DUAS VEZES POR ANO, dispo-me até ficar em roupa interior e submeto-me a um exame de corpo inteiro no consultório do dermatologista. Faço-o com o dobro da frequência da maior parte das pessoas – e por boas razões. Não só tenho pele sardenta e clara, como tive uma relação pouco saudável com o sol, o que me torna mais suscetível ao cancro da pele.
Durante a minha adolescência e até aos vinte e muitos, quando fui salva-vidas e monitora de colónias de férias, passei a maioria dos meus verões ao ar livre. Como os meus colegas, queria conseguir o bronzeado perfeito. Usava protetor, mas apenas fator 4 – quase nenhuma proteção por comparação com o que os médicos recomendam atualmente.
Agora, estou a pagar o preço. Na década que passou já tive um punhado de sinais suspeitos removidos. Recentemente, o meu dermatologista mandou-me a um fotógrafo-médico para uma sessão fotográfica de todo o corpo, a fim de documentar os meus sinais, caso mudem.
A minha situação não é única. Inúmeras pessoas em todo o mundo não se protegeram adequadamente dos raios ultravioleta do Sol durante a juventude. Décadas atrás, os médicos não davam sermões sobre proteção solar, e os investigadores não tinham ainda percebido que os raios solares ultravioleta podem causar mudanças na pele que podem levar ao melanoma, a forma mais mortífera de cancro da pele.
«Pensa-se que a razão mais importante para o aumento de melanomas é a maior exposição às radiações ultravioleta do Sol e fontes de bronzeados artificiais», diz John J. DiGiovanna, clínico do departamento de dermatologia do Centro de Investigação do Cancro do Instituto Nacional do Cancro, em Bethesda, Maryland, Estados Unidos.
O melanoma é apenas o nono cancro mais comum diagnosticado na Europa, mas a sua incidência tem aumentado bastante desde os anos de 1980, seis vezes mais em alguns grupos.
«A cada ano que passa são diagnosticados 100 mil novos casos de melanoma na Europa», diz John Haanen, diretor de Oncologia no Instituto do Cancro da Holanda, em Amesterdão.
Os caucasianos são mais propensos a melanoma, especialmente os de pele clara, cabelo ruivo e sardas. O risco aumenta depois dos 40, especialmente entre quem adora o Sol. Muitos especialistas referem-se à incidência crescente como uma epidemia.
«Eu não lhe chamaria uma epidemia de melanoma, mas uma epidemia de cancro da pele», esclarece Reinhard Dummer, diretor do Centro de Cancro da Pele no Hospital da Universidade de Zurique. «Na Suíça, prevê-se que uma em cada cinco pessoas desenvolva cancros da pele uma vez na sua vida.»
Mudanças culturais ao longo de diversas décadas têm provavelmente culpa. Os fatos de banho ficaram mais pequenos, e as férias à beira-mar tornaram-se mais comuns, expondo pálidos trabalhadores de escritórios à intensa luz do sol, por períodos curtos.
«Na Europa, as viagens de avião de baixo preço aumentaram a possibilidade de as pessoas viajarem para climas mais quentes e ensolarados por uma semana aqui e ali», diz Alex Menzies, médico oncologista no Instituto do Melanoma da Austrália, o país com maiores índices de melanoma do mundo. «Exposição intermitente ao sol com queimadura é um dos principais riscos de melanoma.»
Mas mesmo que tenha tido décadas de exposição solar, há esperança.
TRATAMENTO PRECOCE
Quanto mais cedo notar o melanoma, maiores as suas hipóteses de cura. A cirurgia é o principal tratamento.
«Se detetarmos um sinal em mudança precoce, podemos ter uma esperança de vida praticamente normal», explica Girish Patel, investigador principal do Programa de Investigação de Células Estaminais no Cancro da Pele, da Universidade de Cardiff.
Exames regulares da pele e mudanças significativas de estilo de vida para limitar os danos do sol podem aumentar as hipóteses. Desde que Imogen Cheese, de 37 anos, oriunda de Gloucestershire, Inglaterra, soube que tinha um melanoma em estágio II em 2013, ela é examinada pela sua equipa médica de três em três meses. «Tapo-me para evitar o sol do meio do dia», diz Imogen. «Uso protetores solares de fator elevado, tenho uma vida ativa e uma dieta equilibrada e saudável.» Até agora o seu cancro não progrediu.
TERAPIA DIRECIONADA
Os investigadores deram grandes passos no tratamento do melanoma avançado. Uma opção é a «terapia direcionada», que pode ser dada a pacientes de estágio IV com mutações genéticas específicas.
Os investigadores do melanoma na Austrália têm estado envolvidos na pesquisa de terapia direcionada desde o seu começo, há cerca de sete anos. «Fazemos testes nos tumores para vermos se há algumas mutações em certos genes», diz o Dr. Menzies. «Direcionámos terapia que pode atacar a mutação BRAF, que se encontra em cerca de 50% dos tumores. Se dermos comprimidos para melanoma mutante BRAF, quase todos os doentes terão uma diminuição do tumor. Em média, mantém as coisas controladas durante um ano, e a taxa de sobrevivência ao fim de um ano aumentou para 70% – há cinco anos tínhamos 30%.»
Cinco anos depois de John Ambrose, de 67 anos, de Nova Gales do Sul, na Austrália, ter removido um melanoma de grau IV, começou a tossir sangue. A sua doença tinha-se espalhado para os dois pulmões e o prognóstico era mau. Inscreveu-se em testes clínicos de terapia direcionada em 2013 e, no espaço de três meses, os seus tumores tinham diminuído 70%. Passados 18 meses, tinha a radiografia limpa. Hoje, John viaja, joga golfe e passa tempo com os netos.
«A minha situação não me impediu de viver uma vida normal», diz.
O texano Jesse Thomas, de 57 anos, também beneficiou de terapia direcionada depois de ter o diagnóstico de melanoma em estágio IV em 2013, com tumores no pescoço, no fígado e na espinha. Testes genómicos revelaram que Jesse tinha uma mutação V600K BRAF incomum, e o seu oncologista pôde prescrever-lhe uma terapia direcionada.
«Eles esperam que o cancro pare de crescer, mas na realidade encolheu», diz Jesse. «Não há forma de o curar, mas eu sou controlável.»
A terapia direcionada é apenas para doentes de estágio IV, mas os investigadores estão a estudar os seus efeitos em pacientes de estágio III. «Deveremos saber dentro de um par de anos se estes tratamentos são benéficos», diz John Haanen.
IMUNOTERAPIA
Os investigadores têm sido capazes de estimular células T no sistema imunitário de alguns pacientes de melanoma para combaterem o cancro, com resultados espantosos.
«As células T matam vírus e outras coisas», diz Alex Menzies. «Mas, com o cancro, ficam ali a dormir em volta do tumor. Sabem que o tumor é “estrangeiro”, mas o tumor desligou-as, impedindo-as de o matar. Os medicamentos imunológicos ligam as células T e elas matam o tumor.»
Os investigadores do melanoma consideram a imunologia o maior avanço em décadas.
«Este é o nosso “momento penicilina” em oncologia», diz Menzies. «O melanoma pode ser transformado numa doença crónica, e muitas pessoas não morrerão num futuro próximo se continuarmos no caminho em que estamos.»
A imunoterapia não funciona para todos, mas pode ser bastante eficaz. Patel, da Universidade de Cardiff, diz-nos: «Nos cerca de 45% de pessoas que respondem bem, essa resposta pode durar períodos muito longos de tempo.»
Em 2013, Vicky Brown, de 62 anos, residente em Cardiff, ficou chocada por saber que um caroço no peito era na verdade melanoma e não cancro da mama. Tinha tido melanoma em estágio inicial em 2006, que regressou no peito e nos pulmões.
Através de um teste clínico, Vicky recebeu doses intravenosas de dois medicamentos de imunoterapia. No espaço de semanas, os seus tumores encolheram. Suspendeu a medicação devido aos efeitos secundários, mas manteve o melanoma controlado durante um ano. Em 2015, depois de aparecerem novos tumores nos pulmões, recebeu mais tratamentos de imunoterapia. De novo os medicamentos encolheram os tumores.
«Espero que estas doses me dêem mais tempo de novo», diz Vicky. «O meu neto tem nove meses. Quero ser capaz de lhe construir memórias, bem como à minha neta de quatro anos.»
Os investigadores esforçam-se para que mais doentes tenham uma resposta positiva ao tratamento. «A ideia é que, se o podemos fazer com alguns, possamos também ser capazes de o fazer com a maioria», resume Patel.
MEDICINA PERSONALIZADA
Durante anos, os investigadores tentaram criar uma vacina do melanoma, sem sucesso. Agora estão ao combinar o êxito da imunoterapia com o conceito das vacinas, levando a tratamentos de melanoma personalizados.
«À medida que compreendemos melhor como o sistema imunitário reconhece as células do melanoma, estamos a desenvolver as chamadas vacinas personalizadas», diz Haanen. «Estamos agora a começar em doentes metastizados e, se este conceito funcionar, seguiremos para estágios anteriores.»
Hein Jambroers, de 50 anos, a viver em Roermond, na Holanda, beneficiou de um tratamento personalizado chamado terapia celular adotiva (ACT). Foi-lhe diagnosticado melanoma em estágio II em 2009, mas um ano depois tinha a doença em estágio IV, com tumores na perna esquerda e no fígado, e disseram-lhe que tinha menos de seis meses de vida.
Depois de ter alguns benefícios de curto prazo com terapia direcionada, Hein foi transferido para testes clínicos de ACT em 2011. Médicos do Instituto do Cancro da Holanda recolheram alguns dos seus glóbulos brancos, depois monitorizaram-nos em laboratório para identificar as células T mais saudáveis para combater o melanoma. Foram replicadas em grande número. Hein recebeu quimioterapia para matar as suas células T, e depois recebeu uma infusão das células T criadas em laboratório, o que basicamente lhe deu um novo sistema imunitário, que reduziu os seus tumores no espaço de três meses.
É o que os médicos chamam «um respondedor absoluto». Tem radiologia limpa desde então, nenhum traço de melanoma.
«Os respondedores absolutos têm um excelente prognóstico», diz Haanen, que tratou Hein. «“Cura” é sempre difícil de dizer, mas verificam-se remissões de muito longo prazo – que podem ser cura – na maioria dos respondedores absolutos e em alguns parciais.»
Hein, que julgava que ia morrer, está cautelosamente otimista. «Estou sempre em estado de alerta», diz. «Sento-me à sombra. Protejo-me com cremes. Não quero tentar o destino.»
CÉLULAS ESTAMINAIS
Em breve os médicos poderão derrotar o cancro atacando células estaminais.
As células estaminais produzem milhares de células epidérmicas saudáveis. As células estaminais do melanoma funcionam de forma semelhante, só que fazem milhares de células malignas do melanoma. Os investigadores estão a visar as células estaminais do melanoma para impedir os tumores de se espalharem. «É como matar a abelha-mestra», diz Patel. «A colmeia toda acaba por morrer, porque apanhámos a célula que dá origem a tudo.»
Isto é muito diferente de quimioterapia, que procura matar o máximo de cancro possível. As células estaminais constituem apenas um a três por cento de alguns cancros de pele.
«Se nos livrarmos da população de células estaminais do cancro, o tumor inteiro não prolifera», explica Patel.
«Se tirarmos a maior parte de um tumor e o fazemos crescer num rato sem células estaminais, ele não se forma. Mas se o fizermos com uma pequena parte da população de células estaminais, ele cresce de novo por completo.»
Os tratamentos poderão estar disponíveis dentro de uma década.
APESAR DOS DANOS solares que suportei durante a juventude, estou otimista e acredito estar a fazer tudo o que posso para antecipar qualquer problema que surja. Agora tenho fotografias de todos os meus sinais e sardas, que uso para exames que eu mesma faço todos os meses. Irei trazê-las ao meu dermatologista no próximo exame. Também tenho educado os meus filhos nos valores do século XXI quanto à exposição ao sol – bastante creme solar com alto fator de proteção, chapéus e sombra – por isso tenho esperança em que a próxima geração não terá os problemas que a minha geração teve.