ELYSE FRANKCOM AINDA ESTAVA CHATEADA com a discussão que tinha tido com a melhor amiga na noite anterior. A rapariga de 19 anos não gostou que se tivessem separado zangadas e agora tudo o que queria era mergulhar nas águas cristalinas ao largo de Rockingham, no oeste da Austrália, e esquecer a briga. Sabia que ao colocar o cinto de pesos, a máscara e o tubo de respiração, podia escapar-se para um mundo tranquilo e mágico. O trabalho de mergulho de Elyse consistia em levar turistas para nadarem com golfinhos.
Os 33 clientes daquela saída de seis horas de snorkel nessa manhã fresca de primavera em outubro de 2010 eram um grupo heterogéneo. Três crianças, uma mão-cheia de mulheres de meia-idade, grupos familiares e visitantes de outros países. Entre eles estava Trevor Burns, um homem de 48 anos, grande como um urso. Com 130 kg e uma grande barba cinzenta que lhe descia até ao peito, era difícil passar despercebido.
Trevor e a mulher, Julie, tinham partilhado muitas aventuras juntos antes de se estabelecerem em Perth. Esta viagem era uma prenda especial para a filha Megan, de 24 anos, que vinha de Brisbane visitá-los. Julie raramente se aventurava dentro de água. Hoje estava contente por ficar no convés. Podia descontrair, conversar e fotografar Trevor e Megan com o bando de golfinhos. Trevor, por seu lado, tinha medo de poucas coisas, mas nessa manhã quando entrava para o barco, vacilou com o ar frio.
Elyse Frankcom preparou o equipamento e prendeu o repelente de tubarões ao tornozelo, por precaução. Entretanto, os seus colegas não conseguiam encontrar o fato de mergulho de tamanho grande que Julie Burns tinha requisitado quando reservou o bilhete do marido. Com o cruzeiro marcado para as oito da manhã em ponto, um membro da equipa correu até ao armazém, a algumas ruas de distância, para trazer um fato maior.
Enquanto esperavam, Elyse e os colegas partilhavam histórias excitantes com os seus passageiros. Um golfinho num grupo familiar tinha dado à luz na semana anterior e tinham esperança de ver uma cria com uma semana.
Durante toda a manhã, o barco de mergulho de 15,5 metros construído para o efeito passeou pelas abrigadas baía e ilhas de Rockingham. Com toda a gente à procura de barbatanas a romper a superfície, não demorou muito até que a tripulação se dirigisse para os golfinhos. Os turistas foram divididos em quatro grupos para entrarem à vez na água. Um guia em cada grupo controlava uma mota de água que rebocava os nadadores, cada um agarrando o cinto da pessoa à sua frente.
Hoje o trabalho de Elyse era atrair e entreter os golfinhos, mantendo-os à superfície para que os turistas os pudessem ver. Enquanto esta corrente humana atravessava a água, ela nadava para cima e para baixo, mantendo os golfinhos entretidos. Enquanto os golfinhos brincavam em redor dos encantados nadadores, os que estavam no convés de observação maravilhavam-se com os assobios e o chapinhar e riam descontraídos.
Excitados, Trevor e Megan chamaram Julie, que estava de novo a bordo depois do seu primeiro encontro íntimo com os golfinhos. Trevor afastou-se então para deixar passar um membro da equipa pela passagem estreita. Quando o fez, escorregou e bateu contra o braço de uma cadeira próxima. «Estou bem», assegurou ele a todos, sentindo-se um pouco embaraçado. «Só está um pouco dorido.» Mas as costelas doíam-lhe mesmo.
Mesmo antes da hora de almoço, o barco estava a 300 metros ao largo de Garden Island, sobre sete metros de água. Um membro da tripulação detetou outro pequeno bando. Eram duas fêmeas e um recém-nascido que não podia ter mais que um par de horas. Ao contrário do grupo anterior, estes golfinhos pareciam erráticos, fugindo inesperadamente, antes de voltarem para o barco de mergulho.
Julie, Megan e os outros turistas no convés tinham dificuldade em tirar fotografias. Por isso Elyse aceitou ir para a água. «Tem cuidado. Vai com calma», lembrou-lhe um membro da tripulação. «Nada de movimentos bruscos – não os queremos assustar.»
O trabalho de Elyse era mergulhar até ao fundo e encorajar o trio a nadar até à superfície. Só iria um grupo dessa vez. Esquecendo-se das dores nas costelas, Trevor tomou o lugar vago e Elyse deslizou cuidadosamente de novo para a água. Esqueceu-se pura e simplesmente de ligar o dispositivo no tornozelo que emite um impulso elétrico que afasta os tubarões.
Trevor e os outros mantiveram-se à superfície enquanto Elyse mergulhava para atrair o bando. Em poucos minutos dirigia os três golfinhos para os mergulhadores, mas o trio estava imprevisível – ora desaparecia, ora voltava, até que, num raio de prata, fugia de novo. Uma vez mais, Elyse tentou guiar os golfinhos em direção à superfície. Começavam a subir a partir do fundo do oceano, mas depois voltavam para baixo. Deve ser por causa do bebé, pensou ela enquanto voltava à superfície para uma respiração rápida mesmo à frente do grupo.
Então foi atingida. Uma poderosa força vinda de trás atirou-a completamente para fora da água. Enquanto ela se debatia e tentava respirar, vislumbrou o barco e depois olhou para a água em baixo. Tudo o que podia ver era uma parede de músculo cinzento. Era um tubarão-branco.
Apenas um metro atrás de Elyse, entre ela e o barco, Trevor estava espantado por ver um enorme torpedo cinzento passar por ele deixando um rasto de água. Por uma fração de segundo, pensou que devia ser um dos golfinhos amistosos, antes de ver, horrorizado, uma criatura com o dobro do tamanho de uma pessoa adulta agarrada às duas pernas de Elyse.
As suas enormes mandíbulas morderam através do fato de mergulho desde abaixo dos joelhos até ao cimo das coxas. Momentaneamente soltou-a e depois deu uma poderosa segunda dentada para a agarrar melhor. Nesta altura, Elyse desmaiou.
Larga-a! Foi o único pensamento de Trevor quando se lançou ao tubarão numa tentativa de o fazer largá-la. Abrindo os braços ao máximo, agarrou o predador atrás da cabeça, num abraço de urso, e depois agarrou-se pela sua vida, enquanto batia violentamente na água. Tudo em seu redor era uma bruma de água vermelha. Incapaz de abraçar completamente aquele enorme e poderoso corpo, Trevor usou toda a força que tinha para se agarrar à sua pele áspera. Cego pela espuma vermelha, de súbito o tubarão atirou-o ao ar como se fosse uma boneca de trapos, mandando-o de cabeça para baixo, antes de mergulhar de novo. Mas Trevor não largou.
No meio do caos do tubarão a sacudir-se, das ondas manchadas de vermelho e do seu próprio medo, Trevor só tinha um pensamento – tinha de fazer o tubarão largar Elyse e tentar salvar-lhe a vida.
No barco era o caos. A sirene avisava os nadadores para saí-rem da água. Do seu pouso alto, Julie e Megan viam a água agitada ficar branca, depois cor-de-rosa e depois vermelha. Ninguém percebera que Elyse ainda estava na água. Tudo o que viam era a forma sólida de Trevor a ser atirada de um lado para o outro, as pernas a voarem enquanto o tubarão o tentava sacudir.
Elyse, com o tubarão ainda a abocanhar-lhe as pernas, sangrava profusamente, de artérias cortadas. Recuperando os sentidos, e com a força que lhe restava, tentou dar um murro no nariz do tubarão. Elyse lembrou-se do tornozelo. Procurando em baixo, e sem saber como, conseguiu ligar o botão do repelente de tubarões. Assim que o fez, perdeu de novo os sentidos. A bracelete repelente de tubarões funciona enviando um impulso elétrico direto ao nariz do tubarão, provocando-lhe espasmos musculares desagradáveis. Trevor ainda estava no seu abraço de tudo ou nada quando a criatura terá sentido o desconforto do sinal de alta frequência. Parou imediatamente de se agitar. E assim como apareceu, fez ricochete a toda a velocidade em direção ao alto-mar. À medida que o animal ganhava velocidade para se afastar da tortura silenciosa do repelente, o abraço de Trevor desfazia-se simplesmente.
Com a água a acalmar, Trevor pôde ver que Elyse se estava a afundar. Não tinha a máscara, e os olhos estavam abertos enquanto ela se afundava cada vez mais. Ele mergulhou e agarrou-a no fundo do oceano.
Os turistas apressavam-se a sair da água para a plataforma ao nível do mar, na retaguarda do navio, quando perceberam que Trevor tinha Elyse, e juntaram-se todos de volta para a puxar para segurança. O tubarão tinha-lhe desfeito as pernas, mas o fato de mergulho estava em bom estado e mantinha o que restava das pernas no lugar. Trevor segurou-lhe a cabeça e confortou-a enquanto um paramédico e uma enfermeira de entre os passageiros trabalhavam para a estabilizar, enfaixando-lhe as pernas e levantando-as para impedir a perda de sangue. Durante a cirurgia de emergência, os médicos removeram três quartos de um dente de tubarão que estava alojado no osso da sua coxa esquerda, e coseram-lhe as feridas com mais de 200 pontos nas coxas e pernas.
Peritos em tubarões calculam que o atacante estivesse atrás do golfinho-bebé, e a sua presença explica o comportamento estranho do bando.
Elyse fez as pazes com a amiga imediatamente. Se não teve outro efeito, pelo menos a terrível experiência ensinou-lhe que cada momento com as pessoas que lhe são queridas são algo precioso. Levou vários meses a conseguir andar sem muletas e ainda tem dores ocasionais nas pernas.
Trevor recebeu a Estrela de Coragem, uma das maiores distinções da Austrália para a valentia de civis.
Recentemente comprou uma máscara e um respirador, um fato de mergulho e um cinto de pesos para praticar snorkel. A sua maior preocupação é que as pessoas aprendam a respeitar os hábitos dos tubarões. «Só fazem o que a sua natureza manda», diz.
Entretanto, Julie está mais convencida do que nunca de que o convés de observação é o lugar mais seguro para se estar.