Meio século já é muito tempo, por isso propomos uma viagem na máquina do tempo para reavivar as memórias da televisão a preto e branco, dos heróis da matiné, o nosso tempo do «bê-á-bá», a primeira classe, quando conhecíamos apenas cinco letras mas já tratávamos por tu alguns heróis que ainda frequentam a nosso imaginário coletivo. O tempo em que 20 escudos eram uma nota de Santo António e os documentos tornavam-se oficiais se fossem escritos em papel selado. Afinal, meio século não foi há muito tempo. É de ler, fechar os olhos e voltar a ver tudo outra vez. Faça suas as minhas memórias, mesmo assim fica muito por contar e conversar.
NO TEMPO DA PALMATÓRIA... quem não se lembra do primeiro dia de aulas na escola primária? Todos alinhadinhos com a bata imaculadamente branca e engomada, só no primeiro dia. No bolso do lado esquerdo, o nome bordado a azul. Do material que ia na pasta logo no primeiro dia, constava uma lousa nova, uma tabuada, um pon- teiro de ardósia, um lápis vermelho-es- curo da Viarco, uma BIC (coisa fina para a altura) e um pedacinho de pano que, com cuspo, servia para «fazer reset» à lousa nas contas de somar. Ficava como nova, sem marca nem rasura da conta anterior. Na segunda classe, já todos tinham que saber a lengalenga das linhas do comboio e o percurso dos principais rios, de cá e do Ultramar.
Quem fez a escola há cinquenta anos recorda-se de que aprendemos todas as estações a apeadeiros de uma grande rede de ferrovia que foi enferrujando tal como o sistema, e da qual já hoje pouco sobra. Éramos chamados, um a um, ao quadro, para termos a conversa na ponta da língua, fosse o longo percurso da linha do Tua ou a sinuosa rota dos rios, por onde passavam, todas as aldeias e vilas, nomes decorados para não falhar, para não levar uns bolos... as réguas de má memó- ria nas mãos quentes e vermelhas.
Para quem viveu esse tempo, ainda lá andam uns neurónios teimosos que guardam algumas dessas informações como quem joga pingue-pongue numa sala vazia. Às vezes lá se solta uma dessas can tilenas: «O rio Minho nasce na Galiza, em Espanha, passa por Melgaço, Monção, Valença... E desagua em Caminha... Tem como afluentes» – e lá seguíamos por ali fora, a desfiar o saber pela música das palavras.
É incrível como, cinquenta anos depois, ainda recordamos a música que nos foi metida na cabeça. Se bem se lembram, pior era ter que saber todos os rios, afluentes, linhas de com- boio e distribuição administrativa das ex-colónias.
É desse tempo que vem a expressão «erros de palmatória». Uns chamavam-lhe, pomposamente, a menina-dos-cinco-olhos. Parecia uma colher de pau, acha-tada, muito temida pe- los mais reguilas, os «fala-barato» e os copiões. Os cinco olhos eram uns buraquinhos que deixavam passar o ar, aumentavam a velocidade e, claro, faziam doer mais a pancada certeira da professora. A palmatória entrou em desuso, mas continuaram as «reguadas» que nos deixavam as mãos a ferver.
A «CHICLA» ... quem não teve uma «chicla» a rebentar-lhe na cara de tanto ensaio até conseguir fazer aqueles balões como devia ser. A técnica não era fácil. Tudo muito bem mastigado, um jeitinho de língua, soprar devagar e fazia-se uma bola quase perfeita. No recreio da escola primária, acabavam com o barulho do balão a rebentar – poff! – e, na cara, uma máscara de tom avermelhado. Quando aquela película pegajosa das Piratas se colava ao rosto, era como cola. Se a pastilha caía ao chão, não fazia mal: soprava-se e toca a mascar de novo, pois não se podiam desperdiçar os 25 tostões que cada uma custava. As chicletes ainda hoje são das…
Leia o artigo completo na edição da Revista Selecções de Abril 2020. Compre já