UMA MENINA num bonito vestido verde entra numa clínica na Tanzânia para receber uma vacina. A enfermeira agarra numa seringa e dá à criança de quatro anos uma injeção simples. O paciente seguinte é um jovem, seropositivo, que está aqui para receber uma injeção intramuscular para tratar a sífilis. A enfermeira agarra na mesma seringa. A agulha não fura logo a pele – já foi usada tantas vezes que a ponta está romba. A seguir na fila está uma mãe que trouxe o filho bebé para o vacinar e, com isso, acha que o está a proteger. A funcionária do serviço de saúde pega novamente na mesma seringa e inocula o bebé – infetando- -o, quase de certeza, com o vírus da sida.
Nesta altura o inventor britânico Marc Koska para o vídeo, gravado secretamente por um estudante de Medicina da Universidade de Dar es Salaam. Vira-se para a vice-ministra da Saúde e Bem-estar Social da Tanzânia, Lucy Nkya, com quem conseguira uma preciosa audiência de dez minutos em janeiro de 2011. Ela tem lágrimas nos olhos. «O que podemos fazer acerca disto?», implora.
A reutilização de seringas infeta com o vírus da sida cerca de 230 mil pessoas todos os anos, e uns incríveis 23,7 milhões de pessoas com hepatite B e C. Na verdade, a cada 24 segundos alguém morre no mundo em consequência de uma injeção sem segurança. Marc acredita ter a solução, mas provar isso ao mundo tem-se revelado tremendamente custoso. Muitos já teriam nesta altura desistido, mas há algo de realmente especial que tem guiado Marc Koska – ele dedica-se a esta luta há 30 anos.
Marc diz que a sua missão começou quando tinha apenas seis anos. Estava a olhar para cima, para as estrelas, quando sentiu, subitamente, todas as suas possibilidades: O que vou eu fazer na vida? Sabia que queria encontrar um grande problema para resolver.
Rapazinho, foi enviado para uma boa escola pública inglesa, mas, já em adulto, andou a saltar de emprego em emprego, até acabar, em 1984, nas Caraíbas, com a provecta idade de 23 anos, em marcha lenta como um caranguejo de praia.
Naquele tempo, uma sombra instalava- se sobre aquele idílio: os meios de comunicação não paravam de noticiar a sida. Um dia, agarrou num jornal e assinalou um artigo que previa que as seringas se iam tornar o principal veículo de transmissão do vírus da sida, por serem tantas vezes reutilizadas, mesmo em países desenvolvidos.
Para Marc, foi como um raio. Aqui está o meu grande problema, pensou. Horrorizado por tamanha catástrofe evitável, questionava-se sobre a possibilidade de uma seringa que não pudesse, fisicamente, ser reutilizada. Atacou o problema com um rigor e uma energia recém-descoberta. Sem experiência, nem credibilidade, enfrentou a curva da aprendizagem. Foi a campos de vacinação em África, estudou a distribuição de suprimentos médicos, analisou o design das seringas e a forma como o plástico é refinado a partir do petróleo.
Três anos depois, produziu o protótipo da K1, uma seringa com um êmbolo que se parte se alguém o tentar puxar outra vez para reutilização.
Só que inventar a solução foi apenas o início da sua luta. Para convencer os países mais pobres a usá-la, esta seringa não podia ser mais cara do que as existentes. O processo de moldagem por injeção de plástico era complexo: as possibilidades de convencer fábricas a reequiparem-se para produzir essas seringas eram zero.
Durante uma visita à fábrica da Gillette no sudeste de Inglaterra, começou a observar os intrincados moldes metálicos sobre uma bancada quando um pensamento o atingiu. E se, em vez de obrigar as fábricas a uma alteração completa de equipamento, elas tivessem apenas de modificar as máquinas que já possuíam? O seu design precisava apenas da alteração de dois por cento do molde já existente. Em 1997, Marc patenteou a conceção final.
Nesse mesmo ano, teve um grande avanço. Uma fábrica de gestão familiar, no Brasil, concordou em adaptar a maquinaria e assegurar a produção da K1. Marc estava satisfeitíssimo. Depois, recebeu um telefonema inesperado: a família recebera uma oferta irrecusável para comprar a fábrica. Os novos proprietários iriam simplesmente demolir o edifício.
Marc percebeu que este era um mercado assassino. Mas depois pensou nas crianças brasileiras que não iriam poder beneficiar da seringa e tornou-se ainda mais determinado. Por fim, em 2001, licenciou uma empresa indiana para produzir a K1 e, pouco depois, vendeu o primeiro carregamento à UNICEF. Tinha demorado 17 anos e meio.
Aos 40 anos, Marc enfrentava outra realidade: fabricar as seringas não é sinónimo de haver quem as use. O seu novo desafio era tornar os profissionais de saúde conscientes dos perigos que representava a reutilização de seringas. Criou uma instituição de solidariedade, a SafePoint, em 2006, com esse objetivo. Os projetos incluíram uma enorme campanha na Índia, em 2008, com 200 jornais e outros meios a responderem e pequenos filmes a serem passados nas televisões e nos cinemas. Consequentemente, as seringas descartáveis foram adotadas nos centros de saúde tutelados pelo governo.
Marc também foi bem-sucedido no Uganda, onde, em 2009, por ordem do governo, metade das seringas usadas eram descartáveis. Mas foi apenas no encontro com Lucy Nkya, em 2011, que sentiu que tinha feito a diferença. Lucy Nkya concordou em fazer da Tanzânia o primeiro país do mundo onde o uso de seringas descartáveis é obrigatório.
As suas conquistas valeram-lhe honras e prémios, incluindo a Ordem do Império Britânico das mãos da rainha. E continua obstinadamente a correr o mundo e a espalhar a palavra. Estima-se que Marc Koska tenha salvado já cerca de nove milhões de vidas.
Não se preocupa em ter estabelecido metas demasiado ambiciosas? «Os súper-heróis não duvidam de si próprios», brinca, a anos-luz do andarilho apático de 23 anos, mas com a confiança do menino de seis anos que olha para as estrelas.