Ficou na História como um dos maiores navegadores de todos os tempos, foi o primeiro a fazer a circum-navegação da Terra. Convicto dos seus conhecimentos e cálculos, abandonado pelo rei português, recebeu dos castelhanos o apoio para a empreitada, mas também as invejas e a traição dos que os acompanharam. Há 500 anos, no dia 21 de outubro, entrava no estreito que ficou com o seu nome e que provava que a Terra era realmente redonda e bem maior do que se calculava na altura.
Fernão de Magalhães nasceu em 1480 no norte do país, há dúvidas sobre o local exato, sabe-se que terá vivido com a família no Porto e ainda menino foi para a corte como pajem de D. Leonor. A capital daquele tempo era fascinante, no Tejo, ali junto à ribeira das Naus, tudo fervilhava de ação, muitas histórias contadas e segredos divulgados sobre o mar. Era dali que partiam as armadas para os mundos de aventuras contadas pelos que sobreviviam e voltavam. O reino não olhava a custos na sua imponência e investimento em novas descobertas. A tudo isso Magalhães assistiu ainda jovem, a terra tinha sido dividida ao meio entre portugueses e castelhanos com o Tratado de Tordesilhas. Vasco da Gama tinha chegado à Índia, Cristóvão Colombo à América, os relatos de tamanhas epopeias eram ricos de fantasia e novidade. No meio de tanta ação nas naus e no mar, não admira que Magalhães tenha embarcado mar adentro aos 25 anos, integrado numa armada com destino à Índia, viagem que lhe temperou o conhecimento do oceano e a arte de navegar. Voltaria mais tarde a seguir a mesma rota, sempre pelo lado oriental, o único que se conhecia e fazia o mundo mais pequeno, até chegar a Malaca, a grande plataforma das especiarias do Oriente.
Era já um homem do mar, aprendeu com outros heróis, moldou o seu caráter determinado na dureza das missões, tendo combatido sob as ordens de Afonso de Albuquerque. De regresso a Lisboa, deu-se mal com os mexericos da corte, onde tinha sido admitido por D. Manuel, mas a relação de ambos era fria e distante, até porque Fernão de Magalhães já tinha Mundo, o mar chamava-o e a sua frontalidade e feitio criavam-lhe alguns dissabores. A vida palaciana não era para ele, e além disso reclamava melhor pensão do reino, que lhe era negada. Foi quando decidiu alistar-se de novo e partiu para África, para as guerras com os mouros, à conquista de Azamor. Nesse ataque foi ferido e ficou com uma lesão permanente num joelho que lhe roubou destreza, e talvez por isso foi-lhe atribuída a tarefa de tomar conta dos animais saqueados aos derrotados mouros.
Se as relações com a corte já eram frias e distantes, um episódio de desaparecimento de animais que estavam à sua guarda levou a que fosse acusado de ter vendido o gado por ganância. Apressou-se a regressar a Lisboa para se declarar inocente ao rei, aproveitando para pedir de novo melhor pensão, afinal tinha ficado incapacitado e a coxear ao serviço da coroa. Sempre sem papas na língua, o que lhe trazia alguns dissabores, pedia mais 100 reais mensais, e o rei recusou, obrigando-o a voltar a África. As relações de Magalhães com o monarca já eram tensas, e com esse episódio esfriaram de vez. No regresso dessa missão no continente africano, trazia em mente e bem delineado o plano para seguir pelo caminho desconhecido até às Molucas, de onde provinham as especiarias mais caras, em particular o cravinho. Apresentou a ideia a D. Manuel para o maior dos desafios, circundar o mundo, parte dele desconhecido, mas de pouco adiantou a explicação com o entusiasmo do navegador que há muito já não caía no goto da corte. Magalhães conhecia bem o caminho pela rota do Oriente, mas atravessar o planeta no outro sentido, pelo lado ocidental, era mergulhar na escuridão do saber da altura.
Sem o aval e investimento do rei português, dispôs-se a oferecer os préstimos e conhecimentos aos vizinhos do lado, os únicos com riqueza e poder para avançar. D. Manuel, que ficou na História como o Venturoso, não embarcou na aventura, não acreditava nessa viagem ao ponto de permitir que Magalhães fosse oferecer os seus préstimos aos castelhanos, pensando certamente que ninguém apostaria nessa ideia.
O rei português desvalorizou a tenacidade do navegador e perdeu porque a determinação era grande.
Acreditar na rota do desconhecido
Entre estudos de meses, a consulta de mapas secretos, as conversas com velhos e experientes marinheiros, muitos cálculos, conhecimentos e o parecer favorável de um grande cartógrafo e astrónomo, Ruy Faleiro, lá partiu para Espanha. Já com mais certezas sobre a rota, chegou a Sevilha com Faleiro e o
seu fiel escravo malaio, que batizara...
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