É uma longa e curiosa história, que começou pela necessidade de credibilizar a indústria, então a atravessar momentos difíceis de criatividade, escândalos sexuais e perdas financeiras significativas. Todos os anos falamos dos candidatos, dos derrotados e dos vencedores, mas vale a pena conhecer todos os pormenores da mais glamorosa festa, que evoca, no contraste do vermelho da passadeira e no dourado reluzente do troféu, todo o glamour e o encanto do cinema.
Uma vez perguntaram ao famoso ator Will Rogers, que tinha acabado de chegar a Hollywood com a bagagem a abarrotar de êxitos na Broadway, se ele sentia grande diferença entre representar em palco e nos filmes. A resposta não poderia ser mais elucidativa: «Isto dos filmes é fantástico. O cinema é o único lugar onde um ator pode atuar e ao mesmo tempo sentar-se na plateia e aplaudir-se a si próprio.» Então nos Óscares, é quem mais se aplaude a si próprio. É a verdadeira fogueira das vaidades.
Todos os nomeados, por escassas que sejam as suas hipóteses de vitória, ensaiam antes de sair de casa, pelo sim pelo não, um breve discurso de agradecimento à família. Lá no fundo, cada um deles esconde o secreto desejo de sair com uma estatueta na mão, porque sabe o quanto isso vale para a progressão na carreira, tão competitiva e dura.
Ao longo da história dos Óscares, já houve nomes que foram nomeados e não existem, situação que deixa a Academia embaraçada. Entre os vários casos, ocorrem-me dois: Roderick Jaynes, nomeado em 1996 pela montagem de Fargo, e que é afinal o pseudónimo não de uma, mas de duas pessoas, Joel e o seu irmão Ethan Coen, igualmente argumentistas e realizadores do filme; e um tal P. H. Vazak, que protagonizou uma estranha nomeação, em 1984, pelo argumento de Greystoke, a Lenda de Tarzan, quando o verdadeiro autor foi Robert Towne (argumentista de Chinatown e dos dois filmes de Missão Impossível), mas como os estúdios não o escolheram para realizar o filme que escrevera, ele ficou tão arreliado que decidiu assinar o argumento com o nome do seu cão, Vazak – designação mais apropriada para antidepressivo do que para animal doméstico. Que eu saiba, o cão não foi à festa, mas, quando se soube a verdade, todos ficaram espantados. Imagino a cara com que teria ficado Louis B. Mayer se tivesse vivido tempo suficiente para ouvir contar esta e outras histórias semelhantes, pois foi ele quem congeminou esta festa do cinema, tentando dar a pompa e a dignidade que andavam ausentes de Hollywood nos anos 20.
O glamour que hoje transborda da passadeira vermelha, e que a televisão transmite para o mundo com uma audiência estimada em mil milhões de espectadores, não esteve presente nas primeiras festas dos troféus da Academia, há já 90 anos. Nas primeiras cerimónias, tirando a cobertura dos jornais, havia apenas uma rádio local a relatar o acontecimento, que se limitava a uma jantarada seguida da distribuição dos troféus, sem grande expectativa, porque os vencedores eram conhecidos dois meses antes.
Decidido à mesa do restaurante
Em meados dos anos 20, a indústria estava a atravessar uma profunda crise – não só económica e tecnológica, mas também moral. O sonoro estava prestes a chegar, mas com ele viriam também todos os problemas de inadaptabilidade ao advento do som nos filmes, o que viria a afetar muitas das estrelas. Havia alguma contestação e, acima de tudo, muitos dedos apontados à conduta moral dos novos milionários, muitos escândalos sexuais e promiscuidade escarrapachada na imprensa. As críticas chegavam de todos os quadrantes da sociedade norte-americana, que, apesar de se divertir com as fitas, ia seguindo as notícias de extravagância e exagero que se viviam lá para os lados da Califórnia – muitos escândalos, casamentos e separações, numa época em que o país dava sinais de estar a entrar numa profunda depressão económica, que viria a culminar com o grande Crash da Bolsa, em 1929.
Louis B. Mayer, o todo-poderoso da MGM, foi toda a vida uma espécie de curador da moral em Hollywood. Autodenominava-se um patriarca entre as suas estrelas: fazia casamentos, escolhia nomes e, em última instância, era a ele que as estrelas deveriam perguntar se podiam ou não solicitar divórcios ou assumir novas relações. Mayer estava sempre pronto a dar um puxão de orelhas aos que falhavam ou não seguiam as suas opiniões. O gestor dos estúdios MGM ia tentando chamar ao rebanho dos famosos algumas das ovelhas tresmalhadas, fazendo o que podia para dar uns nós bem apertados à falta de moralidade que imperava na terra do cinema. O casting couch dos agentes e poderosos era uma etapa decisiva na escolha das atrizes para os filmes. Consta que também o Sr. Mayer tinha um desses sofás no gabinete e que muitas estrelas por lá foram passando. Essas atitudes e muita leviandade das estrelas não ajudavam a limpar a imagem negativa que era apontada pela sociedade conservadora americana.
Em boa verdade, Louis B. Mayer era um verdadeiro ditador dentro dos seus estúdios, e nos primeiros anos da festa dos Óscares tentava por todos os meios exercer o seu poder num complexo jogo de bastidores, de forma a atribuir as estatuetas a quem ele bem entendesse, a quem lhe agradasse ou lhe fizesse favores.
Voltando atrás, ao arranque da festa, estamos em finais dos anos 20. Os gestores dos estúdios andavam pouco satisfeitos com os caminhos que o negócio trilhava. Eram tempos de crise e depressão, nos Estados Unidos da América não havia dinheiro nem emprego, e também o cinema – muito embora representasse um escape de sonho, situação muito bem retratada no filme de Woody Allen Rosa Púrpura do Cairo – passava por uma grave crise económica e criativa, numa sucessão de problemas que se arrastavam e que levariam à introdução do sonoro. Em finais dos anos 20, o Sr. Mayer era um dos gestores que mais dinheiro ganhavam em todo o mundo, sendo seguramente o mais bem pago da América. Como tudo se passava em Hollywood, era assunto das revistas que promoviam o glamour e a coscuvilhice. Ele, que já andava a congeminar um plano para moralizar a indústria dos filmes, em dezembro de 1926 organizou um jantar para apresentar a ideia. Estavam presentes o realizador Fred Niblo; o presidente da associação de produtores, Fred Beetson; e o ator Conrad Nagel. A ordem de trabalhos desse jantar informal passava por debater os problemas da indústria e pensar numa associação que juntasse representantes de todas as áreas profissionais do cinema: produtores, realizadores, atores, técnicos e argumentistas. À sobremesa, cada um dos convivas tinha já uma missão a desenvolver: reunir o maior número possível de nomes influentes de Hollywood para a causa que a todos interessava.
Um mês depois, a 11 de janeiro de 1927, Louis B. Mayer já tinha contactado 36 personalidades do cinema, um verdadeiro núcleo duro que, como não poderia deixar de ser, estava reunido à mesa, dessa vez no Hotel Ambassador de Los Angeles. Todos passaram a ser membros fundadores da International Academy of Motion Pictures Arts and Sciences. O ideólogo do plano para a recuperação da credibilidade e a implantação dos bons costumes autoproclamou-se de imediato o presidente da comissão instaladora da Academia. Contudo, devido à resistência de outros gestores dos estúdios, Louis B. Mayer cedeu rapidamente o lugar ao seu vice-presidente, o não menos poderoso Douglas Fairbanks, que era uma das maiores estrelas desse tempo.
A comprovar que a maior preocupação dos fundadores era o descrédito e a imoralidade reinantes em Hollywood estão as palavras de Fairbanks, registadas letra a letra na primeira ata da Academia: «O cinema e todas as pessoas que nele trabalham estão sob um grande e alarmante ataque de descrédito público. É imperativo desenvolver ações construtivas para pôr fim a estes ataques, estabelecendo na opinião pública a ideia de que o cinema é uma instituição legítima e respeitável e que os que nela trabalham são pessoas honradas.» Isto ficou assim registado e confirma que a preocupação maior era o descrédito da rapaziada dos filmes. Douglas Fairbanks falava assim aos companheiros, mas era um discurso de públicas virtudes com vícios privados, e ele próprio se envolvia em extravagantes aventuras sexuais. Não faltavam escapadelas ao México para fugir a maridos ciumentos, e outras histórias que pouco abonavam os famosos. A comunidade de Hollywood ainda digeria um macabro episódio, muito explorado pela imprensa da época, que tivera lugar cinco anos antes em São Francisco. Estava envolvido um dos mais queridos comediantes da América, «Fatty» Arbuckle, acusado do homicídio de uma jovem atriz, que ele tentara violar com uma garrafa durante uma noite de farra e bebedeira. Nos sucessivos julgamentos o ator foi absolvido, a carreira morreu ali e o episódio em Hollywood demorou muito a esquecer. Por tudo isto, não admira o descrédito e a preocupação de quem investia.
Quem batizou o Óscar?
Logo na primeira reunião ficou decidido que uma das formas de obter credibilização junto da opinião pública passava por atribuir um prémio de mérito artístico e técnico. O diretor artístico da MGM, Cedric Gibbons, ficou incumbido de desenhar o troféu. Posteriormente, Gibbons viria a ganhar onze Óscares ao longo de toda a sua carreira.
Verdade ou não, consta que o primeiro esboço terá sido feito logo no momento da encomenda, à mesa do restaurante, enquanto se discutiam alguns formalismos sobre a atribuição do troféu. Gibbons desenhou um homem careca, musculado, de traços muito bem definidos e com uma espada na mão. Está firme e hirto sobre uma bobina de película com cinco cavidades, cada uma delas representando uma das categorias profissionais que na altura compunham a Academia.
A base da estatueta foi-se alterando, mas a altura do homenzinho dourado permanece nos 35 centímetros. Foi desde sempre moldado numa liga de metais conhecida como «britânia» e banhado a ouro de 18 quilates, com um peso final de 3850 quilogramas. Cada Óscar custa agora aproximadamente 350 euros. No tempo da Segunda Guerra Mundial, sensivelmente
durante dois anos, a estatueta utilizada na cerimónia chegou a ser de gesso, por falta de matéria-prima, e só mais tarde os vencedores receberam o Óscar na sua versão original e definitiva. Excecionalmente, o pequeno boneco dourado mudou de tamanho quando Walt Disney foi premiado pelo filme Branca de Neve e os Sete Anões. Dessa vez, a Academia deu-lhe um Óscar e mais sete pequenas réplicas, uma por cada anão. Ao fim de mais de 70 anos de Academia, Walt Disney ainda mantém o recorde do mais nomeado e com mais Óscares ganhos. No total obteve 64 nomeações e 24 estatuetas atribuídas.
O nome «Óscar» é por demais co- nhecido, mas está por saber quem afinal o batizou. A bibliotecária da Academia, Margaret Herrick, sempre disse ter sido ela a madrinha. Toda a vida jurou a pés juntos que tudo começou quando certa vez referiu que a estatueta era muito parecida com o seu tio Óscar. Bette Davis, muito senhora do seu nariz, também reclamou o estatuto de madrinha, isto porque desde sempre achou o homenzinho dourado extremamente parecido com o seu primeiro marido, que se chamava Óscar, claro está. Será por ser careca? Ou por ter uma espada comprida? Isso nunca se irá saber. Certo, certo é que Walt Disney foi o primeiro vencedor a subir ao palco e a referir-se ao famoso boneco como «Óscar». E assim ficou. Atualmente, a imagem e o nome estão registados a nível planetário, e ai de quem não peça autorização ou não dê informação sobre a sua utilização!
....
* ARTIGO INTEGRAL NA REVISTA SELECÇÕES MARÇO 2018