Jaime Coronel não é médico, nem enfermeiro. Não salvou vidas, nem inventou qualquer vacina. É um cidadão como outro qualquer. Mas, à sua maneira muito própria, tal como muitas outras pessoas por todo o mundo, ajudou a tornar melhor a vida dos outros durante a pandeia de COVID-19.
O altruísmo assume muitas formas, tal como este ano nos mostrou, mas em grande parte decorre do desejo simples de ajudar a melhorar as coisas. Indiretamente, as boas ações podem trazer sentido às nossas vidas em tempo de crise e gerar um maior sentimento de ligação com os outros, em particular quando ansiamos por companhia.
A história de Jaime é uma de entre muitas. Tudo começou com uma descoberta casual e acabou com o desejo de ter um impacto positivo na vida das crianças. Arquiteto, a dirigir uma empresa familiar de mudanças na cidade espanhola de Puertollano, Jaime estava a arrumar a arrecadação – ainda nos primeiros dias do confinamento – quando deparou com um fato completo do Olaf, o boneco de neve bem-disposto e trapalhão do filme Frozen, da Disney.
«Pensei: “Vamos fazer uma coisa parva”», conta a rir, ao recordar aquele dia. «Vesti o fato. E quando a minha filha Mara, de 4 anos, me viu, pediu para vestir o fato dela de Elsa, a princesa do filme. Passámos o dia a passear por ali, vestidos como as personagens do filme.»
Naquela altura, em Espanha, por volta das 20h00 as pessoas iam para as varandas e as janelas bater palmas e aclamar os profissionais de saúde que colocavam as vidas em risco na linha da frente do combate à pandemia.
«Decidi que era uma boa altura para levar o lixo à rua, ainda vestido de Olaf», conta Jaime. Quando o fez, recebeu uma estrondosa ovação dos vizinhos. Nasceu assim uma tradição.
Todos os dias, pouco antes das 20h00, Jaime levava o lixo à rua com um fato diferente. Um dia podia ser uma múmia egípcia, no outro um dinossauro, ou o Freddy Krueger de Pesadelo em Elm Street, ou um robot ou um xeque árabe. Possuía uma boa coleção de fatos de Carnavais e Halloweens anteriores, e, quando já os tinha vestido a todos, encomendou mais pela Internet. Uma empresa de Aragão também lhe doou fatos. Alguns até foram feitos por ele, com a ajuda da filha, Mara, e da avó, antiga costureira.
De cada vez que saía recebia um grande aplauso dos vizinhos, e nessa altura fazia um vídeo para as redes sociais. Jaime fez isto durante vinte e nove dias e, quando as medidas de confinamento foram aliviadas e passou a ser permitida a saída de crianças, Mara começou a acompanhá-lo no passeio diário. Os dois vestiam-se a preceito e ainda fizeram mais nove saídas. Na última das suas saídas em conjunto, as tripulações das ambulâncias locais apareceram de surpresa, para agradecer a Jaime a ajuda ao animar as pessoas.
Por esta altura, graças aos vídeos no Instagram, Jaime era conhecido em todo o mundo e ajudou a levar um sorriso a uma audiência global.
«Nas redes sociais as pessoas agradeciam-me por o fazer e por fazer as pessoas sentirem-se bem, pelo menos durante um bocadinho», diz Jaime. Parte da sua motivação veio da filha e das crianças em geral: «Elas são frágeis e não percebem o que está a passar-se. A minha filha não queria sair de casa para passear, mas adorava sair mascarada com o pai», diz. Jaime espera ter ajudado outras crianças a terem menos medo de se aventurarem pelo mundo exterior.
Em França, dois comediantes inspiraram-se nos pregões de antigamente para levarem um pouco de calor humano aos habitantes confinados do seu prédio em Lyon. Todas as noites, os moradores juntavam-se à janela para ouvirem Valéria Cardullo e Alex Repain apregoarem pedidos de ajuda ou votos de parabéns, ou até mesmo alguns quebra-cabeças para fazer. «Quando começámos, nunca pensámos que tivesse tanto impacto, mas passado pouco tempo já existia um verdadeiro espírito de solidariedade», lembra Alex.
Também noutras paragens a música revelou-se um meio popular de levantar o ânimo. Em Budapeste, os membros da Orquestra Sinfónica MAV conduziam dois carros equipados com altifalantes e transmitiam concertos antigos para deleite de quem estava em casa.
Em Viena, Olivia Haynes, música norte-americana, dedilhou o seu ukelele à janela do apartamento para trazer alguma luz e alegria à vida dos vizinhos. Para sua surpresa, não apenas os animou como também ajudou a criar um sentimento de comunidade.
«Adoro ajudar as pessoas a unirem-se, em particular as pessoas que de outro modo não se cruzariam», explica. Com o passar dos dias, alguns vizinhos desciam para o pátio só para a ouvirem tocar e depois ficavam a conversar.
Mas não foram apenas os seres humanos que sofreram com os efeitos do confinamento. Na Irlanda, o pescador Jimmy Flannery apercebeu-se que Fungie, o famoso golfinho que vive na costa de Kerry desde 1983, de repente também se viu privado da atenção dos turistas que o iam ver.
Apercebeu-se que Fungie nadava junto aos barcos de pesca que saíam de Singsport, na esperança de companhia ou de uma goluseima. «Mas os barcos não tinham tempo para ele, estavam com pressa de chegar aos bancos de pesca», conta Jimmy, que decidiu fazer algumas visitas a Fungie só para lhe fazer companhia. «Espero que ele tenha gostado», ri o pescador. «E que se lembre de mim, agora que os seus admiradores estão de regresso.»
Além dos efeitos emocionais do isolamento, o confinamento trouxe outros desafios. Para alguns, garantir o abastecimento de víveres representou um sério problema – e nas regiões mais remotas da Austrália isso foi uma dor de cabeça.
Gary Frost, dono de uma casa sobre rodas no Território do Norte, um dos estados da Austrália, encontrou a solução mais extrema para o desafio de entregar comida a quem dela precisava: como tem licença de piloto, decidiu entregar a comida de avião às pessoas isoladas em fazendas remotas. E sem custo extra.
«Como ninguém podia ir a lado algum, havia pessoas que não conseguiam comprar comida ou bebida. Achámos que podíamos fazer algo para as ajudar», recorda Gary, o típico faz-tudo australiano.
«Como fazemos pizzas, pensámos em levá-las de avião para que as pessoas não tivessem que sair das suas propriedades. É, creio, uma coisa única. Não conheço ninguém no mundo que o tenha feito», enfatiza Gary, que sublinha que não foi o sentido comercial que o moveu mas apenas como «um gesto amigável, para ajudar as pessoas».
A jovem empresária parisiense Maud Arditti inspirou-se na experiência da família e amigos mais queridos para fornecer comida aos profissionais de saúde. «Boa parte da minha família é composta por médicos que trabalham em hospitais», conta. «À conversa com a minha tia descobri que os restaurantes dos hospitais estavam muitas vezes fechados e que um prato de massa acabava por ser partilhado por cinco pessoas.»
Maud começou a fazer bolos, pizzas e quiches para o hospital local, mas depressa percebeu que sozinha não ia longe. Um pedido de ajuda através das redes sociais gerou uma resposta notável: por fim, eram já cerca de 1600 as pessoas que faziam bolos por toda a cidade de Paris para serem enviados aos hospitais. Rapidamente a iniciativa de Maud, a que chamou Vos Gâteaux (Os Vossos Bolos), espalhou-se a outras cidades francesas.
«Estávamos num momento de paragem e creio que existem três tipos de personalidades nestes momentos», refere Maud. «Os que estão um pouco paralisados, os que criticam tudo o que se faz... e os que não têm medo e dizem a si próprios que empenharão todas as suas energias com os meios de que dispõem para ajudar. Com os nossos bolos, podíamos alimentar e levar um pouco de doçura a todos os nossos hospitais.»
Noutros locais, a comida para os necessitados chegou de fontes inesperadas, que incluíram um grupo de gondoleiras de Veneza, que entregava produtos orgânicos a idosos, e um violinista temporariamente desempregado da Orquestra Filarmónica de Helsínquia, que entregava comida aos reformados numa bicicleta elétrica.
«Foi muito importante para as pessoas que a receberam e, por isso, tornou-se muito importante para mim também», diz Teppo Ali-Mattila, um dos muitos profissionais da cultura e do desporto na cidade que ofereceram ajuda aos idosos.
Em Lisboa, um jovem casal sírio, Ramia Abdalghani e Alan Ghumim, ofereceu gratuitamente comida do seu restaurante aos funcionários do hospital local. Tendo chegado a Portugal como refugiados há quatro anos, ficaram mais do que felizes por ajudarem a sua nova comunidade.
«Quando se foge de uma guerra sente-se o desastre, mas também se percebe quem é que está lá para nós», diz Alan. «Por isso, em tudo o que fazemos aqui em Portugal, procuramos retribuir às pessoas que nos receberam de braços abertos.» Um dos funcionários do hospital agradecidos foi o enfermeiro Nuno Delicado. «Foi uma grande lição de vida para todos nós», declara. «Mostrou-nos que, como sociedade, devemos estar presentes uns para os outros.»
Um espírito semelhante inspirou cinco mulheres sírias em Aberystwyth, no País de Gales, a doarem 100 refeições ao hospital local para agradecer o trabalho do Serviço Nacional de Saúde. «As pessoas aqui são muito simpáticas e é muito importante ajudá-las», resume Latifa, uma dessas mulheres. «Nestes tempos conturbados, devemos trabalhar juntos. Eu realmente importo-me com a nossa nova comunidade e gostava de agradecer.»
Sem dizer o nome, um homem no Reino Unido fez uma importante doação de comida. Durante os três meses do confinamento, uma vez por semana todos os habitantes da vila de Denchworth, em Oxfordshire, tinham uma refeição de peixe e batatas fritas – o famoso fish and chips.
«O doador não quer ser o foco das atenções. Acha que pessoas como ele, que têm a sorte de estar na sua situação,
se possível deviam fazer algo pelas suas comunidades», diz Stephen Davidson, que foi recrutado para fornecer as refeições.
A pandemia também nos mostrou o quanto conseguimos ser engenhosos quando precisamos. Foram muitas as pessoas que usaram os seus talentos e imaginação para criar equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde.
Na pequena cidade de Elda, a noroeste de Alicante, em Espanha, um grupo de mulheres que ganha a vida a coser sapatos em casa começou a fazer milhares de máscaras para o hospital mais próximo. Usaram tecido fornecido pelo hospital e elásticos doados por uma empresa local. O seu trabalho gerou uma enxurrada de pedidos de informação de grupos por toda a Espanha que queriam fazer o mesmo. Até as crianças se juntaram à criação de equipamentos de proteção vitais.
Na Irlanda, Conor Jean, de 14 anos, e o seu irmão Daire, de 11, montaram uma pequena linha de produção de
máscaras faciais na sua casa em County Kildare usando uma impressora 3D. Os irmãos chegaram mesmo a incluir algumas caraterísticas de design para que as máscaras pudessem ser facilmente usadas por médicos ou enfermeiros com óculos ou com óculos de proteção. «Não podia estar mais orgulhosa destes dois rapazes», conta a mãe, Lorraine Duffy, depois de ter visto o primeiro lote completo.
Talvez o exemplo mais doido de engenho tenha vindo de um sapateiro romeno chamado Grigore Lup, que mostrou ao mundo um par de sapatos tamanho 75. A ideia era que quem usasse os sapatos teria forçosamente que guardar um metro e meio de distância das outras pessoas e, com isso, respeitar o distanciamento físico. O sapateiro, oriundo da Transilvânia, demorou dois dias a fazer o par de sapatos, usando um metro quadrado de pele.
O desejo de cuidar dos idosos, particularmente em risco de contrair o coronavírus, também levou as pessoas a pensarem «fora da caixa».
Tomemos como exemplo Tristan Van den Bosch, gerente de operações de uma empresa de limpeza e manutenção nos subúrbios de Watermael-Boitsfort, em Bruxelas. Uma manhã, enquanto se dirigia de carro para o trabalho, viu um homem a gritar para uma senhora de idade. O homem estava na rua, no passeio, e a senhora – a sua mãe – três andares acima, numa casa de repouso. Tal como muitos idosos, ela não podia receber visitas por causa do risco de contágio pelo vírus. Tristan pensou: «Podemos ajudar este homem!»
A empresa de Tristan estava quase sem trabalho, o que significava que existiam guindastes parados no armazém. Porque não usá-los para levantar as pessoas para que pudessem chegar mais perto dos seus entes queridos?
Tristan começou, então, a conduzir pela Bélgica o seu guindaste, levando famílias às janelas de parentes nos andares superiores de casas de repouso.
«É um facto, custou-nos dinheiro», diz. «Mas, feitas as contas, estamos contentes por termos ajudado.»
No Brasil, os funcionários da casa de repouso Três Figueiras, em Gravataí, demonstraram engenho semelhante ao criarem uma forma inteiramente nova de proteger os residentes idosos quando recebiam visitas.
«Percebemos que nossos residentes mais velhos estavam tristes», conta a proprietária, Luciana Brito. «E pensámos que seriam muito mais felizes se encontrássemos uma maneira de abraçarem as suas famílias.»
Inspirada num vídeo viral que mostra uma mulher nos Estados Unidos a usar uma cortina de plástico para abraçar a mãe, Luciana e as colegas criaram um Túnel do Abraço constituído por uma
grande folha de plástico com orifícios para os braços, que foi fixada numa das entradas da casa de repouso. Os buracos dos braços também tinham mangas de plástico, permitindo que os visitantes segurassem os seus entes queridos sem realmente entrarem em contacto direto com eles.
«Foi muito gratificante – e importante – vê-los abraçarem e serem abraçados», resume a administradora da casa, Rubia Santos.
QUANDO Valerie Martin, responsável pelo lar de idosos Vilanova, perto de Lyon, em França, soube que os idosos em lares de toda a Europa estavam a ser contaminados pelo vírus, decidiu tomar uma atitude drástica. «Disse para mim: “Não. No meu não. Os meus residentes ainda têm muito para viver”», recorda.
A resposta de Valerie foi fechar o edifício e convidar os funcionários e enfermeiros a acompanhá-la no que esperava ser um período de quarentena de três semanas.
Foram 29 os trabalhadores que voluntariamente se apresentaram no que acabou por se converter numa maratona de quarenta e sete dias e noites de confinamento, com 12 funcionários em permanência durante todo o tempo. E valeu a pena. No final, quando a média nacional de novos casos começou a baixar drasticamente e os portões do lar de idosos Vilanova foram por fim destrancados, os testes ao coronavírus deram negativo a todos os 106 residentes.
Os cuidadores, que se autodenominavam «confinados felizes», saíram num desfile de carros e buzinadelas, quando por fim conseguiram voltar para as suas famílias e amigos.
Devido aos seus esforços Valerie foi considerada uma heroína, mas diz que acabou por não ser um sacrifício assim tão grande. «Foi como entrar numa colónia de férias», conta, a rir. «Viver um confinamento com 130 pessoas é extremamente gratificante.»
Na Holanda, cerca de 150 mil idosos que moravam sozinhos ou em lares foram surpreendidos com a oferta de um ramo de flores na Sexta-Feira Santa. A iniciativa foi liderada pelo rapper holandês Ali B e organizada pela indústria de floricultura do país. A acompanhar os bouquets coloridos havia uma mensagem de amor e esperança.
«A solidão nunca esteve tão próximo», resume Ali. «Agora ronda a sua mãe. Ou o vizinho.»
E em França, Bélgica, Luxemburgo, Reino Unido e Suíça, os idosos isolados em lares receberam cartas de esperança e alegria assinadas por desconhecidos, graças a um grupo de dez primos franceses que lançaram a iniciativa 1 Lettre 1 Sourire (Uma Carta, Um Sorriso).
«Recebemos feedback das pessoas que receberam as cartas, dizendo como eram raios de sol na sua vida diária», diz uma das responsáveis pela ação, Alienor Duron. «E tivemos o feedback das pessoas que cuidam dos idosos nesses lares, que nos contaram o quanto esta iniciativa também foi fantástica para eles porque sentiram-se acarinhados.»
Outro grupo particularmente vulnerável à pandemia é constituído pelos sem-abrigo.
Em muitas cidades, os balneários públicos foram fechados e os abrigos para quem mora na rua temporariamente encerrados. Menos gente a circular significou menos oportunidades de ganhar algum dinheiro a vender jornais ou a fazer música. E como questiona Wilhelm Nadolny, chefe da cozinha para sem-abrigo atrás da estação ferroviária do Jardim Zoológico de Berlim: «Como é que se “fica em casa” quando não se tem casa para ficar?»
Em Berlim, cerca de 2 mil pessoas vivem oficialmente nas ruas, embora se estime que o número seja muito superior.
A cozinha de Nadolny teve que fechar as portas, mas continuou a servir sanduíches e bebidas quentes através de uma janela aberta para a rua. «E apesar de todos os problemas, surgiram novas formas de solidariedade», conta.
Um exemplo foi um autocarro especial com a frase #GemeinsamFürBerlin (Juntos por Berlim), que percorreu a cidade a entregar pacotes de alimentos oriundos de 20 dos supermercados da cadeia Edeka, de Berlim, para os sem-abrigo. E em muitas cidades alemãs, as chamadas Gabenzäune (cercas de donativos) começaram a aparecer – vedações locais onde as pessoas penduravam sacos com alimentos, produtos de higiene e roupa para os sem-abrigo.
Em França apareceu o movimento #PourEux (For Them). Os voluntários preparavam refeições em casa, que depois eram entregues por outros voluntários a quem delas necessitava. «Todos podiam ajudar de acordo com as suas possibilidades», lembra Maxime Klimaszewski, voluntário de 28 anos. «Não durou muito tempo, nem custou muito dinheiro, mas foi uma ajuda no quotidiano de muitas pessoas.»
POSSIVELMENTE, as histórias que vão permanecer mais tempo na memória são aquelas que envolveram um grande sacrifício pessoal em benefício dos outros. Tome-se como exemplo o caso de Jyoti Kumari, de 15 anos, que pedalou 1200 quilómetros pela Índia com o pai, deficiente, «à pendura».
A sua provação começou em Nova Deli, onde o pai, Mohan Paswan, ganhava a vida a conduzir um riquexó, até que ficou ferido num acidente e perdeu o emprego. Todas as viagens não essenciais estavam proibidas, mas o senhorio insistiu no pagamento da renda e, como eles não a podiam pagar, ameaçou com o
despejo, lembra Jyoti, ainda com lágrimas nos olhos. Então a jovem decidiu que a única coisa a fazer era gastar as últimas poupanças numa bicicleta barata e voltarem para a sua aldeia natal de Darbhanga, no estado de Bihar. Jyoti pedalou durante dez dias, sob temperaturas escaldantes, e viviam de comida e água oferecidas por desconhecidos. Em dois dos dias houve apenas o suficiente para o pai: ela teve que se contentar com a fome.
«Foi uma jornada difícil», diz a jovem, usando, seguramente, um eufemismo. «Estava muito calor mas não tínhamos alternativa. Eu tinha um único objetivo: chegar a casa.»
Quando chegaram por fim ao destino, a notícia da viagem espalhou-se e Jyoti tornou-se famosa. No entanto, a fama era a última coisa que tinha em mente quando começou a pedalar. «Foi uma decisão desesperada», conta.
O potencial de um simples gesto para captar a imaginação do público em tempos de crise ficou provado quando o veterano do Exército britânico, o capitão Tom Moore, decidiu arrecadar algum dinheiro para os profissionais de saúde e pacientes. Inspirado pelo excelente tratamento que recebera no hospital em 2018, quando o trataram a um cancro da pele e a uma fratura da anca, comprometeu-se a concluir 100 voltas ao jardim da sua casa, apoiado no seu andarilho, antes de fazer 100 anos, no final do mês. O objetivo era arrecadar cerca de mil libras. Só que as notícias do esforço do capitão Tom depressa chegaram aos ouvidos de uma nação desesperada por boas notícias no meio do confinamento. O idoso apareceu nos jornais e na televisão e até se juntou ao cantor Michael Ball e a um coro de trabalhadores da saúde para gravar uma versão solidária de You’ll Never Walk Alone, transformando-se na pessoa mais velha a chegar aos tops de música no Reino Unido. Antes do previsto, logo no dia 16 de abril, o capitão Tom completou as 100 voltas ao jardim e angariou mais de 17 milhões de libras. «Nunca sonhei estar envolvido numa coisa destas», declarou.
Mas «a coisa» estava apenas a começar.
A Tom Mania não deu sinais de abrandar, com as pessoas a homenagearem os seus esforços de diferentes formas, desde bonecos de tricot à pintura de murais. Quando, a 30 de abril, o capitão Tom Moore completou 100 anos, já tinham sido arrecadados quase 33 milhões de libras. A Força Aérea homenageou-o sobrevoando a sua casa e o público enviou-lhe mais de 150 mil cartões de aniversário. A sua resposta? «A todos os que estão a passar um momento difícil… o sol vai voltar a brilhar e as nuvens vão desaparecer.»
Para assinalar a sua notável conquista, o capitão Tom Moore foi promovido ao posto de coronel honorário e foi-lhe concedido – por recomendação do primeiro-ministro – o título de cavaleiro. O dinheiro angariado foi usado para promover cuidado e conforto aos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde britânico.
«Nunca fui do género de ficar sentado», ri, acrescentando que gostou do desafio. «A primeira volta foi a mais difícil, mas depois acabei por me habituar.»
O militar centenário também acredita saber o segredo da sua longevidade – e é simples: «É ter a mentalidade certa. É preciso ser otimista e acreditar que as coisas vão melhorar.»