, em 1989. Segundo ele, Kövesi desencadeou o maior «terramoto político» que abalou a Roménia desde 1989.
DEPOIS DE, HÁ DOIS ANOS, assegurar condenações contra mais de 1000 pessoas incluindo um ex-primeiro-ministro e outras figuras proeminentes, a agência de Kövesi aumentou no ano passado a pressão, indiciando o primeiro-ministro em exercício, quatro ministros, 10 presidentes de câmara de cidades importantes, nove presidentes de conselhos regionais e 18 membros do parlamento, atuais e antigos. Ao todo, acusou de corrupção mais de 800 pessoas nos primeiros nove meses de 2015.
O primeiro-ministro Victor Ponta, do Partido Social Democrata, foi acusado de fraude, lavagem de dinheiro e cumplicidade em evasão fiscal quando trabalhava como advogado, antes de ser eleito em 2012. O parlamento chumbou uma tentativa de lhe levantar a imunidade parlamentar, impedindo a investigação de atividades já no cargo.
Victor Ponta, que nega ter cometido qualquer crime, diz-se vítima da «obsessão de uma promotora pública pouco profissional», que procura progredir na carreira «inventando e imaginando situações e atos falsos dez anos antes». Antes de ser indiciado, nunca expressara qualquer queixa quanto ao desempenho de Kövesi, cuja nomeação para o cargo ele reclamava como ideia sua.
Enquanto espera os procedimentos dos tribunais, Ponta foi finalmente forçado a demitir-se enquanto primeiro-ministro em novembro passado, depois das grandes manifestações de rua a propósito do fogo num clube noturno em Bucareste que matou 55 pessoas e feriu muitas mais, galvanizando a fúria pública contra a corrupção de alto nível.
EMBORA O DNA liderado por Kövesi insista que está meramente empenhado na há muito necessária limpeza dos manifestamente corruptos, e amiúde justapostos, mundos da política e dos negócios, da Roménia, os que são apanhados na mira de Kövesi e dos seus aliados têm uma visão muito diferente.
Denunciam-na como estalinista e acusam a sua agência, que se baseia muito em escutas, de reavivar métodos usados pelo temido e omnipresente serviço de segurança do presidente Ceausescu, a Securitate.
Sentada no seu escritório, decorado com ícones religiosos, Kövesi descarta a alegação como absurda. Diz que ela e a sua equipa de promotores públicos «se formou depois de 1989, por isso não fazemos ideia do que são os métodos da Securitate». As escutas, acrescenta, não foram inventadas pelo DNA, são antes usadas em todo o mundo», por países democráticos sem qualquer história de repressão comunista.
Os seus críticos – nomeadamente um grupo de comunicação social controlado por Dan Voiculescu, um barão da política e dos negócios condenado em agosto de 2014 a 10 anos de prisão por corrupção – têm feito uma campanha implacável para denegrir o seu nome e o da sua agência.
O Jurnalul National, um jornal controlado por Voiculescu, chamou a Kövesi a «procuradora estalinista» da Roménia, enquanto outra das suas empresas, o canal de televisão Antena 3, a comparou a Hitler, acusando-a de receber dinheiro de um mafioso.
Kövesi diz que se acostumou às calúnias, notando que «os ataques mais negativos, as afirmações mais difamatórias vêm de pessoas que estão a ser investigadas pelo DNA».
Em outubro ganhou o processo por difamação levantado contra a Antena 3 por causa na notícia dos pagamentos por mafiosos e alegações sobre a sua vida privada enquanto solteira e divorciada.
Ainda assim admite um defeito: «Considero que o meu defeito é a teimosia – mas eu chamo-lhe coerência. Faço questão de levar as coisas até ao fim.»
KÖVESI MANTÉM UMA MURALHA à volta das suas próprias opiniões políticas, evitando hipérboles emocionais, que muitas vezes dominam o debate público na Roménia, em prol de uma linguagem legal sucinta.
Seguiu o pai na carreira de promotora públi-ca, estudando direito na cidade de Cluj, no noroeste do país. Depois de se formar, em 1995, aceitou o primeiro de uma série de empregos num sistema de justiça romeno que a Comissão Europeia regularmente criticava por ser distorcido pela interferência política e pela corrupção. Apesar de muito procuradas pelos seus opositores, nenhuma prova sólida de conduta incorreta foi encontrada contra ela.
Antiga jogadora de basquetebol, e fazendo exercício regularmente perto de casa, na capital Bucareste, Kövesi dispensa guarda-costas permanentes, mas é vigiada pelo Serviço de Proteção e Guarda, um corpo oficial responsável pela proteção de autoridades.
«Tenho uma vida muito normal», diz, desvalorizando o risco. «Vou ao cinema, vou ao ginásio. Há dias em que vou a pé para casa, e isso descontrai-me. As pessoas ficam surpreendidas por saberem que passo a ferro a minha própria roupa ou que faço caminhadas nas montanhas. Não faço as coisas de modo diferente só porque tenho este estatuto profissional.»
Embora desvalorize os medos que suscitou na classe política da Roménia, tem na parede do seu escritório um quadro pintado por uma sobrinha, que mostra um espantalho num campo ensombrado por pássaros negros. «Quem me visita diz que sou eu, em Bucareste», comenta.
Kövesi diz que as pessoas comuns que encontra nunca lhe dizem para desistir de Voiculescu ou de outros acusados pelo seu diretório anticorrup-ção. «De cada vez que vou ao mercado, a uma loja ou ao cinema, encontro pessoas amistosas que me congratulam e encorajam o trabalho que aqui fazemos», diz. «Nem toda a gente na Roménia comete corrupção.»
Na verdade, de acordo com uma sondagem recente, 60% dos romenos declararam confiar no DNA com Kövesi, em contraste com apenas 11% que afirmaram confiar no parlamento.
CRIADO EM 2003, o DNA passou anos a visar funcionários públicos de baixo escalão, enquanto dava uma larga folga a pessoas com influência.
«Perseguiam professores de liceu e maquinistas de comboios. Era uma farsa», refere Sorin Ionita, analista política no grupo de reflexão Expert Forum em Bucareste. Isto começou a mudar há uma década, com a nomeação de outra mulher, Monica Macovei, para ministra da Justiça, que foi seguida de legislação que impedia a agência de perseguir apenas arraia-miúda.
Para dar mais peso à agência, as regras foram mudadas para que os casos investigados pelo DNA tivessem de envolver subornos de mais de 10 000 euros e empregados estatais acima de um certo nível.
O parlamento romeno tentou repetidamente limitar os esforços anticorrupção, queixando-se os legisladores de que estavam a ser investigados por motivos políticos e propondo uma lei de amnistia — um passo a que Kövesi diz ter-se oposto veementemente.
Para ajudar quem já estava preso, o parlamento aprovou uma lei em 2013 que permite aos condenados reclamarem 30 dias das suas penas por cada «trabalho de investigação científica» que publicassem na prisão, o que levou a uma série de livros publicados, muitas vezes escritos por «fantasmas», tendo como autores políticos e homens de negócios encarcerados.
A porta-voz de Kövesi, Livia Saplacan, diz que o DNA falou com o ministério da Justiça para mudar a lei e estipular critérios estritos sobre que livros se deviam qualificar.
«O DNA chamou a atenção para o súbito aparecimento de tantos “trabalhos de investigação científica” escritos na prisão. Como era isso possível?», questiona.
KÖVESI COMEÇOU POR SER nomea-da para líder do DNA em maio de 2013 pelo então presidente de centro-direita Traian Basescu. Um êxito inicial foi o escalpe de um antigo primeiro-ministro, Adrian Nastase, condenado em janeiro de 2014 a quatro anos de prisão por aceitar subornos.
Embora passasse apenas seis meses atrás das grades, garantindo a libertação por bom comportamento, a sua condenação criou uma onda de choque na classe política romena, particularmente o Partido Social Democrático, a que pertencia.
Outra prisão de alto nível por alegada corrupção seguiu-se em finais de 2014. Ironicamente, foi Alina Bica, então procuradora-chefe numa segunda agência dedicada ao combate contra a corrupção, o Diretório de Crime Organizado e Terrorismo. Desde então demitiu-se e tem estado suspensa do trabalho judiciário.
O tema da corrupção dominou as eleições presidenciais de 2014 e ajudou à surpreendente derrota do então primeiro-ministro Victor Ponta, o favorito para o cargo. A posição de Kövesi depende de apoio presidencial, por isso a vitória de Klaus Iohannis, um autarca provincial que se apoiou numa forte plataforma anticorrupção, chegou como um alívio para ela e os seus aliados.
«Há muitas afirmações de que conduzimos processos políticos», diz Kövesi. «A minha resposta é que não abrimos casos políticos.» Ela nota que a sua agência fez acusações de corrupção contra membros de diversos partidos, não apenas do de Ponta, e que também encarcerou o irmão de Basescu, Mircea, por receber dinheiro de um cabecilha criminoso.
Em fevereiro [de 2015], a agência também prendeu um dos mais próximos aliados de Basescu, a anterior ministra do Turismo, Elena Udrea, que está sob investigação por ter alegadamente recebido subornos e ajudado o ex-marido, um homem de negócios abastado, a lavar os lucros de vendas corruptas de software ao governo.
Atualmente membro do parlamento, Udrea nega ter feito algo errado e avisou os colegas de que «a vossa vez chegará também, a altura em que as acusações contra vós irão explodir como acontece agora comigo». A agência anticorrupção, diz que ela «está a interferir com a política e a sacrificar a imagem da Roménia».
A ter causado alguma coisa, no entanto, a acusação de políticos anteriormente intocáveis só melhorou a imagem da Roménia, especialmente junto da União Europeia, em Bruxelas, que durante anos se queixou de que a Roménia (que se juntou à União em 2007) não fazia o suficiente para acabar com a corrupção endémica.
Num relatório sobre o progresso da Roménia na reforma judicial e na luta contra a corrupção, a Comissão Europeia saudou a agência de Kövesi pelo seu «historial crescente», enquanto se queixava de que o parlamento obstruía os seus esforços através de respostas «arbitrárias» aos pedidos para levantamento da imunidade, que protege legisladores em funções.
HOJE HÁ CERCA DE 120 promotores públicos a trabalhar em mais de 6000 casos de corrupção. Quase todas as acusações do DNA terminaram em condenações, com uma taxa de sucesso de 90%.
Apesar de ser um inimigo implacável de muitos membros da temerosa elite da Roménia, incluindo não apenas barões da política e negócios, mas também do sistema judicial, Kövesi ainda parece gozar do apoio do público e também do novo presidente.
«Há razões de preocupação se o presidente não apoiar a nossa luta», diz. A Comissão Europeia em Bruxelas também a incita a continuar.
«A Roménia está no caminho certo e precisa de o manter», diz o primeiro vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans. «Enfrentar a corrupção é o maior desafio e a maior prioridade. Recebemos com agrado os progressos alcançados.»