NOS ÚLTIMOS 14 ANOS, as Selecções do Reader’s Digest têm pedido aos consumidores de todo o mundo que nomeiem as suas marcas de confiança. Este ano, pela primeira vez desde 2008, também quisemos saber junto dos nossos leitores na Europa quais as nações e povos em que mais confiavam e os que menos lhes mereciam confiança. No fim de contas, pode-se dizer que um país é uma espécie de marca: tal como as pessoas de todo o mundo formam a sua própria ideia de empresas como a Porsche ou o McDonalds, também existem determinadas características, positivas ou negativas, que estão frequentemente associadas a determinadas nacionalidades.
EM QUEM CONFIAMOS, ou de quem desconfiamos mais? E o que é que a nossa opinião diz daqueles sentimentos fortes, complicados e tantas vezes contraditórios que todos temos relativamente aos outros e que assentam em séculos de conflitos e coexistência?
Comecemos pelo começo: perguntou-se aos entrevistados se confiavam nos povos de 20 países europeus (incluindo a Rússia), mais a China, a Índia, o Irão e os Estados Unidos. Os dois países cuja população, para os europeus, parece ser mais confiável são a Suécia e a Suíça e, quando se observam as características que esses países personificam, é muito fácil perceber a razão de tal confiança.
Ambas as nações somam pontuações muito altas em inquéritos, sendo consideradas excelentes para se viver. Têm populações relativamente pequenas, com poucos problemas de integração racial e religiosa, comparadas com outras sociedades multiculturais e maiores.
As duas estão entre as nações mais ricas do mundo. A Suíça tem a maior riqueza per capita do mundo, e é classificada por estudos internacionais como um dos países menos corruptos do mundo, e com a economia mais competitiva.
A Suécia, por seu turno, é considerada o segundo país mais democrático do mundo (apenas atrás da vizinha Noruega), com a quarta economia mais competitiva e uma das mais equitativas distribuições da riqueza.
Há ainda outro fator que ambos têm em comum: a neutralidade. Quer a Suécia quer a Suíça ficaram de fora dos conflitos mundiais e mantiveram-se à margem do Bloco Soviético e da NATO durante a Guerra Fria.
Como explica Mikael Hjerm, professor de sociologia na Universidade de Umeå, na Suécia, cujo foco académico está precisamente no nacionalismo e da identidade europeia, «as pessoas que estiveram expostas a ameaças são menos propensas a confiar nos outros, porque a confiança diminui para com o que é visto como agressor. A neutralidade é, neste sentido, positiva».
A ALEMANHA ESTEVE no centro dos dois conflitos mundiais do século XX e, mesmo atualmente, não consegue furtar-se à sombra do seu passado nazi. Mas, apesar disso, as qualidades da sua população são claramente percebidas em todo o mundo. Os alemães são considerados muito educados, disciplinados, trabalhadores empenhados e honestos.
Mas os nossos sentimentos não são tão simples quanto parecem. Num relatório separado datado de 2013, do Estudo de Atitudes Globais do Centro de Pesquisa Pew, sediado nos Estados Unidos, os alemães surgem como os mais globalmente confiáveis da União Europeia, tal como no nosso estudo. Mas também são vistos como os mais arrogantes e menos compassivos. Assim, o facto de alguém confiar noutro alguém não significa necessariamente que se nutram sentimentos de estima ou de carinho. Tão-pouco a confiança, enquanto emoção, é tão razoável quanto pode parecer ao primeiro olhar.
UM DOS RESULTADOS MAIS intrigantes da pesquisa deste ano vem dos entrevistados em França. A primeira surpresa tem que ver com a sua atitude para com os vizinhos britânicos.
Na nossa pesquisa, a maior parte dos europeus considera os britânicos dignos de confiança. Mas os franceses têm uma perspetiva diferente. Apenas 28% confiam na população britânica. E no estudo do Centro de Pesquisa Pew declaram que os britânicos são a nação menos compassiva da Europa. No entanto, ambos os resultados parecem ir contra todas as evidências. É que, por exemplo, apesar de os franceses dizerem que não confiam nos britânicos, a verdade é que há um movimento migratório sem precedentes para aquele país, em particular para Londres. O consulado francês em Londres estima que existam atualmente pelo menos 270 mil franceses e francesas residentes.
Os imigrantes franceses na Grã-Bretanha tendem a ser profissionais jovens e ambiciosos que parecem confiar mais na «Ilha» do que na sua terra natal para singrar na vida. Da mesma forma, a noção de que os britânicos não são compassivos não é corroborada pelos factos. Segundo o Índice de Solidariedade Mundial, mais de três quartos dos britânicos doam dinheiro todos os meses, uma proporção maior do que em qualquer outro país da Europa. Entretanto, segundo o mesmo Índice, os franceses são atualmente considerados os menos solidários do Velho Continente.
As atitudes podem dizer dos franceses tanto quanto eles falam dos britânicos, sugere Nadège Alezine, uma jornalista francesa que trabalha para uma página da Internet dirigida a franceses que vivem e trabalham em Londres. «Possivelmente, os franceses percecionam os britânicos como pouco compassivos, porque o Reino Unido sempre se distanciou da Europa. As ameaças de David Cameron de sair da União Europeia enervam os franceses porque eles estão habituados a ser mimados e protegidos pelo seu governo.»
APESAR DE NÃO PENSAREM muito bem dos britânicos, a verdade é que os franceses também não pensam muito bem de si próprios, atribuindo-se uma classificação de confiança de apenas 27%. «Estes resultados não me surpreendem», diz o professor Dominique Bouchet, académico francês residente na Dinamarca, especialista em alterações sociais e diferenças culturais. «Sempre existiu uma tradição de autocrítica entranhada na psique francesa que é muito diferente dos outros países.
Atualmente, os franceses não confiam no sistema vigente e sabem que há reformas que têm de ser feitas. As pessoas de fora continuam a ver a França como um país eficiente, artístico e de cariz internacional, mas, internamente, há esse descontentamento.»
E os franceses não estão sozinhos na autocrítica. Os romenos são considerados os menos confiáveis da nossa pesquisa e mais de metade dos romenos concorda e considera que não são dignos de confiança.
Por outro lado, as nacionalidades consideradas mais confiáveis – os suíços, os suecos, os alemães e os austríacos – depositam muita confiança nos outros. Todos eles, por exemplo, confiam nos franceses mais – quase duas vezes mais – do que os franceses confiam em si próprios.
Este padrão faz todo o sentido para o professor Hjerm: «Num país de confiança, as pessoas têm experiências positivas e não veem razões para não confiar nos habitantes de outros países. Mas se se viver num país com baixos índices de confiança, onde não se confia nem no vizinho do lado, por que motivo se confiaria em estrangeiros?»
A mudança das circunstâncias também afeta a forma como nos relacionamos connosco e com os outros, e isso pode ver-se na forma como as notações de confiança se alteraram desde 2008. Neste período, quatro países viram as suas percentagens cair em mais de 20%: Portugal (-21%), Roménia (-29%), Espanha (-30%) e Itália (-33%).
É altamente improvável que as populações desses países tenham sofrido alterações significativas em termos de confiabilidade em apenas alguns anos. E 63% dos portugueses ainda confia em si «muito ou bastante», o que está bem acima da média do nosso estudo, sugerindo que a sociedade portuguesa não é composta por aldrabões e mentirosos. E, se é assim, porque é que a sua perceção se alterou tão profundamente?.
AS RESPOSTAS PODEM ser encontradas nos títulos dos jornais europeus dos últimos anos. A Itália, a Espanha e Portugal são três países fortemente associados à crise económica e com elevada dependência dos financiamentos do Banco Central Europeu e dos outros países e instituições da Eurozona. Entretanto, a Grécia não merece confiança por parte de 68% dos inquiridos: só a Rússia e a Roménia são vistas com piores olhos.
«A economia é um bom indicador de confiança», diz Tim Reeskens, cientista comportamental holandês, que estuda a coesão social na Europa. «É bastante lógico que a Grécia tenha uma baixa cotação, dado o seu atual clima económico. Receberam muita ajuda da Europa e talvez outros países acreditem que algum desse dinheiro que lhes foi atribuído tenha sido mal aplicado.»
No entanto, a economia não explica tudo. A Eslovénia, por exemplo, tem sido duramente atingida pela crise económica nos últimos anos e, apesar disso, mais de metade dos seus cidadãos ainda confiam uns nos outros. Assim, que outros fatores entram em jogo nas nações cuja confiança está em declínio?
Além disso, a Itália e a Espanha têm estado a braços com muitos escândalos de corrupção – em Itália, envolvendo o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, e, em Espanha, envolvendo a própria família real. Novamente, Tim Reeskens sugere que existe um efeito sobre a perceção da confiabilidade: «A perceção da corrupção desempenha um papel. A confiança vem de um bom governo e de instituições transparentes. Se olharmos para índices e rankings globais de corrupção, vemos que estes resultados têm relação com a falta de corrupção percecionada. A transparência gera confiança.»
Estas alterações na confiança podem acontecer muito depressa. Nos anos entre 2008 e 2013, a confiança na Rússia entre os leitores das Selecções aumentou de uns míseros 11% para 16%. Mas os acontecimentos na Ucrânia são suscetíveis de fazer que muitos europeus sintam medo e fiquem, assim, mais desconfiados.
PODE PERGUNTAR-SE: a confiança, ou a falta dela, importa realmente? A resposta é um inequívoco «sim». Muitos estudos mostram um medo crescente no aparentemente inexorável declínio económico, levando a uma falta de fé, que se estende a todo o continente, no atual sistema político. Em 2012, a empresa de sondagens YouGov levou a cabo uma sondagem sobre «Atitudes Transnacionais em Relação à Europa» junto das populações do Reino Unido, França, Alemanha e Itália.
A sondagem mostrou que os britânicos estavam mais do que nunca insatisfeitos relativamente à posição do seu país na Europa. Cerca de 60% queriam uma relação política e económica mais independente, contra apenas 14% que desejavam uma integração mais efetiva.
Entre os outros europeus, as atitudes são bem diferentes. Por toda a Alemanha, França e Itália há mais apoiantes do que detratores de um presidente da União Europeia eleito como nos Estados Unidos e de um exército europeu unificado. Mais de 60% dos italianos querem os Estados Unidos da Europa, completamente integrados, tal como 40% dos franceses e mais de um terço dos alemães. E há grandes quantidades de pessoas que dizem preferir a filiação na União Europeia, com laços mais estreitos entre os países-membros.
Este ano, a YouGov realizou uma sondagem semelhante com inquiridos entre os britânicos, alemães, franceses e suecos. Quanto aos britânicos, não estão mais amigos da Europa do que antes. Apenas 5% querem mais integração europeia, e só 19% defendem a manutenção da União Europeia tal como está, o que leva a que a percentagem de europeístas no Reino Unido seja somente de 24% do eleitorado.
A descoberta mais surpreendente, no entanto, é a de que os outros três países se tornaram quase tão eurocéticos quanto o Reino Unido. Os que se manifestam a favor de mais integração ou da manutenção da UE tal como está somam apenas 26% na Suécia, 32% em França e 40% na Alemanha. A União Europeia enfrenta agora uma devastadora crise de confiança.
Mas a verdade é que se pode dizer que a crise é transversal. Por toda a Europa, a população está a perder a fé nas instituições, sejam elas políticas, religiosas, financeiras ou de comunicação social. As pessoas sentem-se enganadas, ignoradas e empobrecidas. E neste clima de desconfiança, ouvem-se cantos de sereia anunciando inimigos para odiar, alvos a abater, soluções simplistas para os problemas do quotidiano.
«A confiança é muitas vezes considerada um pré-requisito da democracia liberal, sem confiança não pode haver sociedade», explica o professor Hjerm. «Assim, a menos que as pessoas confiem umas nas outras, vai ser muito difícil não apenas a cooperação política, mas também as transações comerciais e as reuniões quotidianas dentro da União Europeia. Isto é extremamente importante.»
Consequentemente, a Europa precisa de redescobrir a confiança em si e nos outros.
Talvez devêssemos perguntar à população da Suíça ou da Suécia como é que isso se faz.