COMEÇOU COM O QUE VIU NO ESPELHO da casa de banho. Geri Taylor entrou na casa de banho luminosa do seu apartamento em Nova Iorque e casualmente olhou para o seu reflexo. Imediatamente congelou de medo.
Não se reconheceu. Olhou para a sua imagem e pensou: Oh, não, aquela não sou eu. Quem é que está no espelho? Isto foi nos finais de 2012. Tinha 69 anos e tinha-se reformado recentemente.
Houve um período em que tinha a sensação de ficar coberta de nuvens. Tinha havido alguns problemas no trabalho. Era uma enfermeira com mestrado em saúde pública, que subira na carreira e ocupara cargos administrativos. Uma vez, conduzia uma reunião de equipa e não fazia ideia do que estava a dizer: a sua mente parecia um motor gripado. Ultrapassou o episódio passando rapidamente a direção da reunião para um colega.
Algumas tarefas mundanas baralhavam-na. Disse ao marido, Jim Taylor, que a persiana do quarto estava avariada. Ele mostrou-lhe que estava a puxar o cordão errado. Continuou a acontecer. Por fim, quando nada mais funcionou, escreveu na parede que cordão fazia o quê. Depois houve a vez em que saiu no metro incapaz de perceber o que estava ali a fazer.
Por isso, sim, ela tinha indícios de que alguma coisa estava mal com a sua cabeça. Mas não reconhecer o seu próprio rosto?! Foi então que teve de aceitar uma terrível verdade. «Antes pensava que poderia fingir», explicou mais tarde. «Isto convenceu-me de que tinha de admitir.»
Confiou o seus temores ao marido e marcou uma consulta de neurologia. O neurologista ouviu os seus sintomas, tirou sangue, fez-lhe um teste cognitivo padrão. Foi-lhe pedido que contasse para trás desde 100 a intervalos de sete; tinha de dizer a frase: «Sem “se”, “e” ou “mas”.» Ele disse-lhe três palavras comuns e que lhe iria perguntar por elas mais tarde. Quando o fez, ela só soube uma.
O neurologista diagnosticou-lhe uma deficiência cognitiva ligeira, um precursor comum da doença de Alzheimer. O primeiro rótulo para o que ela tinha. Logo ali, ela compreendeu que era o prenúncio do que estava para vir. A doença tinha atingido o seu pai, uma tia e um primo. Há muito que suspeitava que a poderia encontrar.
A doença de Alzheimer é degenerativa, incurável e democrática no seu alcance. Em todo o mundo, cerca de 47 milhões de pessoas sofrem de Alzheimer ou demência relacionada. É mais comum na Europa Ocidental; a América do Norte vem logo a seguir. As pessoas vivem com ela cerca de 8 a 10 anos depois do diagnóstico, embora haja quem resista 20 anos.
A doença progride em estágios de agravamento até ao final inapreensível. Essa é a face familiar da doença de Alzheimer, a pessoa apagada, de mente baralhada, presa num lar. Mas também há o princípio. O período de espera. Agora esta era Geri Taylor. À espera.
NUNCA CHOROU
Geri manteve-se enérgica, senhora da situação, antes de o ataque silencioso à sua mente atingir plena força. Mas... e no mês que vem? No próximo ano? A doença estaria lá. Vai-nos desgastando – o progresso é confuso e imprevisível.
«O princípio é como um purgatório», disse mais tarde. «É uma espécie de período de graça. Estamos à espera de alguma coisa. Alguma coisa que não queremos que venha. É como um purgatório antes do inferno.»
Geri é uma mulher efervescente, com um rosto redondo e uma cabeleira en- caracolada. Agora tem 75 anos. Ela e o presente em perspetiva. Geri disse-lhe: «Isto é algo que se irá desenvolver, mas ainda não se desenvolveu.»
Sim, algo importante tinha acontecido. Mas estavam ainda vivos. Ainda juntos, com quilómetros pela frente. Assim, avançaram para as suas vidas reordenadas.
Muitos pensam em Alzheimer como uma doença da memória, mas os seus terríveis mistérios envolvem muito mais do que isso. Não só a memória a estava a deixar, mas também o que se chama a «função executiva». Perde-se a sequên- cia de passos num processo, como um homem que começa a fazer a barba antes de aplicar o creme de barbear.
Ela não podia saber a velocidade do seu declínio. É diferente para cada pessoa. O impacto, aprendeu, parece em parte determinado pela quantidade de reserva cognitiva, as capacidades mentais acumuladas ao longo da vida. Ela sentia que tinha bastante disso – ou pelo menos assim esperava.
O seu médico receitou-lhe Aricept, um medicamento desenhado para melhorar o desempenho cognitivo. Parecia aguçar-lhe o raciocínio, especialmente de manhã, mas ela não conseguia avaliar ao certo o bem que fazia.
O seu sistema de crença era o otimismo. Nunca chorava. A depressão, sabia, levá-la-ia para becos que ela não queria visitar e que não lhe trariam nada. Em vez disso, a doença deu-lhe fome de viver. Jurou mergulhar de cabeça e aprofundar o seu interesse de sempre na fotografia. Ver mais os amigos. Procurou viver da forma mais satisfatória que podia naqueles que pa- reciam ser os mais sombrios dos dias.
DIFICULDADE EM AJCOMPANHAR
Jim Taylor fez uma lista de coisas a fazer, como forma de iniciar o processo. Quando dizer aos filhose netos. Quanto tempo manter as duas casas. Necessidades de cuidados avançados. Decisões de fim de vida.
Geri foi aconselhada a não falar às pessoas sobre a sua doença. Os amigos irão afastar-se, disseram-lhe, vão manter-te à distância. Era como se houvesse alguma coisa ilícita por ter Alzheimer. Os Taylor não queriam nada disso. «Foi decisão minha deixar a doença estar viva na minha vida», disse Geri. «Não é preciso atirar logo a toalha ao chão.»
Esperaram seis meses. Ela queria tempo para experimentar a sua nova vida, para poder partilhar as notícias sem nenhum excesso de emoção. Então, no verão de 2013, contou aos filhos.
Eles não ficaram surpreendidos. Tinham detetado falhas na sua memória, e agora percebiam a origem. Adiou informar os netos e avançou para outros familiares e amigos. Alguns aceitaram as notícias, outros titubearam, a verdade nua e crua demasiado intensa. Tens a certeza... Não pareces... Não notámos. Alguns praticamente tentaram dissuadi-la da ideia.
Um amigo percorreu a pente fino a Internet à procura de soluções e acertou no óleo de coco. Alguma investigação sugere que pode melhorar a função cognitiva. Mencionou-o a Geri, que desdenha genuinamente de curas de charlatões e pensamento mágico. No entanto sabia que o óleo de coco era suficientemente inócuo. Por isso começou a tomá-lo. «Que mal poderia fazer?», interrogou-se. «É bom para as unhas, é bom para a pele.» Tomou-o durante umas semanas, sem detetar benefícios, depois deixou-se daquilo e seguiu em frente.
Outros mal se apercebiam. Mas ela sabia. Estava a deslizar, a doença a erodi-la. Certas palavras tornaram-se irrecuperáveis, as frases recusavam-se a sair. Pertences desapareciam: chaves, óculos, brincos. Perdia coisas e depois esquecia-se do que tinha perdido. Um desgaste nas orlas da sua vida. «Eu sei que a maré está a vazar na minha memória», dizia ela.
Tinha dificuldade com o tempo. «Já não tenho um relógio na minha cabeça», era como ela o expressava. «O conceito de quanto tempo demora a fazer alguma coisa perdeu-se.» Se ela tinha visto alguém nessa manhã, à tarde já se interrogava sobre se isso tinha acontecido noutro dia.
«Não consigo reconstruir ontem, e não estou a pensar no que acontecerá a seguir. Porque não sei.»
O seu novo melhor amigo era o seu iPhone. Ela pegava-lhe umas 20 vezes por dia e percorria o calendário e as notas que fazia para si mesma. Tenho de estar onde? Quando? Fazer o quê? Com quem? Usava a câmara para tirar fotografias de lugares para depois os lembrar.
Em março de 2014 foi à organização CaringKind no centro de Manhattan. Ti- nha tido relutância em ir, imaginando o lugar como um recurso para os que se afundam mais profundamente no mundo sombrio da doença, e isso era demasiado cedo para ela. Mas uma vez que se integrou, soube que tinha che- gado no tempo certo. «Lembro-me que pensei: Estas são as minhas pessoas. É aqui que pertenço.»
Inscreveu-se em alguns programas, incluindo um curso de fotografia. Ins- creveu-se num grupo de Trabalhos de Memória, que envolve exercícios para a mente. O moderador disse que os jo- gos não iriam curar ou travar o declínio. Estavam ali para se divertir.
Diga palavras que comecem com a letra B.
Diga alimentos que comecem com a letra M.
A melhor parte era não ter de disfarçar as suas deficiências. No mundo lá fora, estava sempre a lutar para estar à altura. «As pessoas dizem: “O que é que queres dizer? Não há nada de mal contigo”», explicava. «Mas estou sempre a esconder coisas.»
Lá fora, as pessoas com Alzheimer são consideradas estragadas. Dentro destas paredes, no entanto, todos a ti- nham. A doença de Alzheimer era normal. Nos Trabalhos da Memória sentia-se protegida e segura.
A intimidade com estes desconhecidos era espantosa. Estavam seques- trados por uma doença horrorosa. Mas brincavam, metiam-se uns com os outros. «Todos riem», relatou. «E todos estão felizes por estarem com pessoas como eles, que não conseguem fazer sair as palavras.» Sentada ali naquele ambiente alegre, por vezes pensava: Não devíamos ser assim felizes.
Era como se estivéssemos todos pedrados. Pedrados com Alzheimer.
ESTRATÉGIAS PARA VIVER
Geri tornou-se vigilante quando caminhava. O seu passo tinha mudado. Sentia-se como se ondulasse, a um pé em falso de tombar no chão. Era pior se falasse enquanto caminhava. Uma vez tropeçou e caiu quando conversava com amigos. A nova regra: Enquanto se caminha, falar apenas se for estritamente necessário.
Um dia ia de carro para o norte de Nova Iorque e bateu contra outro carro. Não houve danos graves e foi totalmente culpa sua. Pouco tempo depois, ia a conduzir com Jim quando chegou a umas obras na estrada. Um homem de bandeira fez-lhe sinal para parar. Em vez disso, continuou em frente, sentindo uma vontade irresistível de falar com o homem da ban- deira. Finalmente, Jim fê-la parar. Ela não conseguiu explicar o seu estranho comportamento.
Nessa noite, Jim sugeriu que ela pa- rasse de conduzir, uma vez que estava a ter pouco discernimento. Ela virou-se contra ele, acusando-o de ter sempre pouco discernimento. Conduzia de- pressa demais. Colava-se ao da frente. Mas no dia seguinte, quando o peso da inevitabilidade se instalou, ela concor- dou em reduzir e em conduzir apenas quando estritamente necessário.
Uma amiga mostrou-lhe a aplicação de iPhone «Find My Friends». «Espero que isto não te ofenda», disse a amiga.
«Não ofende», replicou Geri. «Já a tenho.» Tinha-a instalado com Jim, que assim podia saber o paradeiro dela através do telefone, no caso de se perder e ter de ser encontrada.
Era uma pessoa diferente com Alzheimer, puxada para cá e para lá das fronteiras da doença. Um dia as coisas eram de uma maneira, e depois eram doutra. Sentir-se normal. Aprisionada numa nuvem difusa. Cheia de energia. Esgotada. A doença não era uma linha reta. As flutuações levá-la-iam a questionar-se. «É o complexo de fraude que as pessoas com Alzheimer têm», diz. «Temos dias bons e dias maus. E quando temos um trecho bom pen- samos: “Sou uma fraude?”»
Mas depois a doença aclarava a voz e lembrava-a.
Nalgumas noites, andava durante o sono. Uma manhã acordou e deu consigo parada no meio da sala de estar a olhar pela janela. Por vezes alucinava e tinha estranhos sonhos envolventes. Gritava durante o sono e Jim tinha de a abanar para ela acordar.
Sentia que estava a trabalhar a meia velocidade. «Não consigo abrir o ar- mário de manhã e decidir o que vestir. Deixo as coisas preparadas na noite anterior ou começo de manhã cedo. Uma coisa em que me concentro é em parecer arrumada. Não quero ter um ar velho e louco. Num instante, eu sei, poderia parecer desalinhada.»
Perdeu interesse em comprar roupa. «Agora quando vou a uma loja, é de- mais. Não consigo distinguir umas coisas das outras.» A comida também tem menos importância para ela. Nunca gostou das compras do supermercado, via isso como uma das coisas «chatas» da vida. Agora gosta ainda menos. «Um grande sintoma é a incapacidade de cozinhar e juntar coisas», disse. «Agora fico feliz com uma sanduíche simples, ou compro galinha pré-cozinhada no supermercado.»
Tinha dificuldade em manter uma conversa. «Quando falo com amigos, preparo-me», disse. «Faço alguma pesquisa. Como garantir que pergunto pela última neta. O que me esqueci de fazer no outro dia. O perguntar pelo marido, e garantir que há um marido.»
Uma coisa que a preocupava era encontrar um propósito na sua vida, um propósito que substituísse a carreira. Ela adorava o seu trabalho. Nunca quis simplesmente andar pelas margens.
A fotografia tinha estado à margem durante 30 anos, mas agora podia realmente dedicar-lhe tempo. As aves eram um seu interesse ávido. Reuniu as suas melhores fotografias em cartões e deu-os como presentes.
A fotografia era certamente um bálsamo. Quando mergulhava nela, o mundo à sua volta parecia relaxar. A doença parecia estranhamente ausente, sem ser capaz de a tocar. Com os pássaros, não precisava de reunir letras para a palavra certa. Não tinha de falar com eles. «Para mim, a doença não existe quando tiro fotografias», disse.
As aves eram maravilhosas. Mas se- riam suficientes? Ela não pensava que fossem, mas ainda não conseguira imaginar o que seria.
É ASSIM QUE TE SENTES
O curso de cuidador da Caring- Kind começou na sala de formação. As cadeiras estavam dispostas em volta de mesas que ti- nham sido juntas. Havia oito partici- pantes. Jim Taylor entre eles.
A moderadora disse aos participantes que eles próprios iriam também precisar de apoio. «Só nos podemos dobrar até um certo ponto antes de quebrar.» Convidou-os a partilhar. Alguém falou na condução. Uma mulher disse que ficou nervosa quando o marido quase passou um sinal vermelho e só parou porque ela gritou. Depois, ela confiscou-lhe as chaves. Ele ficou furioso. Ela resistiu. Ainda estavam a debater isso.
Uma mulher frustrada, que cuidava do marido, disse com uma tremura na voz: «Ficamos entregues a nós nisto, olhando o tempo todo, observando – oh, repetiste isto duas vezes, repetiste três vezes. Não gosto disso.»
Outra mulher disse: «Ele provavelmente também não gosta.»
A moderadora falou no programa de alerta médico da organização. Vaguear é comum na doença de Alzheimer. Por norma acontece quando há uma disrupção na rotina. Por isso a organização recomenda que todos tenham uma bracelete de identificação.
A seguir, a moderadora disse que queria tentar um exercício. Deu a cada um duas folhas de papel. Cada uma continha uma estrela desenhada com linhas duplas. Pediu-lhes que dese- nhassem uma linha entre as linhas duplas, traçando o contorno da estrela. Quando acabaram perguntou-lhes o que acharam da experiência.
Vieram as respostas: «Aborrecido.» «Chato.»
Depois deu a todos um pequeno espelho. Agora, na segunda folha, ela queria que posicionassem o espelho de forma a poderem ver a estrela no reflexo. E depois que traçassem de novo a estrela enquanto olhavam apenas para o espelho. A ideia era fazê-los experimentar um pouco do que era ter demência, para promover compreen- são e empatia.
Enquanto atrapalhadamente tentava cumprir o exercício, Jim Taylor disse: «Isto é como conduzir um semirreboque em marcha atrás.»
Os resultados foram desoladores, com linhas a saírem por todo o lado. De novo a moderadora lhes perguntou como se sentiam.
«Frustrado.» «Desorientado.» Uma mulher irritada perguntou: «Então é assim que eles se sentem, as pessoas
com Alzheimer?»A moderadora res- pondeu: «Devolvo-lhe a pergunta. O que é que acha?»
A mulher ficou silenciosa. «Sim», disse suavemente. «Acho que deve ser.»
PARTILHAR O CAMINHO
Jim Taylor leu um artigo sobre um es- tudo de estágio precoce para um medicamento experimental. O medicamento destinava-se a travar o declínio mental, quebrando as placas formadas pela proteína beta-amiloide, que são a marca da doença de Alzheimer. A em- presa Biogen estava a testar sujeitos com casos ligeiros de Alzheimer. Era uma possibilidade promissora num campo povoado por desilusões.
Geri percorreu a Internet e soube que parte do ensaio estava a ter lugar no Hospital Yale New Haven, no Connecticut. Ligou para Yale e descobriu que estavam ainda abertas algumas vagas. Em breve estava a fazer testes cognitivos em New Haven. Os resul- tados deram Alzheimer ligeiro, posi- cionando-a no grupo apropriado. Um exame imagiológico confirmou que ti- nha acumulação amiloide no cérebro, outro pré-requisito para o ensaio. Isso parecia dar esperança e tinha um potente atrativo: a possibilidade de que o medicamento pudesse ne- gociar alguma espécie de trégua com a doença.
Não sabia se receberia o medicamento ou um placebo, embora, pela forma como o ensaio estava estru- turado, as possibilidades de receber tratamento fossem elevadas. De qualquer modo, ela teria acesso ao medicamento ao fim de um ano de estudo. Entretanto, em fevereiro de 2015, os Taylor fizeram umas férias de inverno na Florida. Foram convidados a dar uma palestra, num jantar de uma igreja a que pertencia a irmã de Jim, sobre como era viver com Alzheimer. A princípio hesitaram. Mas se cor- resse bem, talvez fosse uma coisa que pudessem continuar a fazer. Talvez a forma como estavam a lidar com esta doença ajudasse outras pessoas. Mais de trinta pessoas encheram a sala. Geri sentou-se numa cadeira. Quando ficava de pé demasiado tempo, tinha tremuras.
Jim disse: «Estamos felizes por estar aqui hoje para partilhar o nosso caminho. Embora por vezes difícil, tem sido um tempo bastante emocionante.»
Contaram como a doença pesava sobre eles, como evitavam a clausura por que passam as pessoas com Al- zheimer, como decidiram que seguir em frente era a única direção sensata a escolher. Os pequenos detalhes despertaram boas gargalhadas. Como Geri estava sempre a confundir as escovas de dentes, e como finalmente deitou fora a de Jim porque não conseguia saber a quem pertencia, em- bora, como ela disse: «Éramos só nós os dois.»
Deu dicas sobre como comunicar com alguém que tem a doença. Focar-se num assunto, nunca fazer várias perguntas ao mesmo tempo. Quando uma amiga a atingia com múltiplas perguntas ela sentia-se assoberbada.
A audiência estava silenciosa e cativa, a ouvir um casal de idosos a con- tar como uma doença os destroçara e unira.
Responderam a perguntas. Um homem quis saber se ela fazia palavras- -cruzadas. Ela disse que não, eram demasiado frustrantes. Mas adorava ler e estava mergulhada no Crime e Castigo. Outra pessoa perguntou: «O que é que quer ouvir quando diz a alguém que tem Alzheimer?»
«Adoro-te, tudo o que puder fazer, farei», disse Geri. «A aceitação é mais importante do que os pormenores.»
Quando terminaram, os aplausos duraram algum tempo.
NOVA MISSÃO
Em março de 2015, Geri teve a sua primeira infusão mensal do medicamento experimental aducanumab. A Biogen tinha anunciado recentemente que uma análise de 166 pacientes tinha mostrado resultados positivos. A droga travava o declínio cognitivo e reduzia as placas no cérebro. Os especialistas diziam que os dados eram encorajadores. Claro que já tinha havido outras inicialmente promissoras e depois acabaram descartadas como pistas falsas. (Na verdade, resultados adicionais alguns meses mais tarde foram mais nebulosos.)*
Em abril o médico sentou-se ao lado de Geri enquanto ela estava deitada, com a agulha intravenosa no braço. Ela conhecia o desfile de falhanços dos me- dicamentos para a doença de Alzheimer. «Deve ser entusiasmante estar en- volvido num êxito», disse ela ao médico.
«Bem, um êxito relativo», respondeu o médico. «Ainda é cedo.»
Neste ponto, o medicamento conti- nuava a ser um ponto de interrogação. Seriam precisos anos para se saber o seu real valor. Ele estava a ser devida- mente cauteloso.
«Como é que se sente?», perguntou. «Ótima.»
«Sem comichão?»
«Nada.» Ela sentia-se com esperança. Era o seu otimismo interior, o seu de- sejo de descobrir uma saída. Disse ao médico: «Disse ao Jim que se eu pudesse ser congelada assim, conseguia viver com isso.»
E claro, quem não aceitaria esse negócio? Viver com «isso», com a procura de palavras, a perder as suas coisas, a não conduzir? E porque não? Ela sabia que nada iria repará-la e fazê-la voltar a ser a pessoa que fora, mas se ficasse parada onde estava, isso era melhor do que o hediondo estágio final da doença.
Entretanto, Geri e o marido deram mais algumas palestras sobre Alzheimer – num centro judaico em Nova Iorque e num quartel de bombeiros de Connecticut. Estavam a tornar-se apóstolos de como viver com a doença. Mas ela precisava de fazer mais. Queria ver estraté- gias identificadas e partilhadas para lidar com as mundanidades diárias, para arrancar sobrevivência desta doença. Já que ela era quem a tinha, sentia que era uma autoridade no assunto.
Em agosto, Geri encontrou-se com dois membros da equipa da Caring- Kind. Geri apresentou-lhes a sua ideia. Não queria um grupo de apoio tradicional. Queria um grupo para partilhar estratégias, instruções para a doença de Alzheimer que pudessem ser conduzidas entre pares. «Não queremos que façam por nós, queremos ser nós a fazer.»
A CaringKind organizou uma série de cursos para troca de estratégias para viver com o primeiro estágio da perda de memória. De e para os desfavorecidos. As pessoas expressaram os seus proble- mas. Houve interesse nos testes clínicos de medicamentos. As estratégias eram enunciadas e postas num quadro. Geri Taylor ofereceu as suas ideias. Como confiar num smartphone. A ideia de so- cializar frequentemente, inventar lembretes e encontrar um propósito. Sugeriu que o grupo publicasse manuais a detalhar estas estratégias.
Mais tarde, os Taylor encontraram-se na filial de Connecticut da Associação de Alzheimer, dizendo que estavam espantados por tantas pessoas ainda ocultarem a doença.
Souberam que a associação se ofe- rece para fazer apresentações em em- presas. Os executivos começam por dizer que achavam que não tinham al- guém afetado, mas depois a associação aparece e há 80 ou 90 pessoas à espera de ouvir. De novo o estigma. A negação. As pessoas a esconder.
«Se a doença ficar escondida», diz Geri, «as pessoas não desenvolvem estratégias que compensem as deficiências. Irão apenas, lentamente, passar para um estado de incapacidade».
A equipa da Associação de Alzheimer concordou. Mencionaram uma mulher que não se conseguia lembrar onde guardava os diferentes pratos, por isso instalou portas de vidro nos armários. E o marido que receava que a mulher se perdesse quando andavam às com- pras e que ele não se lembrasse do que ela tinha vestido, por isso agora usavam camisas da mesma cor.
Geri Taylor ouviu tudo isto, e depois a executiva da associação disse que queria a ajuda de Geri. Que viesse e falasse. Que se tornasse um dos seus campeões. Talvez tornar-se representante da organização nacional.
O rosto de Geri enrugou-se, e ela começou a chorar. Porque o que ela desejava mais do que qualquer outra coisa era que as pessoas com Alzheimer não vivessem na vergonha mas na nobreza, e aprendendo formas de continuar a viver. E esta mulher estava a dizer-lhe que queria o mesmo. Geri nunca tinha chorado, nunca tinha tido pena de si por ter a doença, mas isto fê-la chorar.
Mais de três anos se passaram desde o dia em que Geri Taylor não reconheceu o seu rosto no espelho e começou a pensar em como iria preencher os seus dias. Agora, com o seu envolvimento na Associação de Alzheimer, aqui estava a resposta. Este seria o segundo ato, uma coisa que vinha da sua carreira na saúde: ajudar os outros a lidar com a escuridão da doença de Alzheimer.
Ter um propósito era a força estabilizadora. E a própria doença de Alzheimer, percebeu ela, poderia ser o seu propósito.
* A 28 de agosto de 2017 a Biogen anunciou resultados positivos num estudo de três anos que concluiu que os níveis de placa amiloide continuavam a decrescer em doentes que tomavam aducanumab. Estão a decorrer atualmente três estudos globais em fase 3.