É QUARTA-FEIRA DE MANHÃ e a sala comum no projeto de casas-abrigo de Wood Green, em Gateshead, no nordeste de Inglaterra, é uma colmeia de atividade. Um grupo de residentes do sexo masculino está a jogar bilhar. Entretanto as mulheres conversam, encaixam peças num puzzle gigante que cobre toda a mesa, ou comem scones com cobertura de morangos e natas, acabados de fazer por Lynne Walker, que cuida dos 65 bungalows de Wood Green, bem como dos seus idosos habitantes.
A razão por que tantas pessoas se juntaram pode ser encontrada numa incubadora de plástico num canto da sala, pois Wood Green é onde nasceu HenPower, um projeto que revelou o efeito incrível que uma coisa tão simples como criar galinhas pode ter nas vidas de pessoas mais velhas. E nada lhes levanta mais o espírito do que novas aves nascerem.
«Já viu os pintos?», pergunta Doreen Railton, de 89 anos. «Agora são cinco.»
«São como bebés a tentar vir cá para fora, não são?», diz a sua amiga Pat Cain, de 78 anos. E, de facto, na incubadora encontram-se cinco fofos pintainhos a descobrir o mundo.
«Começaram a bicar ontem», diz Owen Turnbull, um engenheiro reformado de 85 anos. «Lynne ficou a pé a noite toda para verificar a incubadora. Às cinco da manhã lá estava ela, porque a humidade (na incubadora) estava a baixar. Eu vim às sete e cinco para ver se estava tudo bem.»
Owen cuida das galinhas em Wood Green – há cerca de 40 hoje, mas já houve quase 60 –, devidamente auxiliado pelo seu amigo Albert Hibbert. «Eu sou o aprendiz de Owen», diz Albert com um sorriso. «Ele solta as galinhas todas as manhãs e eu dou-lhe comida e arranjo a água. Owen é um bom chefe, note, porque é ele que apanha todos os dejetos!»
Enquanto falamos, Owen liga um DVD à televisão da sala. «Tivemos de dar um banho às nossas galinhas, para tratar piolhos e ácaros», diz, explicando o que vou ver. «Bem, estava um dia frio e as senhoras trouxeram os seus secadores de cabelo para secar as penas das galinhas.»
E, de facto, o ecrã em breve fica povoado de senhoras de Wood Green sentadas nas mesas da sala, cada uma a secar as penas húmidas de uma ave, como esteticistas com as suas clientes num salão de beleza. As galinhas parecem adorar a atenção.
«Acho que gostam do calor», diz Doreen. «De vez em quando levantam as asas para nos dizerem que querem mais ar quente ali.»
OS RESIDENTES de Wood Green têm a atitude de artistas apurados, o que não é uma surpresa.
O projeto HenPower tem tido tanto êxito que Owen, Doreen, Pat e os amigos são as estrelas de um espetáculo itinerante que visita os residentes de lares de idosos. «Na semana passada estávamos em casa e uma senhora disse: «Mas eu gosto de frango assado!», lembra Pat. «Houve um silêncio de morte. Então dissemos: “Nós não comemos as nossas galinhas. Elas são nossas amigas!”»
«Ela continuou a perguntar: “Mas a que é que sabem?” Não se calava!», diz Doreen a rir.
«Eu sei», diz Pat. «Devias ter visto a cara do Owen!»
À medida que se espalhava a palavra sobre o HenPower, homens, mulheres e galináceos apareceram na rádio, na televisão e em festivais culturais, deram palestras a delegados em congressos universitários e falaram com estudantes de enfermagem sobre as necessidades e experiências dos utentes mais velhos.
Muitas vezes levam as suas galinhas às escolas locais. «É adorável ver a cara dos gaiatos», diz Owen com afeto.
Os alunos seguram nas galinhas, desenham-nas e fazem torrentes de perguntas. «Só fiquei sem resposta numa pergunta», diz Alan Richards, um antigo taxista, que é um dos pilares do HenPower. «Um miúdo perguntou: “Quantas penas tem uma galinha? Aí apanhou-me completamente.»
«Graças às galinhas, fiz amigos dos 4 aos 94 anos», diz Alan, que em março de 2015, recebeu um prémio «Points of Light» [Pontos Luminosos], atribuído pelo governo britânico a voluntários que se distinguem na comunidade.
Agora, graças a uma bolsa de um milhão de libras do fundo da Grande Lotaria do Reino Unido, o HenPower está a ser alargado a residências assistidas e a lares por toda a Inglaterra, e estão a fazer-se experiências-piloto também na Austrália.
De acordo com Douglas Hunter, um diretor da Equal Arts, a associação que foi pioneira no HenPower, académicos da Universidade de Frankfurt estão interessados em testar um projeto semelhante na Alemanha.
No entanto, tudo começou na primavera de 2012, quando um residente idoso com demência num lar em Tyneside, chamado Shadon House, não parava de repetir uma lista de nomes femininos e de manifestar a sua saudade.
A equipa do lar levou algum tempo a perceber que os nomes não pertenciam a mulheres, mas às galinhas que ele costumava ter. Interrogaram-se sobre a possibilidade de virem a ter algumas galinhas em Shadon House.
E deu-se o caso de este ser um dos lares em que a Equal Arts trabalhava. Fundada há 30 anos para trazer música, pintura e outras formas de arte às vidas das pessoas mais velhas, a associação viu-se de súbito a montar um galinheiro.
«Parecia uma ideia um pouco maluca, mas achámos que devíamos tentar», lembra o diretor da Equal Arts, Douglas Hunter. «Ponderámos um projeto-piloto de seis meses, mas o efeito foi imediato. A equipa gostou de ter as galinhas, os residentes gostaram e as suas famílias e visitantes também beneficiaram disso.»
EM SETEMBRO DE 2012, a Equal Arts já tinha recebido fundos para expandir o programa para oito lares em Gateshead. Entretanto, em Wood Green, Lynne Walker enfrentava um problema comum em muitas instituições que cuidam dos mais velhos. Embora as residentes sejam, em geral, capazes de fazer amizades, os homens muitas vezes isolam-se.
Alan Richards, por exemplo, tinha ficado separado da sua ex-mulher e filhos havia mais de 30 anos, na sequência de uma disputa familiar. «Muitas vezes ficava apenas sentado em casa, a ver a televisão», lembra.
A vida também era desoladora para Ossie Cresswell, de 89 anos, um soldador reformado. «A minha mulher morreu há 17 anos e desde então tenho estado sozinho. Tinha apenas a televisão por companhia. Num dia bom, saía para o jardim, mas não passava disto. Não restava nada na minha vida.»
Então Lynne assistiu a uma conferência sobre os benefícios que as galinhas haviam trazido para Shadon House. Os residentes ali não estavam suficientemente bem para cuidarem eles próprios das galinhas, mas Lynne viu que os homens em Wood Green podiam encarregar-se dessa tarefa – aquilo ocupá-los-ia. Assim, pediu à Equal Arts para a ajudar a montar um segundo programa.
Alguns dos residentes estavam céticos. «Eu fui frontalmente contra», lembra Alan Richards. «Disse que era uma ideia ridícula. Durante a guerra os nossos vizinhos tinham galinhas, eram todas da raça Rhode Island Red, por isso pensava que todas as galinhas eram assim. Então vi um artigo numa revista e descobri que há mais de 400 tipos de galinhas. Pensei: “Não me importava de me meter nisto.”»
Ossie, entretanto, foi mais fácil de convencer. «Fui lá abaixo [para ver as galinhas] na primeira tarde, e pensei que era interessante. Havia outras pessoas ali que eu já tinha visto, mas com quem nunca falara. Começámos a encontrar-nos todas as semanas e a ver-nos uns aos outros, e depois passou a ser uma coisa pela qual ansiá-vamos.»
Homens como Alan e Ossie, que mal se tinham falado durante anos, de repente tornaram-se amigos inseparáveis. Depois, as mulheres de Wood Green também se juntaram. Começaram a receber convites para falarem em escolas e lares locais, e aos poucos organizaram a sua exposição itinerante.
«Quando visitamos pessoas com demência, as pessoas que deles tomam conta ficam tão gratas por nos termos dado ao trabalho de nos preocuparmos com elas», diz Ossie. «Levamos lá as galinhas, soltamo-las e deixamos as outras pessoas fazerem-lhes festas. Muitas vezes começam a falar, quando de outro modo ficavam só a olhar para as paredes.»
As galinhas tornaram-se personagens de direito próprio. «Arranja alguma coisa mais formosa do que aquilo?», diz Owen, apontando para a cerca especial onde ficam as pequenas garnisés. «As garnisés são pequenas aves adoráveis – coisinhas curiosas, digo-lhe.» Acena para uma das aves.
«Aquela clara é uma atrevida!» depois acrescenta: «Eu casei-me com uma garnisé. A minha mulher só tem um metro e meio.»
Owen está casado com Belle há 60 anos. Como muitas das senhoras de Wood Green, Belle tem uma galinha com o seu nome. «É uma Ancona prateada», diz Owen. «Adora a atenção que recebe nas exposições itinerantes. Mas é preguiçosa e está a ficar demasiado gorda e pesada.» Interrompe-se e sorri. «Isso é a galinha, quero dizer, não a minha mulher!»
TODOS OS ENVOLVIDOS no HenPower têm uma história para contar. Algumas são divertidas, como a ocasião em que foram a um leilão de galinhas e uma das senhoras ficou tão entusiasmada e levantou tantas vezes a mão que licitou contra si mesma.
Depois houve o presidente de Gateshead, a câmara local, que insistiu em ter uma fotografia a segurar uma galinha, mas recusou pôr uma toalha entre a ave e o seu fato elegante… que ficou muito menos elegante quando tiraram a galinha e se viu a porcaria que tinha feito.
Outras histórias são muito comoventes, como a vez em que visitaram um idoso vítima de trombose que tinha perdido a fala.
«Demos-lhe uma galinha e ele começou a fazer-lhe festas e mais festas – estava mesmo sorridente», diz Jos Forrester-Melville, o membro da Equal Arts que dirige o projeto HenPower.
«Depois de meia hora fui para levar a galinha, mas ele não a largava. Então com o maior sorriso na cara disse: «EU GOSTO!»
«A filha irrompeu em lágrimas. O pai não falava havia meses. No dia seguinte ligou-me para dizer que o pai tinha morrido. Ela disse: “Aquela foi a última vez que o vi. Durante meses ele odiou a sua vida, mas ali estava muito feliz.”»
Repetidamente, os pensionistas referem o modo como as galinhas deram um novo alento às suas vidas. Mas é Ossie Cresswell que sintetiza melhor a questão. Depois de descrever o seu papel nas exposições itinerantes do HenPower diz: «A melhor coisa é que não me deixa ir abaixo. Se estamos sozinhos, não temos praticamente nada. Mas se dou felicidade às pessoas, então a minha vida tem valor.»