MÁRIO COSTA
No nosso país não havia populações de linces detetadas desde os anos 90. Havia 94 linces na Península, cerca de 30 no parque de Donaña e os restantes na Serra Morena, tudo na Andaluzia. Com o trabalho que fomos desenvolvendo, conseguimos que em 2015 passasse ao estatuto de ameaçado, uma situação que se mantém. Já não está em fase de extinção, o número de exemplares está em expansão acelerada, nomeadamente na zona de Mértola, por isso dentro de dez a quinze anos esperamos atingir o estatuto de conservação favorável, que representa deixa de estar ameaçado», garante à Selecções do Reader’s Digest Rodrigo Serra, veterinário, diretor e um dos fundadores do Centro Nacional de Recuperação do Lince Ibérico (CNRLI), em Vale Fuzeiros, Silves, que acaba de assinalar dez anos de existência.
O CNRLI* pode ser considerado, hoje, um caso de sucesso em toda linha, e que permitiu resgatar e salvar um animal único na Península Ibérica: «Quando começámos este projeto – começámos a pensar em trazer linces para Portugal em 2003, os primeiros chegaram em 2009 –, na altura o lince estava criticamente ameaçado na Península Ibérica e em Portugal, em particular, estava em pré-extinção, segundo os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza», diz à reportagem da Selecções enquanto folheia a memória destes últimos dez anos: «Quando comecei neste projeto, no ponto mais baixo da existência de exemplares, tínhamos 94 linces livres. No final de 2018 tínhamos 686 linces, e em 2019 registámos o nascimento de mais 250 crias em todas as populações da Península Ibérica. Por isso esperamos chegar ao estatuto de conservação favorável, o que representaria, em termos de números, passarmos a ter 750 fêmeas territoriais reprodutoras, criar oito novas populações de linces na Península Ibérica e chegar aos 1500 animais territoriais», afirma, otimista, o diretor do CNRLI.
Quem chega ao centro, perdido no meio da serra algarvia, paredes-meias com a barragem do Arade, é surpreendido com o silêncio do local. Não se vê vivalma. Só depois de se passar um cabeço é que se vislumbram as instalações do CNRLI e os 16 cercados onde estão os linces. Não se pode fazer barulho nem ter qualquer contacto visual com os animais para não os incomodar ou causar qualquer tipo de stress. Nem os tratadores têm contacto visual com eles: «Toda a área onde os animais estão tem barreiras visuais para que tenham o menor contacto possível com as pessoas. Para serem fotografados teríamos de entrar nos cercados, e isso não é possível. Até os nossos tratadores têm essas barreiras visuais com os animais para eles se manterem selvagens e, deste modo, terem mais possibilidades de sobrevivência quanto forem reintroduzidos no seu habitat natural. Faz parte da nossa função, ainda que tenhamos consciência absoluta de que precisamos de divulgação e que as pessoas conheçam o nosso trabalho», explica Rodrigo Serra, enquanto vamos vendo os animais através de videovigilância: «Nós tentamos ter um arquivo de fotografias que podemos ceder, e que são tiradas pelos nossos tratadores que têm algum contacto com alguns animais, nomeadamente os reprodutores. Dos animais que vão para reintrodução não temos fotos», esclarece.
O único local de onde se pode observar e fotografar este belo felino é um cerro situado à entrada do centro, e de onde se tem uma vista única para os cercados. Posicionamo-nos na encosta e esperamos que algum destes animais dê um ar da sua graça e se deixe fotografar. Nada. Ao fim de alguns minutos, um deles deu pela nossa presença e mostrou curiosidade, mas depressa regressou ao local onde estava escondido: «Já deram pela nossa presença, agora dificilmente voltam a aparecer», garante Rodrigo Serra.
Os animais colocados nos cercados estão sob vigilância constante de um circuito de videovigilância controlado por duas pessoas, etólogas, em permanência, e que registam e monitorizam de hora a hora o comportamento de cada um dos animais. Quando ali estivemos, estava-se no início do processo de emparelhamento dos casais para reprodução. A vigilância era ainda mais apertada.
PROCESSO de emparelhamento é complexo, e é preciso garantir que os casais emparelhados resultem em novas crias: «A época de emparelhamento começa no fim de novembro, princípio de dezembro, os cios decorrem desde o fim de dezembro até ao fim de fevereiro, os nascimentos decorrem entre março e abril e depois segue-se a fase do desmame até maio. Entre maio e junho dão-se as lutas de crias, e o treino de reintrodução começa entre julho e agosto e vai até ao final de dezembro. Em janeiro e fevereiro do ano seguinte começamos a apanhá-los, a colocar as coleiras e a soltar os bichos que nasceram em março», explica Rodrigo Serra.
O emparelhamento é feito com todo o cuidado e obedece a vários critérios que são previamente analisados, nomeadamente a genética dos animais: «Os emparelhamentos são feitos com base genética, onde tentamos o melhor cruzamento entre animais o menos aparentados possível, ou seja, com menos consanguinidade possível. Depois de termos essa análise genética, vemos se...
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* O CNRLI é gerido pelo ICNF através de um contrato de comodato, com a empresa Águas do Algarve e tem, por via das medidas de sobrecompensação da construção da Barragem de Odelouca, compromissos financeiros atribuídos que permitem o seu funcionamento até 2025.