ESTA É UMA BOA ALTURA PARA SE SER PESSIMISTA.
O ISIS, o ébola, atletas que batem em mulheres, polícias e gangues violentos – quem consegue evitar a sensação de que o mundo se está a desmoronar e o núcleo não vai aguentar? Mas por muito perturbadoras que as manchetes sejam, vale a pena uma segunda leitura. É difícil acreditar que corremos hoje mais perigo do que durante as duas guerras mundiais, o confronto nuclear da Guerra Fria ou o conflito de oito anos entre o Irão e o Iraque que ameaçou acabar com o comércio de petróleo no golfo Pérsico e paralisar toda a economia mundial.
Como podemos, então, ser menos hiperbólicos face ao estado das coisas? Não olhando para a imprensa diária. As notícias são sobre acontecimentos que se deram e não sobre o que não aconteceu. Nunca vimos um jornalista a dizer, perante uma câmara: «Aqui estamos, em direto, num país que não está em guerra» ou «numa cidade que não foi bombardeada» ou «diante de uma escola onde não houve um tiroteio». Enquanto houver incidentes violentos em qualquer local, haverá notícias a encher os noticiários. E porque as nossas mentes estimam as possibilidades pela facilidade com que nos recordamos de exemplos, temos a perceção de que os nossos são tempos perigosos.
Também temos de evitar que o acaso nos engane. A imprevisibilidade, as doenças e a loucura humana sempre estiveram presentes nas nossas vidas e, estatisticamente, é mais que certo que, em vez de se distribuírem equitativamente no tempo, as tragédias se vão sobrepor umas às outras. Mas atribuir a isso um significado é sucumbir ao pensamento primitivo e à ideia de uma conspiração cósmica.
Por último, é necessário estar atento às ordens de grandeza. Alguns tipos de violência, como tiroteios e ataques terroristas são, de facto, dramáticos, mas, fora das zonas de guerra, matam números relativamente baixos de pessoas. Como aponta o cientista político John Mueller, na maior parte dos anos, as picadas de insetos, as colisões com animais, a combustão espontânea da roupa de dormir e outros acidentes perfeitamente mundanos matam mais do que ataques terroristas.
A única forma segura de avaliar o estado do mundo é fazendo contas: a quantos atos violentos assistiu o mundo, por comparação com as oportunidades? E esse número está a crescer ou a diminuir? Siga as tendências e não as manchetes. Quando o fazemos, podemos perceber que as tendências são muito mais encorajadoras do que os noticiários.
Homicídios
Em todo o mundo, morrem entre cinco e dez vezes mais pessoas em casos de polícia do que em guerras e, na maior parte do planeta, a taxa de homicídios tem vindo a descer. O crime na América declinou nos anos 90 do século passado, estabilizou no início deste século e voltou a baixar em 2006. Desafiando o senso comum que determina que tempos difíceis conduzem à violência, continuou em queda durante a crise do subprime, em 2008, até agora.
A Inglaterra, o Canadá e outros países industrializados também viram as suas taxas de homicídio descer na década passada. Entre os 88 países com dados fiáveis, 67 mostraram quebras nos passados 15 anos. Apesar de, no mundo inteiro, existirem estatísticas apenas neste milénio e elas incluírem estimativas sobre os países onde não existem dados disponíveis, a tendência parece ser de descida, de 7,1 homicídios por 100 mil pessoas, em 2003, para 6,2, em 2012. É um facto que a média esconde muitas regiões onde as taxas de mortandade são pavorosas, particularmente na América Latina e na África subsariana. Mas mesmo nessas zonas «quentes»é fácil deixarmo-nos enganar pelas manchetes. Por exemplo, os assassínios sangrentos motivados por droga em algumas zonas do México podem dar a impressão de que todo o país é uma terra sem lei, mas existem dois factos que ajudam a dissipar essa noção: um é o de que os altos e baixos do século XXI não desfizeram a acentuada redução no número de homicídios que o México tem vindo a viver desde os anos de 1940; o outro é o de que o que sobe tem de descer – e a taxa de homicídios no México tem vindo a descer nos últimos dois anos. Outras regiões notoriamente perigosas, da Colômbia à África do Sul, também têm assistido a reviravoltas significativas. Muitos criminólogos acreditam que a redução em cerca de 50% da taxa de homicídios em todo o mundo nos próximos trinta anos é uma meta possível para a próxima ronda de objetivos a estabelecer pelas Nações Unidas.
Violência Contra as Mulheres
A cobertura feita pelos meios de comunicação social norte-americanos de casos de atletas que agrediram as suas esposas ou namoradas e de episódios de violações em campus universitários deu a entender a alguns espectadores que o país estava a assistir a um ressurgimento da violência de género. Mas estudos do Gabinete de Estatísticas da Justiça dos Estados Unidos sobre vítimas provam o contrário: as taxas de violação ou assédio sexual e de violência contra companheiras estão a descer há décadas, e representam agora um quarto ou menos dos números que já atingiram. É inegável que demasiados crimes deste género ainda acontecem, mas devemos sentir-nos encorajados com o facto de uma maior preocupação em relação à violência contra as mulheres ter trazido progressos que podem conduzir a progressos ainda maiores.
Apesar de serem poucos os países que produzem dados comparáveis, há razões para acreditar que semelhantes tendências podem ser encontradas noutros países. Em 1993, a Assembleia Geral da ONU adotou uma Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, e dados de sondagens mostram um apoio generalizado aos direitos das mulheres, mesmo em países com práticas antiquadas de discriminação de género. Muitos países implementaram leis e campanhas de sensibilização do público para reduzir o número de violações, casamentos forçados, mutilação genital, crimes de honra, violência doméstica e atrocidades de guerra.
Violência Contra as Crianças
Em paralelo, as manchetes sobre tiroteios em escolas, raptos, cyberbullying e abusos físicos e sexuais nos Estados Unidos podem fazer crer que as crianças vivem tempos cada vez mais perigosos. Mas os números demonstram o contrário: os miúdos estão indiscutivelmente mais seguros hoje do que no passado. Numa análise à literatura sobre violência contra crianças nos Estados Unidos, publicada no início deste ano, o sociólogo David Finkelhor e os seus pares dão conta que «das 50 tendências expostas analisadas, verificam-se descidas significativas em 27, e entre 2003 e 2011 não assistimos a aumentos consideráveis. Os números caíram significativamente no que respeita a agressão, bullying e violência sexual».
Podemos encontrar a mesma tendência noutros países industrializados, e as declarações internacionais tornaram a redução da violência infantil um desígnio mundial.
Genocídio e Outros Massacres de Civis
As atrocidades recentes cometidas pelo ISIS, bem como o contínuo massacre de civis na Síria, no Iraque e na África Central alimentam uma terrível narrativa segundo a qual o mundo, aparentemente, não aprendeu nada com o Holocausto, pois os genocídios continuam a acontecer. Mas até os mais recentes e terríveis acontecimentos devem ser vistos numa perspetiva histórica.
Seja qual for o ângulo que se considere, o mundo está longe de ser tão genocida como durante os anos 40 do século passado, quando massacres nazis, soviéticos e japoneses, juntamente com o facto de todas as partes em contenda na Segunda Guerra Mundial terem assumido que a população civil era um alvo a abater, resultaram num índice anual de 350 mortes civis por 100 mil habitantes. E ainda que a ação implacável de Josef Stalin, na União Soviética, e de Mao Tsé-Tung, na China, tenha mantido os números globais entre as 75 e as 150 mortes por 100 mil habitantes até ao início dos anos de 1960, a verdade é que eles têm vindo a diminuir desde então.
Paralelamente, esse declínio tem vindo a ser pontuado por picos periódicos, que correspondem a homicídios em massa: Biafra (1966-1970, 200 mil mortos), Sudão (1983-2002, um milhão de mortos), Afeganistão (1978-2002, um milhão de mortos), Indonésia (1965-1966, 500 mil mortos), Angola (1975-2002, um milhão de mortos), Ruanda (1994, 500 mil mortos) e Bósnia (1992-1995, 200 mil mortos).
Se mantivermos estes números em mente quando consideramos o atual horror iraquiano (2003-2014, 150 mil mortos) e sírio (2011-2014, 150 mil mortos), podemos perceber que não estamos perante um novo período negro.
Globalmente, a tendência para o genocídio e outros massacres de civis tem vindo a descer de modo acentuado. Embora a comparação com décadas anteriores seja imprecisa devido à pouca fiabilidade das estatísticas disponíveis, os números sugerem que a taxa de mortes civis baixou cerca de três ordens de grandeza desde a década a seguir à Segunda Guerra Mundial e cerca de quatro ordens de grandeza desde a guerra propriamente dita. Por outras palavras, os civis de hoje têm vários milhares de vezes menos probabilidades de ser vistos como um alvo do que há 70 anos.
Guerra
Os investigadores que estudam a guerra e a paz distinguem «conflitos armados», que matam 25 soldados e civis encurralados na linha de fogo, de «guerras», que matam mais de mil. Também separam conflitos «interestados», que opõem as forças armadas de dois ou mais estados, de conflitos «intraestados» ou «civis», que opõem o estado a forças insurgentes ou separatistas, por vezes até com a intervenção armada de outros estados. Numa evolução sem precedentes, o número de conflitos interestados caiu acentuadamente após 1945, e o tipo de guerra mais destrutivo – em que grandes potências ou estados desenvolvidos lutam entre si – desapareceu por completo. O último conflito registado deste género foi a Guerra da Coreia.
O fim da Guerra Fria também marcou uma redução acentuada do número de conflitos armados de todos os tipos, incluindo guerras civis, e os acontecimentos recentes não reverteram a tendência. Em 2013, existiam 33 conflitos armados a envolver estados, um número que está na média dos últimos 12 anos e bem abaixo dos 52 a que assistimos pouco depois da Guerra Fria. A Base de Dados Sobre Conflitos da Universidade de Uppsala também dá conta que, em 2013, foram assinados seis acordos de paz – mais dois que no ano anterior.
Mas há outra evolução recente e menos positiva: o número de guerras aumentou de quatro, em 2010 (o mais baixo desde o final da Segunda Guerra Mundial), para sete, em 2013. Estas guerras travam-se no Afeganistão, na República Democrática do Congo, no Iraque, na Nigéria, no Paquistão, no Sudão do Sul e na Síria. Quatro novas guerras começaram em 2014, o que nos leva a um total de 11. Esta subida – a mais alta desde o fim da Guerra Fria – conduz-nos ao maior número de guerras desde 2000.
A taxa de mortos em combate também aumentou em 2014, sobretudo por causa da guerra na Síria. Mesmo assim, é preciso pôr este aumento em perspetiva. Embora se tenham desfeito os progressos dos passados doze anos, os números estão ainda bem abaixo dos dos anos de 1990 e nem perto dos dos anos de 1940 até à década de 1980.
Procurar a esperança e não o sensacionalismo
Como podemos ver a partir de diferentes números e rubricas, o mundo não se está a desmoronar. Os tipos de violência a que a maior parte das pessoas está sujeita – homicídios, violações, violência contra crianças – estão num consistente declínio na maior parte do mundo. As guerras entre os estados, que são, de longe, os conflitos mais destrutivos de todos, tornaram-se obsoletas.
Poderá haver uma melhor maneira de compreender o mundo? Podemos começar por ignorar os formadores de opinião e os comentadores, que maximizam a impressão de caos, e, ao invés, começar a olhar para a nossa história. Analisar os eventos da nossa história recente permite-nos deslocar o presente para um contexto inteligível. Também podemos consultar análises de dados da violência, que, atualmente, estão apenas à distância de poucos «cliques».
Concentrarmo-nos em provas reais em vez de em manchetes inflamadas tem várias vantagens: informa-nos e ajusta as nossas respostas nacionais e internacionais à magnitude dos perigos que enfrentamos e também limita a influência de terroristas, atiradores e outros criminosos. Ao fazê-lo, evitamos a sensação de impotência e medo e despertamos, uma vez mais, a esperança no mundo.