TEXTO: CARLOS COUTINHO / MÁRIO COSTA
FOTOS: PAULO ALEXANDRINO
AS TRADICIONAIS FESTAS DO POVO, de Campo Maior, são únicas no mundo. E por duas razões: a primeira, porque só acontecem quando o povo quer (as últimas realizaram-se em 2011, depois de uma interrupção de sete anos); a segunda, por serem as únicas em que as ruas são totalmente cobertas com flores de papel.
A primeira edição das festas remonta ao longínquo ano de 1909, o que atesta esta tradição secular e motiva o povo de Campo Maior a querer vê-la classificada, já em 2017, como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO – organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. O dossiê da candidatura foi já apresentado e entregue ao Ministério das Finanças para que possa seguir os trâmites legais obrigatórios nestes processos. Além da apresentação do dossiê de candidatura, estão previstas outras iniciativas de promoção do projeto – que ainda estão no segredo dos deuses – e a instalação de um Museu das Festas do Povo, que permitirá que todos os visitantes de Campo Maior experienciem, por intermédio de tecnologia multimédia, a sensação de atravessar as ruas engalanadas, mesmo em anos em que as Festas do Povo não se realizem.
As Selecções do Reader’s Digest, em parceria com a Rádio Sim, estiveram em Campo Maior neste ano tão especial, para medir o pulso à motivação e ao empenho da população. E se dúvidas houvesse, ficariam todas desfeitas: não há campomaiorense que não queira ganhar o galardão da UNESCO. Um dos maiores entusiastas destas festas e apoiante da candidatura é o comendador Rui Nabeiro, campomaiorense ilustre, acérrimo defensor da sua terra e das suas gentes, desde muito novo envolvido na realização das festas e seu impulsionador como empresário e autarca antes e depois do 25 de Abril. Nas suas palavras, as festas estão-lhe «totalmente na alma». Porquê? «Porque comecei muito cedo a vivê-las. É preciso sempre gente que colabore, que idealize; de modo que eu sempre estive ligado, desde muito jovem, às comissões da festa, ao entusiasmo, e comecei muito cedo a ser responsável e a ter uma ligação à nossa comunidade», explicou Rui Nabeiro, o homem forte do grupo Delta.
O empresário esteve sempre envolvido nestas festas, mas nunca chegou a ser «cabeça de rua», o nome dado à pessoa que fica responsável por liderar a conceção e a instalação das flores na rua onde habita. «Isso nunca fui; a minha especialidade foi sempre outra. Há alguns homens que são “cabeça de rua”, mas a maioria são senhoras. Têm de ser pessoas extramente habilidosas, que saibam mexer em determinados materiais, que os saibam transformar em coisas duras, ou suaves, quase doces, bonitas. Eu sempre fui um entusiasta, mas o que é que eu podia trazer para Campo Maior e para as festas? Fui autarca muito cedo, nos anos 50, 60, e nesse tempo era preciso ter audácia para fazer alguma coisa. Nessa altura percebi que as festas poderiam ser uma mais-valia para deixarmos de ser apenas uma terra de lavoura e de trabalho no campo. Eu estive sempre mais no apoio às comissões que faziam parte da organização, a dar-lhe o entusiasmo e a ajudar a conseguir os apoios materiais e financeiros, porque o problema destas iniciativas é o custo. E é preciso saber como se arranjam receitas para esse custo. Eu já tinha uma empresa. Ainda era pequena, mas já tinha alguns resultados. Assim, a nossa empresa foi dando suporte, e isso acontece há dezenas de anos.»
Visionário e com sentido de oportunidade, Rui Nabeiro depressa percebeu, ainda como autarca, que as festas – e como elas Campo Maior – só ganhariam projeção com a abertura aos turistas espanhóis. Mas havia uma fronteira fechada que impedia essa aproximação: «Nós tivemos sempre uma fronteira com Espanha, mas depois da guerra, essa fronteira ficou encerrada, e só voltou a abrir após o 25 de Abril de 1974. Na ocasião, com aquele entusiasmo, consegui que as nossas festas se fizessem por dois anos seguidos, em 1964 e 1965, e, com a ajuda de amigos meus do município espanhol vizinho, tentámos a abertura da fronteira. Mas não conseguimos. Eu entretanto saí da Câmara de Campo Maior, e só voltei em 1972. Nessa altura, investi dinheiro meu e da autarquia, e fizemos umas festas que tiveram o arranque máximo – tal como as que temos hoje.»
DEPOIS DE O POVO DAR RECONHECIMENTO a esta arte ancestral de fazer flores de papel, que se traduz em mais de um milhão de visitantes por edição, falta agora o reconhecimento da UNESCO, que Rui Nabeiro considera ser possível.
«Eu tenho esperança que não será difícil. É algo que foi apresentado com todos os dados, que foi estudado; o dossiê foi preparado por uma equipa de pessoas com conhecimentos e especializada neste tipo de processos. Estou convencido de que nos vai sorrir. Mas sorrindo ou não sorrindo, o momento é de luta, e se é de luta temos de continuar de a lutar. Não há hipótese de não nos reconhecerem. Há coisas tão objetivas, tão claras, tão evidentes, que não é possível», defende Rui Nabeiro.
Rui Nabeiro é uma figura ímpar em Portugal. Empresário de renome e filantropo, muito do desenvolvimento que Campo Maior tem vivido se deve ao seu entusiasmo e vigor. E por isso ele não poderia deixar de estar intimamente ligado à candidatura que vai ser agora apresentada à UNESCO. Há quem defenda que muitos dos argumentos do dossiê têm a sua influência, a sua marca pessoal, o seu entusiasmo. O comendador admite que apenas colhe o que semeou: «É daquelas coisas. Com a graça da Providência, trabalhei para isso. É, como se diz, uma bênção. De se receber bem, de se ser bem tratado, e essas coisas acontecem quando nós sabemos receber. Eu sou um esforçado nesta minha natureza de tratar bem e receber melhor. Quem semeia colhe, quem distribui recebe. E é isso que eu tento fazer diariamente.»
E esta é a filosofia de vida de Rui Nabeiro. E tudo à sua volta parece dar-lhe razão.
As Conversas na Praça são uma parceria Selecções Reader´s Digest / Rádio Sim. Pode ouvir esta entrevista em www.radiosim.sapo.pt