Bracha Goetz, de 63 anos, ficava muitas vezes acordada até tarde, a tentar imaginar enredos engraçados para os livros infantis que escreve. Quando adiava em demasia a hora de deitar, Bracha apercebia-se de que isso tinha efeitos negativos na sua saúde. «Dei conta de que me constipava facilmente quando dormia poucas horas, por isso comecei a fazer um esforço consciente para não ficar acordada até tarde», revela. Agora, assumiu o compromisso de dormir regularmente sete horas e meia.
Karina Michel Feld, de 42 anos, costumava ficar acordada até depois da meia-noite a confraternizar com os amigos, para acordar na manhã seguinte às 06h00. Sentia-se rabugenta e confusa o dia todo, o que lhe tornava difícil tomar decisões profissionais sensatas. Atualmente, Karina dorme entre sete a oito horas e acorda revigorada.
«Estar de melhor humor e ser capaz de tomar decisões claras durante o dia é fundamental», resume.
Além disso, muitas vezes tem sonhos cheios de significado que a guiam em decisões pessoais e profissionais. «Tem-me acontecido ir para a cama e, após dormir bem e ter sonhado, acordar com uma nova perspetiva ou direção», conta Karina.
PORQUE PRECISA DE DORMIR
Pode nunca ter pensado nas razões pelas quais precisamos de dormir todas as noites e, se for como a maior parte das pessoas, é provável que adie a hora de ir para a cama em favor de outras atividades. Porém, o tempo que passa na cama tem um impacto significativo na saúde física e mental.
Existem dois tipos de sono: o sono REM (rapid eye movement – movimento rápido dos olhos) e sono não-REM (sono profundo). Cada um deles tem impacto em diferentes aspetos do bem-estar: o sono não-REM ajuda o corpo a recuperar dos rigores do dia, e o sono REM auxilia a processar os pensamentos e a criar memórias duradouras com base nas experiências quotidianas.
O sono recuperador não-REM é o sono mais profundo. Também se chama sono de ondas lentas porque as ondas cerebrais abrandam significativamente. À medida que se vai do sono mais leve para o mais profundo, a respiração e o batimento cardíaco abrandam, os músculos relaxam e as ondas cerebrais diminuem ainda mais.
Por comparação, durante o sono REM – quando ocorre a maior parte dos sonhos – a respiração e os batimentos cardíacos regressam a níveis muito próximos do normal da vigília. O cérebro torna-se muito ativo e as pupilas mexem-se de um lado para o outro por debaixo das pálpebras. Os músculos ficam temporariamente paralisados durante o sono REM para sua segurança, caso tenha tendência a fazer coisas durante os sonhos.
Até os animais têm sono REM, com níveis semelhantes de atividade cerebral, movimentos oculares e paralisia muscular.
ENTENDER OS CICLOS DE SONO
Durante a noite, uma pessoa passa por vários ciclos de sono de noventa minutos. Cada ciclo começa com sono não-REM e termina com sono REM, mas a proporção de cada tipo de sono varia.
No início da noite, o mais normal é ter mais sono profundo regenerador não-REM em cada ciclo de sono. Com o amanhecer, quando o corpo está bem descansado e não precisa de tanto sono regenerador, há mais sono REM por ciclo.
«Com o passar da noite, os períodos de sono REM ficam cada vez mais longos e o sono profundo mais curto, por isso a maior parte do sono REM ocorre nas últimas horas de sono e a maioria do sono profundo ao início da noite», explica Denholm Aspy, investigador visitante e especialista em sono no departamento de Psicologia da Universidade de Adelaide. «Ambos os tipos de sono são fundamentais para a saúde no seu todo e para o bem-estar.»
SONO REM: O TERRITÓRIO DOS SONHOS
Historicamente, as pessoas acreditavam que só se sonhava durante o sono REM. No entanto, pesquisas levadas a cabo no século xx mostraram que as pessoas por vezes também sonhavam 17:00», conta Daniel. «Na minha opinião, dormir o suficiente permite que o corpo funcione como uma máquina bem oleada.»
Além da saúde física, o sono tem efeitos poderosos no humor. A investigação mostrou que a falta de sono está associada a um declínio do humor e os especialistas sugerem que ter a quantidade devida de sono REM pode ser importante para uma boa saúde mental.
«Se formos para a cama com maus sentimentos, sentimo-nos melhor de manhã», explica a Dra. Rubin Naiman. «Os sonhos durante o sono REM fazem-nos isso de formas muito complexas.»
OS SONHOS REVELAM O MELHOR DE SI
Quando tem sono REM suficiente pode tornar-se mais criativo e perspicaz, tal como Karina, que resolve problemas pessoais e de trabalho nos sonhos.
De acordo com a Dra. Arnulf, «muitos cientistas aperceberam-se de que fizeram uma descoberta quando dormiram sobre ela. Mendeleev descobriu a tabela periódica nos seus sonhos, e até mesmo Einstein disse que a teoria da relatividade lhe surgiu num dia em que tinha sonhado com vacas. E o que a ciência nos provou é que somos melhores a resolver problemas complexos – a descobrir uma chave para os resolver – se dormirmos sobre o assunto. Agora a questão é: é apenas o sono, ou os sonhos que sonhamos ajudam-nos a pensar de um modo diferente?»
O sono também nos ajuda a processar memórias e emoções: o sono REM ajuda uma pessoa a perceber o que se passou na sua vida durante o dia, em particular se esses eventos foram inquietantes ou confusos. «É um pouco como o vulcão que ruge e expele fumo mas sem fazer mal a ninguém», compara Clare Johnson, presidente da Associação Internacional para o Estudo dos Sonhos. «A função do sonho é ajudá-lo a libertar-se destas emoções que são simplesmente demasiado vívidas. Os sonhos levantam uma bandeira vermelha que diz: “Ei, está aqui um problema com que ainda não lidaste. Precisas de ver isto.”»
OS PROBLEMAS DE SAÚDE PODEM BLOQUEAR O SONO REM
Distúrbios do sono, como a apneia obstrutiva e a insónia, podem interferir com o sono REM. A insónia limita a quantidade total de tempo que se dorme a cada noite, o que diminui a quantidade de sono REM das últimas horas da madrugada. E as pessoas com apneia do sono deixam de respirar periodicamente ao longo da noite, o que provoca o acordar frequente – e isso faz com que não tenham suficiente sono não-REM restabelecedor nem sono REM rico em sonhos.
«Nunca estão realmente em sono profundo, por isso o sono não lhes permite descansarem mesmo», explica Philippe Peigneux, professor de Neuropsicologia Clínica na Universidade Livre de Bruxelas.
A depressão e a falta de sono REM têm uma relação semelhante à do ovo e da galinha: há especialistas que creem que a perda de sono causada pela insónia, apneia do sono ou outros problemas de saúde podem levar à depressão. E, no entanto, a depressão pode provocar problemas de sono, o que pode causar insónia. Para tratar a depressão, por norma os médicos receitam antidepressivos, que suprimem o sono REM. Por causa disto, as pessoas não conseguem regular as suas emoções durante o sono REM, a fase do sono que ajuda a estabilizar as emoções.
«As pessoas que tomam medicação para a depressão escrevem-me a dizer: “Desde que comecei a fazer esta medicação não me lembro de nada dos meus sonhos; costumava ter sonhos incríveis e esta medicação deu cabo deles”», diz Clare Johnson.
COMO TER MAIS SONO REM
Se tiver sono de boa qualidade durante o tempo suficiente, naturalmente aumenta o sono REM. Eis como começar:
Mude de atitude. Como as pessoas dão prioridade ao trabalho, à socialização ou aos ecrãs ao invés de irem para a cama dormir, hoje há um número recorde de pessoas voluntariamente privadas de sono. «No último estudo feito em França demonstrou-se que perdemos quase meia hora nos últimos sete anos e que já passámos para menos de sete horas, o que é significativo», refere a Dra. Isabelle Arnulf. «Antes, éramos os mais dorminhocos da Europa. Agora dormimos, em média, seis horas e quarenta e cinco minutos.»
Arranje tempo para o sono. Não acorde uma hora ou duas antes do tempo que o seu corpo precisa porque vai perder as fases fundamentais de sono REM da madrugada. Avalie as suas necessidades comparando a hora de acordar durante os dias da semana e ao fim de semana e faça as alterações necessárias para garantir que dorme as horas necessárias todas as noites. «Se dorme normalmente mais duas horas ao fim de semana do que durante a semana», diz Philippe Peigneux, «isso significa que durante a semana não dorme o suficiente».
Evite os comprimidos para dormir. Se tem dificuldade em adormecer, não agarre logo num comprimido porque não lhe vai garantir um sono saudável nem ter qualquer fase de sono REM. «Vai passar para um estado de transe ou de sedação», afirma Clare Johnson. «Troca um problema por outro: na realidade está a diminuir a quantidade de sono REM e tudo o que o cérebro faz enquanto sonha, tal como consolidar memórias.»
Procure tratamento para a apneia do sono. O tratamento normal – uma máquina CPAP, que mantém as vias aéreas abertas toda a noite – pode melhorar a qualidade do sono. «Recupera a capacidade de consolidação de memórias em sono não-REM», explica Philippe Peigneux. «Se consegue dormir mais, também terá mais probabilidades de ter uma boa transição para o sono REM.»
Não fique desapontado se não se conseguir lembrar dos sonhos: a Dra. Arnulf monitorizou pessoas que se identificaram como não-sonhadoras e descobriu que também sonhavam durante a fase REM do sono apesar de não se lembrarem. «Tinham sonhos muito bons e ativos durante a fase REM que conseguimos monitorizar no laboratório do sono», conta a Dra. Arnulf. «Quando as acordámos, logo a seguir aos episódios de falarem e mexerem-se na cama, não se lembravam de nada.»
É garantido que, se dorme o suficiente, está quase de certeza a colher as vantagens do sono REM.
«Se respiramos de forma normal e saudável não temos de prestar atenção a isso e, claro, retiramos grandes benefícios», diz a Dra. Rubin Naiman. «O mesmo também acontece com os sonhos. Se sonhamos bem, não temos necessariamente de nos lembrar dos sonhos para tirar deles benefício.»