J.W. Harris, uma das superestrelas da bull riding («montaria de touros», como é chamada no Brasil), está a fazer o aquecimento na sala de treino. É um exemplo de concentração ao agachar-se sobre a perna direita ao mesmo tempo que estende a esquerda, descontraindo como faz antes de cada corrida. Dentro de minutos, J.W. subirá para cima dos 680 quilos de um dos touros mais «daninhos» (que neste caso quer dizer mau como as cobras) e tentará agarrar-se à vida durante oito segundos. O touro, um formidável Black Angus, já atirou ao chão quase todos os cavaleiros profissionais que tentaram manter-se em cima dele.
É a última noite do National Finals Rodeo, o que alguns chamam «O Maior Espetáculo em Terra», no Thomas & Mack Center, em Las Vegas. Durante nove dias, J.W. Harris e 14 outros dos melhores montadores de touros têm estado a competir pelo título de campeão do mundo 2013. Alguns foram pisados, tiveram ossos partidos e até perderam os sentidos, graças aos touros mais «irrequietos» da nação.
J.W. (James Williams) não é exceção. Moído e contundido pelas sovas que tem levado todas as noites, coxeia para fora da sala de treino depois de ser abundantemente enrolado em adesivo antes da corrida da noite.
Os montadores de touros resumem os perigos que enfrentam com o ditado: «Metes-te com o touro, levas com os cornos.» Em 2008, um touro especialmente vicioso chamado Cowboy atirou J.W. ao chão. «Pisou-me na cara, deixando-a em mau estado», lembra. Com um gesto na direção do rosto diz: «Os cirurgiões usaram placas, pinos, parafusos e uma data de coisas boas para me remendarem.»
Há quatro anos, partiu o pé direito ao desmontar mal nas finais de Las Vegas. Os médicos fizeram-lhe uma bota protetora especial e ele montou um touro no dia seguinte. «É só o meu pé», explicou. «Não o uso para montar touros.» Os montadores de touros têm um termo especial para este tipo de coragem crua: cowboying up.
O que faz um montador de touros levantar-se do chão e voltar a pôr-se em cima deste monstro de destruição de quatro patas? É preciso ser apaixonado por montar touros para se ser minimamente bom nisto, diz J.W. «Se não amamos o desporto não nos aguentamos nele tempo suficiente para sermos bem-sucedidos.» Devido à pancada que apanham ao longo das suas carreiras, a maioria dos montadores de touros retira-se com trinta e poucos anos.
J.W., com 27, que já montou mais de mil touros, é um dos mais bem-sucedidos de sempre. Ganhou o título de campeão do mundo de bull riding três vezes e espera reclamar o seu quarto título aqui no National Finals. Vencer hoje seria extra especial para J.W.
Depois de se tornar campeão do mundo em 2008, 2009 e 2010, não conseguiu conquistar o título em 2011 e 2012. Cada vez mais, os entrevistadores perguntam-lhe se pensa retirar-se. «Não», responde invariavelmente com secura. «Ainda tenho muito que montar.»
E não quer desiludir os seus maiores apoiantes. A sua família. Durante toda a semana a sua mulher Jackie, a filha Aubrey Lee, de dois anos, e o filho Dillon, de um, estiveram entre o público em Las Vegas, a incitarem-no. O pai de J.W. foi um profissional dos touros, e sem dúvida que Dillon continuará a tradição.
Durante a última década disse muitas vezes que queria ganhar o título mundial oito vezes, como o seu ídolo Donnie Gay, oito vezes campeão de bull riding. Uma vitória hoje voltaria a pô-lo nesse caminho.
O AROMA ALMISCARADO, húmido e intenso a cavalos, touros e gado enche o ar. É um cheiro familiar para J.W. Se fechasse os olhos poderia sentir-se em casa, no seu rancho do Texas, a cuidar das suas trinta e poucas cabeças de gado, o seu segundo trabalho favorito depois de montar touros.
J.W caminha por uma passagem que parece um túnel até à arena, normalmente um campo de basquete cujo piso foi substituído por 12 mil toneladas de terra durante a semana. Consegue ouvir o público, que esgotou a lotação de 17 600 fãs, a aplaudir, a música rock aos gritos e o apresentador do rodeio a pedir à multidão para «dar aos nossos cowboys um Grande, GRANDE APLAUSO!». Os aplausos ficam mais ruidosos à medida que J.W. se aproxima da arena.
Ao subir para a plataforma atrás da gaiola que retém os touros, avista o que lhe saiu para montar nessa noite: Leon, uns três quartos de tonelada na maioria músculo, é tão comprido como uma carrinha pickup pequena, e tem um terço da largura. E está furioso. Depois de ser enfiado na gaiola portada do tamanho de um caixão, este monstro de olhos arregalados, nascido para escoicear, bate com a enorme cabeça contra as barras de aço e dispara rios de ranho pelas suas narinas dilatadas.
J.W. com 1,77 metros e 66 quilos, encharcado, não fala muito enquanto sobe para a gaiola. Ao contrário de outros cavaleiros, que estudam os desempenhos anteriores do touro, J.W. confia na sua intuição, experiência e perícia para se manter em cima do touro. «De qualquer maneira, não há forma de prever o que um touro vai fazer», resume. «Eu subo para cima dele, uma perna de cada lado, mão na corda, e monto-o.»
Enquanto observa Leon, diz uma pequena e silenciosa oração. Então, mesmo antes de subir para as costas do Black Angus, entra «na zona», um local de profunda concentração em que deixa de ouvir a multidão, as piadas do apresentador ou a música aos berros. Tudo o que ouve é o firme, rápido bater do seu coração.
EMBORA MUITOS dos rodeios por todos os Estados Unidos possam ser um negócio luxuoso, como o National Final Rodeo em Las Vegas, a prática tem as suas raízes num tempo muito mais modesto. As competições, que consistem em montar touros, laçar e atar, montar cavalos não domados, etc., saíram do mundo do trabalho dos cowboys americanos do século XIX. Acabaram por evoluir de acontecimentos casuais e divertidos para competições organizadas, desde os pequenos rodeios amadores de fim de semana, até à competições profissionais de hoje.
Embora modalidades como o laço ou a corrida de bidões tenham os seus fãs, é o tema da luta entre homem e animal do bull riding que realmente faz palpitar os corações destes dedicados entusiastas dos rodeios. Outrora um desporto radical obscuro, o bull riding tornou-se cada vez mais popular, e os prémios em dinheiro aumentaram incrivelmente nos últimos 20 anos. A Associação dos Bull Riders Profissionais distribui mais de 10 milhões de dólares anuais em prémios aos cavaleiros. Os melhores na associação, como J.W. Harris e talvez uma dúzia de outros, ganham regularmente mais de 100 mil dólares por ano, com os melhores dois a ganharem mais de 200 mil. Mas nada é garantido. «É um jogo», diz J.W. «Se não terminarmos nos primeiros cinco ou seis lugares, não ganhamos um cêntimo. É uma vida muito dura.»
Tem sido um bom ano para J.W., que terminou em lugares remunerados na maioria das provas em que participou. Se conseguir ficar em cima de Leon durante os oito segundos exigidos, uma equipa de dois juízes irá dar-lhe pontos, baseados no seu controlo do touro, equilíbrio e estilo de montar. Irão também julgar o touro, dando-lhe pontos de acordo com a força, a velocidade e a capacidade de coice.
Quanto mais difícil de montar for um touro, mais pontos os juízes dão. Uma pontuação perfeita é 100. A maioria dos profissionais consegue entre 70 e 80 e muitos – se ficar em cima do touro nos 8 segundos exigidos. A melhor pontuação de J.W. foram uns incríveis 96 pontos, que ganhou num rodeio em 2006.
Mas desde então os touros ficaram mais duros. Usando fertilização in vitro, clonagem e registos de linhagens, os criadores de touros estão a produzir mais dos chamados «touros-monstros». «Estamos a tentar produzir touros que sejam duros, adorem dar pinotes e girar, e que não façam duas vezes o mesmo movimento», diz o criador Julio Moreno.
De acordo com um relatório do Wall Street Journal, há uma década os melhores montadores profissionais faziam os 8 segundos 85% das vezes. Hoje, a média é menos de metade disso. Um «supertouro», como o famoso Bushwacker de Moreno, com 748 quilos, deitou ao chão mais de 40 cowboys seguidos antes de ser montado – uma vez. Donnie Gay explica: «Os touros daninhos de há 20 anos são tão bons como os de hoje. A diferença é que há muitos mais desses hoje em dia.»
ASSIM QUE LEON para de se debater contra a gaiola, J.W. passa por cima das barras e devagar, gentilmente, faz-se baixar, joelhos primeiro, sobre as costas de Leon. «É a minha forma de me apresentar ao touro», explicou uma vez J.W. «Se ele se sacudir ou saltar, eu alivio.» Leon resfolega sonoramente, mas não se sacode. Por enquanto, tudo bem.
A seguir, J.W. senta-se sobre Leon, a cerca de metro e meio do chão, não sentado diretamente sobre ele mas suportando o peso do corpo no interior das coxas. De repente Leon dá um pinote contra a gaiola e L.W. alivia. Já viu muitos cavaleiros sofrerem pernas partidas ou tornozelos torcidos por touros que os esmagaram contra as barras laterais das gaiolas.
Espera um pouco e depois agarra e aperta a «corda do touro», que ele e um dos assistentes ataram em torno da parte média do animal uns minutos antes. Leon bufa, levantando a cabeça, mas não dá coices. «Por enquanto, tudo bem», pensa J.W. Então faz deslizar a sua mão direita calçada com uma luva de cabedal por uma alça tecida na corda, enrola o resto da corda fortemente enresinada em torno da mão uma vez mais, e agarra com força.
Há outra corda, a cinta de flanco, que foi enrolada em torno da barriga de Leon mesmo à frente das pernas traseiras, e não em torno dos testículos como muitos acreditam erradamente. É esta que o irrita e que o faz dar coices como… bem, como um touro selvagem furioso, assim que a gaiola se abre.
J.W. sobe para as costas de Leon, quase sentado sobre o seu próprio
punho. Prevendo os possíveis coices de Leon, estabiliza-se agarrando uma das barras da gaiola. Mas Leon coopera. J.W. respira fundo, aperta as pernas em torno dos enormes flancos e assinala que está pronto com um aceno de cabeça para o chefe da gaiola.
A MULTIDÃO COMEÇA a gritar de forma estridente quando Leon explode para fora da gaiola como um comboio de carga. Imediatamente lança-se no ar, atirando para cima pedaços de terra que chovem sobre J.W. O enorme touro torce o corpo e atira para trás e para fora as suas pernas, tentando o seu melhor para fazer J.W. voar. Um segundo.
A multidão está louca, aplaudindo enquanto veem J.W. segurar-se com destreza, intuitivamente contrariando os coices de Leon, inclinando-se para a frente e depois para trás, enquanto o touro quase mergulha a cabeça na terra. Dois segundos.
Leon torce-se violentamente para a direita, salta alto no ar e cai sobre a terra com uma pancada que é suficientemente forte para partir os rins de J.W. Mas ele aguenta-se, apertando os joelhos contra Leon e mantendo a sua mão esquerda livre alta no ar para se equilibrar. Três segundos.
J.W. contraria as torções e os saltos do touro e aguenta-se até que Leon se vira violentamente para a esquerda. Tenta reagir ao movimento do touro mudando o centro de gravidade para o manter centrado sobre as costas de Leon. Mas a chicotada violenta é demasiado para J.W. Perde o equilíbrio e é projetado. Vai a voar mais de três metros no ar e aterra com uma pancada no duro chã de terra. Quatro segundos.
Preocupado com a possibilidade de Leon lhe dar uma cabeçada, uma cornada ou uma pisadela, J.W. põe-se rapidamente de pé e afasta-se, coxeando, para lugar seguro, fora do campo de visão do touro.
J.W. pode ter perdido a sua batalha com Leon, mas ganhou a guerra. Apesar de não ter conseguido marcar pontos na corrida desta noite, conseguiu juntar mais pontos do que qualquer outro dos primeiros 15 cavaleiros da NFR em Las Vegas e durante o ano, alcançando aquilo para que tinha trabalhado: o seu quarto título de campeão do mundo de bull riding em seis anos.
Ainda assim, censura-se enquanto corre para fora da arena a coxear. Se tivesse ficado em cima de Leon só mais quatro segundos, estaria 18 mil dólares mais rico. Mais tarde admite: «Eu devia ter-me concentrado mais antes da corrida. Não devia tê-lo deixado desequilibrar-me.»
J.W. detesta perder, mas é rápido a repetir o velho ditado dos rodeios: «Às vezes apanhamos o touro, às vezes o touro apanha-nos a nós.»
A tentativa de J.W. para o quinto título de campeão do mundo, em dezembro de 2014, falhou, e ele concluiu a época em nono na classificação da Professional Rodeo Cowboy Association.