Em território nacional, na safra de 2019/2020 colheram-se 907 mil toneladas deste fruto que tem mais de duas mil variedades. O Alentejo lidera a produção. E apenas um produtor tem 10 milhões de oliveiras, uma por cada português! Fomos conhecer o processo de fabrico da Oliveira da Serra.
Todo o processo começa no olival com a apanha da azeitona. Depois de recolhidas, as azeitonas são transportadas do olival para o lagar, onde se inicia o processo de extração do azeite. O facto de o lagar estar muito próximo do olival permite um menor tempo entre a apanha da azeitona e a extração do azeite, o que garante uma melhor qualidade do azeite.» A explicação é de Miriam Dias, guia do Lagar Oliveira da Serra, em Ferreira do Alentejo, onde a empresa tem um olival com mais de 10 milhões de oliveiras.
Devido à criação do grande lago da barragem do Alqueva e aos regadios criados, o Alentejo é a zona do país que mais azeitona produz. Também não será alheia a transformação dos velhos olivais tradicionais em olivais modernos, com a consequente aposta em lagares mais modernos e em sistemas de produção mais eficientes e maiores áreas de cultivo. No caso da Oliveira da Serra, os olivais estão localizados em vários concelhos: «Temos mais de 10 mil hectares plantados nas regiões do Alto e Baixo Alentejo. Gerimos esta produção a partir de Ferreira do Alentejo, Campo Maior, Elvas e Avis. Exploramos campos com consciência e respeito pela natureza», garante a nossa guia.
Segundo dados mais recentes, no Alentejo produziu-se 76% da azeitona colhida em Portugal, três vezes mais do que em 1999.
Antigamente o azeite era feito em lagares com moinhos de pedra para amassar a fruta. Estes moinhos eram movidos pela força de animais ou pessoas, esmagando as azeitonas para produzir uma pasta viscosa. A pasta era depois colocada em capachos de serapilheira, que eram prensados para fazer a separação entre o precioso líquido e o bagaço daí resultante, que a seguir era usado na agricultura. Este método ainda se usa em lagares particulares, nomeadamente na região da Beira Alta e Alto Alentejo.
Contudo, a moderna produção industrial – como a da Oliveira da Serra – não se compadece com métodos antigos, e hoje todo o processo de extração é mecanizado. Quando a azeitona chega ao lagar é descarregada diretamente para um tegão, seguindo depois por um tapete rolante para um processo de lavagem, onde as azeitonas são limpas de ramos, folhas e pó resultantes da apanha mecânica. Depois de lavada e pesada dá-se a «moenda», as azeitonas são trituradas nos moinhos de martelos e formam uma pasta, constituída pela pele, a polpa e o caroço.
A pasta segue para a sala de extração e é direcionada para a batedeira, que irá homogeneizar a pasta de azeitona com controlo de temperatura e tempo. Este processo permite a junção das gotículas de azeite e facilita a separação do azeite dos outros constituintes.
O próximo processo é a centrifugação, que separa a fase sólida da fase líquida. O azeite e o bagaço (caroço, polpa e pele) são separados por efeito da força de rotação a alta velocidade.
No final, faz-se outra centrifugação, desta vez entre fases líquidas, e a água e o azeite são separados. O azeite é colocado em quatro depósitos, onde fica a decantar durante vinte e quatro horas. Depois de produzido, o azeite é submetido a análises físico-químicas e organoléticas que permitem classificá-lo. A seguir entra na sala de armazenamento, onde é conservado em depósitos de aço inoxidável num ambiente inerte. Nesta sala existem 48 depósitos, com capacidade para armazenar 4 milhões de litros de azeite.
«A partir destes grandes depósitos, o transporte do azeite é feito em camiões-cisterna para a fábrica de embalamento, onde é engarrafado e rotulado para seguir para os nossos clientes, chegando finalmente à mesa dos consumidores», explica Miriam Dias.
Curiosamente, apenas 20% de uma azeitona é azeite, o que significa que sobram muitos componentes. No caso da Oliveira da Serra, esses componentes são todos reaproveitados: «As folhas de oliveira servem para fertilizante ou para a alimentação dos animais, as águas da lavagem da azeitona são enviadas para uma lagoa, onde são tratadas e depois usadas para regar.
Os caroços são usados como biomassa para aquecer a caldeira do lagar, e o bagaço é vendido para a produção de energia. Nada se perde, tudo se transforma», salienta Miriam Dias, da Oliveira da Serra.
Dos tempos iniciais da produção de azeite e do uso das prensas com capachos ficou, curiosamente, a expressão «primeira prensa a frio» ou «extração a frio», referindo-se ao azeite extra virgem. Como a pasta era prensada diversas vezes para extrair todo o azeite da polpa, da primeira prensa resultaria o azeite extra virgem e, portanto, de melhor qualidade, de acordo com o que se conhecia na época.
Mas ainda hoje é assim, apesar da tecnologia: «A extração a frio é um processo que mantém os nutrientes e as vitaminas do azeite. Os azeites produzidos com este método de extração são de melhor qualidade, como é o caso dos nossos azeites. Este processo ocorre com controlo de temperatura e tempo, o azeite é extraído a uma temperatura até 27ºC.
O controlo da temperatura garante a máxima qualidade do produto e conserva as suas propriedades organoléticas, sendo mais benéfico para a nossa saúde», garante Miriam Dias.
A azeitona e a produção de azeite fazem parte da história da gastronomia desde tempos imemoriais, não como um simples ingrediente mas como um dos seus principais protagonistas. Basta pensar na chamada dieta mediterrânica, ou na utilização que lhe davam os povos de há cinco mil anos que habitavam nas margens do rio Nilo. Estas civilizações conheciam a utilidade da oliveira, da azeitona e do azeite, que eram tidos como um presente de Ísis, a protetora da fertilidade. Ramos de oliveira ornamentaram o sarcófago do faraó Tutankamon, travessas de azeitonas rodearam o seu esquife para que se alimentasse na viagem da vida eterna. Usava-se o azeite como combustível de iluminação e na medicina, pois acreditava-se que proporcionava energia e juventude. Também foi usado no fabrico dos primeiros produtos de cosmética. O curioso é que o solo e o clima do Egito em nada favoreciam o cultivo da oliveira, por isso tiveram de ser trazidas da Judeia e da Assíria.
Aquela que é considerada uma das mais antigas árvores da Terra encontrou em toda a Península Ibérica um local onde se adaptou bem e se expandiu. Para isso não foi alheia a importância que os povos lhe deram, bem como a qualidade dos solos. E será que o terroir, tal como nos vinhos, influencia a qualidade do produto final? Miriam Dias diz que sim: «O azeite é o sumo das azeitonas que tem origem no fruto de um determinado terroir, é a expressão da sua terra. Existem diversos fatores que influenciam o fruto, entre os quais a região, o solo, o clima, a altitude, o tipo de cultivo, o estado de maturação e a variedade da azeitona. Todos estes fatores permitem que o azeite tenha características próprias e sabores e aromas únicos.»
Existem mais de cinco mil tipos de azeitona no planeta, mas, destas, apenas cerca de duas mil podem ser usadas para a produção de azeite e são escolhidas pelo produtor em função do tipo de azeite que pretende obter, tendo em conta fatores como a intensidade: «Ao contrário do que se pensa, as azeitonas não se distinguem apenas em verdes e pretas, não é só no grau de maturação que variam. Existem milhares de variedades distribuídas por todo o Mediterrâneo e pelo resto do mundo. As variedades possuem diferentes características e origens, por isso no azeite as variedades irão pronunciar-se de uma forma diferente. Esta diversidade de variedades permite-nos criar azeites únicos, com aromas e sabores distintos. Selecionámos as variedades que melhor se adequam ao nosso terroir tendo em conta o perfil de azeite que irão produzir, para que possamos extrair os melhores azeites. As variedades de azeitonas mais presentes no nosso olival são a Arbequina, a Cobrançosa e a Arbosana. O que torna o azeite mais suave ou intenso são as variedades e o grau de maturação utilizados.
Quanto mais verdes, mais intensos são os azeites. As azeitonas colhidas mais verdes originam azeites mais frescos, verdes, amargos e picantes, enquanto as azeit nas mais maduras originam azeites mais doces e suaves», refere Miriam Dias.
Situação diferente é a da acidez, uma das características que levam o consumidor a optar por um ou outro azeite no momento da compra. Mas o que é a acidez? «A acidez avalia o processo produtivo e o estado das azeitonas no momento da colheita. A acidez que encontramos no rótulo é um parâmetro químico, detetável em análises laboratoriais, que não é sensível e percetível no paladar. O que confere ao azeite os aromas que o paladar e olfato identificam são os compostos voláteis e não ligados à acidez. A acidez depende do estado fitossanitário das azeitonas, enquanto o sabor e o cheiro dependem de compostos menores, como vitaminas e antioxidantes. Não compramos um vinho pela percentagem de álcool, por isso, quanto ao azeite também não se deve fazer em relação à acidez», defende Miriam Dias, da Oliveira da Serra.
E tal como numa produção vinícola, onde se podem fazer vinhos apenas com uma casta ou com a harmonização de várias castas, também na produção do azeite podem obter-se azeites baseados apenas num tipo de azeitona ou numa mistura, os chamados blends, como acontece com os azeites Oliveira da Serra: «Azeites monovarietais são azeites produzidos apenas com uma variedade de azeitona. Os blends são formulações que nós criamos – definimos o perfil que queremos ter no azeite, em termos de sabor e aroma, e depois fazemos a mistura de dois ou mais azeites elaborados com diferentes variedades de azeitonas de modo a criar o perfil pretendido. Nós produzimos azeites monovarietais e blends, sendo a maioria blends», explica Miriam Dias.
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CURIOSIDADES DA COLHEITA OLIVEIRA DA SERRA
. Apanha sete dias por semana, durante o período diurno.
. O sistema de rega usado no olival é gota a gota – mais eficiente, sem desperdícios.
. Rega controlada por telemetria e com o apoio de estações meteorológicas no olival, para identificar as reais necessidades da planta e os níveis de água no solo.
. Processo de apanha mecanizado, que garante melhor qualidade do azeite obtido e rapidez da colheita.
. As azeitonas mais utilizadas pela Oliveira da Serra são a Arbequina, Cobrançosa e Arbosana.
. Ao fazerem a apanha numa área correspondente a 1000 hectares de olival intensivo, as máquinas percorrem o mesmo que viajar do Algarve aos Pirenéus.
. Como o Sol favorece o crescimento saudável da azeitona, para que estas consigam apanhar a maior radiação solar possível as oliveiras da Oliveira da Serra estão plantadas na direção norte-sul e com o auxílio de sistema GPS.
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AZEITE DOP OU IGP?
DOP significa Denominação de Origem Protegida e garante que os azeites são produzidos numa área geográfica delimitada, em condições de solo e clima próprios e a partir de variedades específicas de azeitona definidas para essa zona. No nosso país existem seis regiões com certificação DOP: Azeite de Trás-os-Montes, Azeite da Beira Interior, Azeite do Ribatejo, Azeite do Norte Alentejo, Azeite do Alentejo Interior e Azeite de Moura. IGP significa Indicação Geográfica Protegida e é uma certificação oficial regulamentada pela União Europeia atribuída a produtos gastronómicos ou agrícolas tradicionalmente produzidos numa região.