Em 2010 a China passou por uma seca, uma placa de gelo com 160 quilómetros quadrados soltou-se de um dos principais glaciares da Gronelândia, a Rússia viu-se a braços com enormes incêndios florestais e a Finlândia alcançou a temperatura mais elevada de que há registo: 37,2 graus centígrados.
O professor Petteri Taalas, na altura chefe do Instituto de Meteorologia da Finlândia, sentiu, na primeira pessoa, uma das consequências do aquecimento global: quando visitou a sua casa de férias, perto da fronteira com a Rússia, os incêndios estavam tão perto que fizeram disparar os alarmes de fumo.
«Quando se está perto destas coisas, isso tem um enorme impacto», diz o especialista. Atualmente está no primeiro ano do seu segundo mandato como secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), onde a sua função é fazer soar o alarme relativamente às mudanças climáticas. E enquanto o mundo espera por um tempo para lá da pandemia da COVID--19, ele considera que é a altura certa para uma redefinição ambiental.
«Estamos a bater todos os recordes relacionados com o clima», adianta. «Costumávamos dizer que algo podia acontecer no futuro. Só que o futuro já chegou. O meu trabalho é colocar as cartas na mesa e explicar o que está a acontecer – e mostrar as imagens também para haver esperança de ter uma hipótese de resolver este problema.»
Este homem de 59 anos está sentado no topo da OMM, tanto em sentido figurado como literal. O escritório que ocupa fica no último andar da sede da organização em Genebra, uma construção modernista projetada para incluir recursos de eficiência energética. Neste tempo de COVID-19, saúda-nos com uma alegre reverência de cabeça, as palmas das mãos juntas e a apontar para cima. O escritório possui uma vista de 180 graus que se estende além do vidro colorido que vai do chão ao teto: de um lado está o famoso Jardim Botânico de Genebra, do outro, à distância, consegue ver-se o pico gelado do Mont Blanc. «Podemos ver como o gelo está a derreter», observa Petteri Taalas com alguma ironia.
É um homem modesto e o escritório reflete isso mesmo – um espaço amplo, dominado por uma mesa de reuniões, mas a secretária do secretário-geral está posicionada a um canto, como se pedisse desculpas. Há uma grande faixa da OMM e uma bandeira, mas, de resto, não existem muitas pistas sobre a identidade do ocupante.
A OMM é a agência das Nações Unidas responsável pela monitorização do clima à escala global, bem como dos recursos hídricos do planeta e da qualidade do ar. A agência supervisiona a rede mundial de satélites que produzem, em tempo real, os dados nos quais se baseiam as nossas previsões meteorológicas. É também esta organização que controla o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que trata das implicações da mudança no clima.
«Somos uma organização científica e técnica, por isso não nos compete dizer ao governo da China ou dos Estados Unidos como devem comportar-se», diz Petteri Taalas. «Dizemos-lhes o que medimos, e os relatórios do IPCC descrevem cenários para os próximos cem anos e como lidar com os problemas.»
Petteri Taalas passa pessoalmente a mensagem sobre os efeitos do aquecimento global causada pelo aumento das emissões de dióxido de carbono, metano e outros gases nocivos a líderes como Angela Merkel, Emmanuel
Macron e Boris Johnson. Também começou a dialogar com muitas das grandes empresas mundiais, como a IBM ou a Google. «Lembrar-me-ei sempre da sua apresentação ao nosso conselho, na qual nos explicou como os rendimentos das colheitas vão baixar dramaticamente num mundo com mais 3 graus Celsius», resume Jouni Keronen, CEO da Climate Leadership Coalition, a maior rede de empresas europeias que tentam acelerar a transição verde. «Depois da sua apresentação, fez-se um longo silêncio e creio que foi um momento de mudança na vida de muitos dos participantes.»
De acordo com Graham Lawton, jornalista britânico especialista em ciência, Petteri Taalas exerce o seu soft power com uma considerável destreza. «O que é impressionante é que ele combina duas características que não é normal encontrar na mesma pessoa. É um excelente cientista, mas entende a política e a diplomacia. Não é um sonhador que acha que só porque a ciência conclui uma coisa, as pessoas vão passar a agir com base nas provas. Isso é frequente nos círculos científicos, mas nem sempre funciona junto de políticos e diplomatas. Taalas compreende. Ele tem a atenção de políticos que o ouvem porque sabe jogar este jogo.»
Petteri Taalas sorri perante esta afirmação.
«É preciso ter algum cuidado na forma como expressamos as coisas.» Assume que tem o cuidado de não culpar ninguém quando se encontra
com líderes mundiais. «Creio que eles estão já bastante cientes dos factos e, pessoalmente, estão até bastante motivados para a ação. Isto é assim até com figuras-chave da Rússia», assegura, apontando que a questão é que a economia russa é muito dependente da venda de petróleo e gás.
Compreende que os políticos têm que tomar decisões difíceis. A viver a cerca de 15 quilómetros de Genebra, do outro lado da fronteira com a França, viu com os seus próprios olhos os protestos dos gilets jaunes, desencadeados pela decisão do governo francês de aumentar os impostos sobre o petróleo e a gasolina, com vista a acelerar a transição do país para energias mais verdes.
O secretário-geral da OMM tenta encontrar soluções em que todos ganhem, quer os indivíduos, quer o ambiente. Por exemplo, impostos mais baixos para quem compra veículos de baixas emissões. Ou os benefícios para a saúde que decorrem de andar de bicicleta ao invés de conduzir um carro.
E pratica o que prega: quase todos os dias vai de bicicleta para o trabalho e, quando não o faz, conduz um carro elétrico. Segue uma dieta essencialmente de peixe (o gado é um dos mais significativos emissores de metano) e ambas as suas casas (a outra fica próximo da sua cidade natal, Helsínquia) usam tecnologia de bomba de calor com elevada eficiência energética quer para aquecimento quer para arrefecimento. De acordo com Petteri
Taalas, o investimento inicial foi recuperado apenas em quatro anos.
No entanto, o meteorologista insiste que não devemos permitir que as questões ambientais se tornem opressivas: «Algumas pessoas tentam limitar toda a sua vida e pensam apenas no clima, o que não é muito saudável.»
Estudante na Universidade de Helsínquia no início da década de 1980, com a Guerra Fria no auge, ele e Anni, a sua futura mulher, participaram nas marchas pela paz. Tinham medo da possibilidade de uma guerra nuclear e até pensaram em mudar-se para a Nova Zelândia, que naquela altura era considerada um porto seguro nos antípodas do mundo. Também
concordaram que o mundo era um local muito perigoso para criar crianças. Casados há 34 anos, os seus cinco filhos adultos estarão, sem sombra de dúvidas, agradecidos a Ronald Reagan e a Mikhail Gorbachev por terem posto um ponto final na Guerra Fria. Petteri Taalas diz ver um paralelo entre os anos 1980 e hoje na maneira como os jovens veem o seu futuro, mas desta feita por razões ambientais.
Tem sempre tempo para os jovens idealistas como Greta Thunberg. Conheceu a adolescente sueca e fala
calorosamente dela, mesmo não concordando inteiramente com tudo o que diz. Sente que a jovem pode ter sido mal informada.
«Eu sei o que é ser jovem e ter as emoções à flor da pele», explica. «Mas existe um pequeno número de cientistas que contam histórias de terror sobre pontos de inflexão e como a Humanidade vai morrer e creio que Greta pode ter ouvido muitas dessas histórias. Conhecendo a sua personalidade, pode ser tudo demasiado a preto e branco, mas ela tem sido muito vocal e o balanço final é muito positivo.»
A carreira de meteorologista de Petteri Taalas começou quase por acidente. Vem de uma família de médicos, mas escolheu estudar Física na universidade. Quando, após dois anos, chegou a hora de se especializar, foi atraído pela hidrologia, mas a esposa, a cuja sabedoria e apoio credita muito do seu sucesso, preferiu a meteorologia. Assistiu a algumas palestras e, nas suas palavras: «Percebi que se tratava de algo fascinante.»
Fez o doutoramento em 1993 e, à medida que subia na carreira académica, liderou equipas, o que nele era natural. O seu talento para a liderança já era evidente aos 15 anos, quando assumiu o comando do barco do pai, e também quando foi oficial da Marinha durante o serviço militar. A gestão da mudança é a sua paixão e, entre tudo o que já fez, salienta a transformação do Instituto de Meteorologia finlandês, que liderou intermitentemente durante onze anos, e a modernização da OMM, hoje mais baseada na ciência.
Acredita que o maior impacto foi o espalhar a palavra sobre as alterações climáticas. Trabalha em estreita colaboração com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e conseguiu convertê-lo: «Ele já declarou que, nos próximos dois anos, esta é a prioridade número um», resume Petteri Taalas, com orgulho.
Taalas recorda que quando, há vinte anos, começou a falar de alterações climáticas, era convidado a aparecer na televisão e, por norma, havia outro convidado, um cético do clima, para dar um ponto de vista alternativo. Hoje isso raramente acontece. «Os nossos relatórios merecem uma atenção abrangente e, por isso, a consciência mundial é bastante boa.» O problema agora são aqueles que consideram que o mundo está a agir demasiado lentamente para evitar o desastre. O especialista descreve o seu fervor em termos religiosos: «Se olharmos para o cristianismo, por exemplo, há algumas pessoas que são extremistas e têm regras muito rígidas e também existem cristãos mais liberais.
É a mesma coisa quando se trata da forma como se lida com o clima. Há pessoas que gostariam de ser muito ortodoxas e dizer aos outros como agir. Mas se toda a questão do clima tiver um rótulo que seja extremamente “verde”, é mais difícil arranjar uma solução.»
Petteri Taalas dá pouca importância aos métodos de grupos ativistas como o Extiction Rebellion, que defende uma estratégia de desobediência civil não violenta mas perturbadora. «Creio que não é útil para encontrarmos uma solução para este problema. Se a imagem pública da mitigação da questão do clima são estas pessoas, isso pode até ser contraproducente.»
O especialista também considera que o termo «emergência climática» não é o mais apropriado. «Veremos uma emergência climática se falharmos na mitigação, mas ainda há uma possibilidade de manter o aquecimento e esta mudança sob controlo e a minha mensagem é essa», salienta.
Há um ano, quando o mundo se fechou em confinamento, foi visível um vislumbre de um planeta diferente. Nas grandes cidades, a poluição dissipou-se para revelar o céu azul – azul e visivelmente sem aviões. Foram vistos veados, ovelhas e cabras a saltitar em estradas desertas.
Mas isso foi dantes. A chamada «antropopausa» está no fim e a poluição quase a regressar aos níveis pré-pandémicos. Mas para Petteri Taalas este um momento significativo: «Demonstrou que podemos mudar o nosso comportamento se houver incentivo suficiente.»
O secretário-geral da OMM está preocupado com o efeito que a COVID-19 está a ter na economia mundial e teme que os governos possam estar menos motivados a investir em tecnologias mais favoráveis ao ambiente e ao clima. Mas também se sente entusiasmado com inciativas como o ambicioso Green Deal da União Europeia, que visa tornar a UE neutra em carbono até 2050.
«Sou um otimista», diz Petteri Taalas. «Está a uma oportunidade de saltar para a nova tecnologia verde de uma forma mais rápida do que teria acontecido de outra maneira e os países desenvolvidos podem pagar. O que acontece em economias mais débeis é outra questão, mas a maior parte das emissões vem de países mais desenvolvidos.»
Uma lição que Petteri Taalas aprendeu sobre os efeitos da chuva ácida nos lagos e florestas da Escandinávia e sobre os danos à camada de ozono e aos glaciares causados pelos gases com efeito de estufa é que a mudança pode acontecer. Ambos os problemas foram praticamente resolvidos pela regulamentação. As alterações climáticas representam um desafio muito maior, mas acredita que podemos manter os termómetros um ou dois graus acima dos níveis pré-industriais.
«É exequível», garante. «Basta haver consenso internacional e a ciência deve ter provas e solidez suficiente para levar as pessoas que têm que tomar decisões a agir.»