Sabe-se que não era um aluno brilhante, até teve alguns problemas de aprendizagem, foi-lhe diagnosticada, ainda em criança, dislexia: aos 14 anos, entrou para um seminário franciscano com a firme vontade de se tornar padre. Mas dois anos depois já andava em Nova Iorque a prestar provas para tentar o seu primeiro papel no cinema. Chama-se Thomas Cruise Mapother IV, é famoso, rico e dos mais poderosos em Hollywood.
Será o primeiro ator da história do cinema a rodar um filme no espaço. São ainda poucos os pormenores que se conhecem sobre que filme será esse, mas a notícia já foi confirmada pela NASA que, sem avançar grandes pormenores, divulgou a informação de que será um filme de aventuras no espaço, na estação espacial onde até agora só entravam astronautas e se faziam experiências científicas. É caso para dizer, uma estrela nunca subiu tão alto.
Neste mês de julho ele completa 58 anos, nasceu 3 de julho e continua mais ativo do que nunca no cinema de ação e raramente deixa que seja um duplo a fazer as cenas mais arriscadas, como quando andou pendurado (em Missão Impossível) – como um miúdo no carrocel – num dos prédios mais altos do mundo no Dubai. Tomou-lhe o gosto pelo risco porque já andou agarrado ao exterior de um avião em pleno voo ou, como foi amplamente divulgado, ele próprio pilotou um caça da Força Aérea americana na continuação (que estreia ainda este ano) de Top Gun 2. O primeiro filme é de 1986 e foi essa produção que lhe garantiu o estrelato.
É o míster simpatia do cinema americano mas evita as entrevistas, ou, pelo menos, é muito seletivo, não aceitando ficar horas sentado enquanto um desfile de jornalistas lhe passa à frente a querer saber mais.
A diretora de casting e agente que lhe preparou toda a carreira, Paula Wagner, é talvez das mulheres mais fiéis com quem ele trabalhou. Há uns anos que ela abandonou o lugar de executiva e agente para trabalhar exclusivamente com o ator e passar a sua associada num negócio de produção de vários filmes de aventuras sempre muito rentáveis. Como já não há dinheiro que pague a importância que tem o nome Tom Cruise no cartaz, ele passou a receber um valor médio de 25 milhões de dólares de ordenado através da produtora, além de uma percentagem variável na receita bruta de bilheteira, o que multiplica por muito esse valor.
O realizador Paul Thomas Anderson explicou-me uma vez que era difícil perceber fora de Hollywood a fama e o poder de uma estrela como Tom Cruise. Dizia-me: «Ele não pode sair à rua, vive prisioneiro de uma imagem, ainda por cima é um daqueles casos em que dificilmente se consegue disfarçar. A fama é uma prisão, o ideal é arranjar uma atitude pública, uma imagem que é o que passa, ou se quer passar, nunca deixando de se ser ator.» Ele teve essa perceção quando o dirigiu em Magnólia: «No caso de Tom, a maneira que tem de se defender é estar de bem com ele e sempre a interpretar. Se ri, é porque ri; se fica com má cara, é antipático… Enfim, não é fácil.» Não será assim com todos, mas com as estrelas mais poderosas e carismáticas essa reação do público é constante, inversamente proporcional a um certo desdém de que é alvo na indústria do cinema, o que faz com que se resguarde mais, até para não causar polémicas com as suas afirmações, em particular sobre a cientologia, que lhe têm trazido dissabores.
Tinha apenas 12 anos quando os pais se separaram e passou a ser o homem da casa, contando com o apoio das irmãs e da mãe para tentar a carreira de ator. Teve o primeiro papel secundário aos 17 anos. A infância e juventude representou para ele um período de incertezas e angústias, a que a dislexia certamente não ajudou. É um período de que ele pouco fala publicamente, temas de resguardo para as conversas com os jornalistas. Há apenas uma referência a esse tempo, é uma entrevista já antiga a propósito do filme Rain Man – Encontro de Irmãos, em que descreveu a sua infância como «difícil e com muita pressão». «Olho para trás, para o meu tempo de escola, e sinceramente não me agradaria voltar a esse meu tempo de crescimento.»
Mal acabou o secundário mudou-se para Nova Iorque para tentar uma carreira no show bizz. A mãe tinha sido aspirante a atriz, e via nesse apoio que dava ao jovem Thomas a possível concretização do seu antigo sonho. A sua primeira aparição no cinema foi num pequeno papel no filme de Franco Zefirelli Um Amor Infinito, de 1981, com Brook Shields.
NÃO TEM MISSÕES IMPOSSÍVEIS
Em 1996, a propósito da primeira adaptação ao cinema de Missão Impossível, explicou-me assim o modo como selecionava os filmes que lhe abriam as portas do sucesso: «Tento sempre que os meus trabalhos sejam vistos pelo maior número de pessoas, trabalho muito para isso. Tento perceber, ao ler um guião, se realmente aquele pode ser um filme que queira ir ver ao cinema. É uma regra muito simples e que pode ditar o êxito. Depois, é muita dedicação à profissão. Posso dizer-lhe que, quando estou em rodagem, tenho dias seguidos em que não durmo mais de três ou quatro horas por noite. Não digo isto para me queixar... vendo bem, acho que a minha vida é uma bênção. Viver a vida é, para mim, a única maneira de encontrar a felicidade e, para isso, é necessário viver uma vida real. Os que se enganam com sonhos, os que vivem vidas fictícias, esses serão sempre incapazes de desfrutar a felicidade.»
Lá estava ele a tentar entrar pela sua filosofia de vida. Disse-me isto a propósito da receita para encontrar um sucesso. Misturou-lhe uma pitadinha de otimismo e mexeu tudo com um sorriso, aquecendo no lume brando das suas convicções na cientologia. Sempre curioso nas entrevistas que faço, quis saber mais sobre essa religião ou filosofia de vida que tanta polémica e secretismo envolve e de que vários atores, entre eles Tom Cruise e John Travolta, são fervorosos seguidores: «É uma filosofia religiosa aplicada que nos permite viver uma vida melhor, porque explora e ensina-nos a lidar com os nossos problemas. Dá-nos as ferramentas necessárias para tornar a nossa vida melhor. No fundo, acho que se deve ter uma atitude muito positiva em relação ao trabalho. Não creio que seja simplesmente uma questão de autoconfiança ou determinação em querer fazer. Deve-se semear para poder colher, e não parar até consegui-lo. É verdade que tive sempre muita sorte e, claro, dei sempre no duro para conseguir o que queria. Nesse aspeto, a cientologia foi muito importante para alimentar a minha vontade, organizando-me as energias e a determinação.»
A sua fervorosa dedicação a esta causa foi cada vez maior ao longo dos anos. Disse mesmo, certa vez, que se não fosse a Igreja da Cientologia não tinha conseguido ultrapassar um problema de dislexia na infância. Se tudo isso o ajudou numa determinada fase da carreira, pelo que me apercebo, a verdade é que na indústria cinematográfica já pouca gente lhe ouve o discurso. Mas nem por isso Tom Cruise deixa de ser simpático e convicto naquilo em que acredita: «A minha conceção do trabalho é que deve ser divertido porque, no fundo, só estamos a fazer um filme e, apesar do risco, das preocupações e da quantidade enorme de dinheiro investido, devemos ter sempre tempo para um sorriso. Eu já não faço filmes porque necessite do dinheiro ou porque queira agradar ao público. Primeiro, tenho que gostar do projeto, do argumento ou da equipa, até porque, apesar do destaque no cartaz ir todo para um nome, um filme é toda uma equipa que tem que trabalhar em conjunto para se obter um bom resultado final. Isto não é religião, é simplesmente preocupação com o bem-estar – meu e de quantos me rodeiam.»
Há nas palavras de Tom Cruise – e isso confirmo pela distância temporal das respostas, obtidas em diferentes momentos ao longo dos vários anos de entrevistas que lhes fiz – uma coerência de ideias. Seja qual for o filme, as suas palavras visam sempre a transmissão de uma mensagem. Recordo que, quando falámos a propósito do filme O Último Samurai, disse-me: «Vivemos num mundo em que, em termos tecnológicos, pouco falta inventar, pelo menos ao nível da nossa imaginação. Há meios de comunicação sofisticadíssimos, somos uma sociedade dita evoluída, no entanto continuamos em guerra. Não dá para aceitar. O que me encantou neste filme foi essa possibilidade de obrigar a refletir, vendo na história passada os danos que podem ser causados quando fazemos algo de mal, essa possibilidade de nos obrigar a pensar que temos de mudar o curso das coisas. O filme, se quiserem, funciona como uma metáfora.»
Fala sempre marcando as palavras e nunca deixa de sorrir enquanto olha para cada um dos entrevistadores, olhos nos olhos, como que tentando criar a tal intimidade, fazendo apenas breves pausas para um pensamento. Também já lhe registei um curioso desabafo sobre o controlo que gosta de ter sobre os filmes, o prazer de poder estar nos bastidores dos filmes, em particular como produtor: «É uma atividade que me dá muito prazer profissional, tenho conseguido fazer duas ou três fitas por ano. Se calhar, dentro de uns anos talvez esteja só a fazer produção. Adoro esse …