Muito antes dos escândalos sexuais e das histórias de assédio que estão a abalar a indústria do cinema americano, já outras velhas polémicas, crimes e escapadelas obrigaram os senhores dos estúdios a impor regras morais para estancar as acusações generalizadas da sociedade americana, que via maus exemplos de conduta nos filmes. Razão tinha a Marilyn Monroe, que dizia que «Hollywood é um lugar onde se paga 50 mil dólares por um beijo e 50 cêntimos pela alma».
A arte da sedução
As letras são muito grandes e desenhadas a régua e esquadro na paisagem, veem-se de todo o lado: HOLLYWOOD.
Só mesmo na terra dos filmes é que uma inscrição gigante, feita em chapa e espetada no meio de uma colina, poderia ser declarada de interesse histórico nacional – um ícone, um monumento dos mais reconhecidos no mundo.
Para proteger e substituir a famosa palavra inscrita no topo da montanha, foi criada em 1978 uma fundação dinamizada pelo fundador da Playboy, Hugh Hefner, da qual fazem parte muitas das estrelas da música e do cinema. Alguns dos beneméritos quiseram pagar uma letra só deles. Nessa altura, a chapa velha foi cortada em pedacinhos, que, posteriormente, foram vendidos como recordação em pedaços a 30 dólares cada um, autênticos retalhos de memórias com ferrugem.
A origem do letreiro nada tem de monumental. A ideia de cravar as letras na colina surgiu logo nos primeiros anos de Hollywood. Em 1923, Los Angeles já era a grande capital da indústria dos filmes. Vários empresários ligados ao cinema criaram então uma sociedade imobiliária para o desenvolvimento de uma urbanização nos socalcos da montanha. Uma operação promocional que custou, à época, 21 mil dólares.
Com letras de 15 metros de altura, a placa dizia: «HOLLYWOODLAND». Era basicamente o anúncio a uns lotes de terreno e casas novas. Já nesse tempo eram iluminadas por centenas de lâmpadas de 20 watts, cuja manutenção garantia emprego a um conservador que não fazia outra coisa na vida senão trocar lâmpadas fundidas e retocar a pintura da chapa. Em 1944 já tinham caído o «O» e o «LAND».
Los Angeles, nos anos 70 do século passado, fazia de conta que não via a palavra metálica espetada lá no cimo. Para mau agoiro, nas décadas de 30 e 40 era o local eleito pelos mais desgostosos da vida para se suicidarem. O caso mais conhecido foi o da atriz Peg Entwistle, uma jovem de 24 anos que trocou o êxito dos palcos da Broadway por uma carreira que julgava fácil em Los Angeles, na viragem para o sonoro. Como não conseguia papéis de destaque (apenas terá rodado alguns filmes porno), ficou na história da cidade atirando-se do «H». Num misto de lenda e sinal de ironia macabra, consta que uns dias depois da morte da jovem atriz lhe chegou a casa uma carta em que lhe era proposto um contrato de trabalho para um filme: seria o nome de cartaz em que teria de interpretar uma mulher levada ao suicídio. Assim, a atriz ficou conhecida na história de Los Angeles como «a miúda do letreiro de Hollywood». Deixou uma simples nota em que escreveu: «Tenho medo de estar a ser cobarde. Desculpem por tudo. Eu já deveria ter feito isto há mais tempo, e teria poupado muita da minha dor.» Só este recado manuscrito e publicado dias depois no jornal ajudou a que o corpo fosse identificado por um familiar.
A história de infortúnio de Peg Entwistle é o símbolo de uma certa Hollywood amoral, a tal que nunca pagou mais de 50 cêntimos pela alma, num jogo entre o público e o privado com tempero de glamour, sempre muito discutível. E sempre foi assim. Muito polémico tinha já sido – ainda em 1900 – o escandaloso beijo na boca dos atores May Irwin e John C. Rice. Meio mundo pagou 25 cêntimos para ver o que seria o primeiro beijo do cinema. Começaram por dar uma espreitadela no cinetoscópio, e aí o êxito foi moderado, mas, depois, quando a imagem foi ampliada num ecrã, toda a gente viu e todos reclamaram contra a «imoralidade» da cena. A cena, ousada para a época, fez correr muita tinta
na imprensa. Numa revista de Chicago escreveu-se: «É absolutamente repugnante. Tudo o que resta do encanto de Miss Irwin desvanece-se. A sua atuação torna-se indecente. Tais factos pedem a intervenção policial.» A polémica foi grande, mas o êxito e a curiosidade à volta do beijo não foi menor. Em Nova Iorque, a famosa cena esteve em exibição durante cerca de dez anos. Lá está! Aponta-se o dedo e espreita-se de soslaio pelo buraco da porta.
As 50 sombras da lei
Desde o início do cinema que sempre se falou de liberdades, excessos e escândalos no mundo das estrelas. A censura começou logo em 1907: o jornal Chicago Tribune, num editorial, acusava o cinema de corromper a infância e a juventude e, indo mais longe, exigia que fossem tomadas medidas proibindo a entrada a menores de 18 anos no escurinho do cinema. Naturalmente, esse exagero preocupava os exibidores, devido às previsíveis quebras de receitas. Logo nesse ano de 1907, o Conselho Municipal de Chicago, preocupado com as chamadas de atenção dos setores mais conservadores da cidade, autorizou a que o chefe da polícia pudesse proibir as fitas consideradas «mais perigosas». Desconheço os critérios, mas foi assim que começou a censura no cinema.
Dois anos depois, aplicando a máxima «para grandes males grandes remédios», a temida companhia das patentes criou o seu próprio organismo regulador da moral no cinema, o National Board of Censorship, que uns anos mais tarde passou a designar-se mais suavemente National Board of Review.
Concordando em absoluto com as práticas dos censores, isto em 1927, um tal Will H. Hays, presidente da associação de produtores e distribuidores de cinema, foi mais longe e criou um verdadeiro livro de receitas para a produção de filmes e escrita de argumentos, lista de regras que marcariam os anos de ouro de Hollywood. Todas estas normas tinham caráter oficial e eram para cumprir à risca.
Até 1934, ainda iam fechando os olhos às transgressões morais, mas, com a crescente pressão, a «legião da decência» decidiu tomar medidas, devido ao incumprimento do código. O movimento de católicos ...*
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